sábado, 31 de março de 2012

Ópera:Capítulo 22(Últimos Capítulos)




- Parece que é aqui. – Luinha respirou fundo, inalando toda a pureza do ar da manhã antes de estacionar o carro na frente de um grande prédio em Dockland. 
Era segunda-feira, dois dias depois de seu fatídico sequestro, e seu coração disparava em prol de um único objetivo. Abriu a porta do Civic que pegara emprestado de Rod, pisando decidida com a bota de salto na calçada. 
Olhou novamente o prédio e sentiu as pulsações em sua garganta, tão fortes que o sangue se concentrava em suas bochechas. Ela tinha dezoito anos e já era uma mulher, então porque se sentia como uma pré-adolescente saboreando seu primeiro amor platônico? 
Como ela, madura como acreditava ser, ainda podia sentir seus joelhos fraquejarem com a simples menção do nome dele? Como poderia sentir sua pele queimar tão intensamente toda vez que ele a tocava? E a arritmia de seu coração? Como poderia explicar para si mesma? 
Era como se todas as suas noções de amor e paixão tivessem sido automaticamente transferidas para um único ser humano. Nenhum dos caras com quem namorou ou saiu importavam. Ele importava. O cara que arriscara sua vida para salvá-la, que arriscou sua vida para vê-la respirar não apenas uma, como várias vezes. Aquele cara por quem, ela sabia, por mais que os anos passassem, sempre seria o motivo de seus suspiros. O tema favorito de seus sonhos. 
De repente, o traiçoeiro destino pareceu tão correto. Não havia sido o acaso que a levara para Inglaterra, nem o acaso que tinha colocado o rapaz em seu caminho. Tinha sido o destino. O confuso e curioso destino. 
Lua respirou fundo ao parar em frente ao porteiro do edifício, que a olhou de cima a baixo com um olhar um tanto surpreso. Sabia a quem ele a estava conectando, mas enquanto sua mente estava voltada para seu objetivo, não se importou com o que quer que o homem poderia lhe dizer. 
O porteiro, um homem albino e de ombros largos, examinou-a minuciosamente. 
Observou Lua em seu longo vestido de cashmere, com sua meia calça escura e preta contornando as pernas até serem escondidas por sua bota de salto bege. 
- Perdoe-me se eu estiver errado – ele disse educadamente. -, mas a senhorita não é... 
- Não. – ela interrompeu sem se preocupar com a grosseria. Estava mentalmente incapaz de ouvir um engano como aquele sem se magoar. – Meu nome é Lua Marques. – enfatizou, quase como se completasse com um “lembre-se disso”. – Gostaria de saber se Arthur Aguiar está em casa. 
O porteiro cruzou os braços por trás da mesa de mármore, que escondia a cadeira em que estava sentado. A disposição do apartamento onde Thur morava era bastante semelhante à de Duan, com a diferença, claro, de a recepção ser menos ampla e de aparência mais fria, menos convidativa. 
Ele olhou curioso para a sacola que Lua pendia no braço, mas suspirou e acenou para os elevadores: 
- Está. Vá em frente. Nono andar. 
Ela caminhou até os elevadores mais incerta do que estava quando adentrou as portas automáticas do prédio. Apertou o botão sinalizando que estava à espera e esperou, com o coração latejando em sua garganta. 
O porteiro não avisou a Thur que ela estava lá, ela observou. Pensou que talvez fosse melhor assim, uma surpresa. Porém descartou essa idéia quando cogitou a hipótese de estar sendo um inconveniente. 
Engoliu em seco quando as portas do elevador se abriram. Não podia voltar atrás. Tinha ido longe demais. 
Fechou os olhos durante alguns segundos, acalmando seus nervos, depois bateu na porta de madeira clara e polida, que quase imediatamente foi aberta. Por Thur. Sem camisa
. As bochechas da menina coraram instantaneamente quando viu o estado em que ele se encontrava, provavelmente da mesma forma que tinha saído do banho. Afinal, o que ela pensou que fosse encontrar indo na casa dele sem avisar? 
As bochechas de Arthur também ficaram rosadas observando-a ali. Secou os cabelos molhados em uma pequena toalha que carregava no pescoço, depois disse, em tom surpreso: 
- Eu não... – juntou as sobrancelhas, tentando encontrar as palavras certas enquanto passava os olhos rapidamente por ela, de cima a baixo. Por alguma razão, seus joelhos estremeceram enquanto subia sua visão do quadril até os olhos elegantemente pintados da menina. – Esperava que você viesse. 
- Desculpe o incômodo. – ela falou constrangida. – Eu não deveria mesmo ter vindo sem avisar. – Lua virou o corpo de lado, de modo que ficasse claro que pretendia voltar ao elevador. – Eu posso voltar outro di... 
- Não! – Thur agarrou-a pelo braço, assim que ela insinuou dar uma passada para frente. – Não precisa. Eu estou bem. – Lua afrouxou os músculos, fixando-se nos olhos do rapaz, prendidos nos dela. Sua boca tremeu enquanto olhava as maçãs do rosto pronunciadas deThur, que estava marcada, do lado esquerdo, por uma marca roxa. 
Luinha deixou o ar escapar, esticando uma das mãos rapidamente até o machucado. 
- Isso foi... O Scott? – acariciou o local, ainda que estivesse tensa com o que via. 
- Foi. – Thur respondeu, colocando a mão por cima da dela e entrelaçando seus dedos. – Não precisa ficar tão assustada. Não está doendo. 
Lua mordeu seu lábio inferior, segurando uma chateação entalada na garganta. Mal conseguira segurar sua frustração quando fora visitar mica no hospital, no dia anterior, quanto mais ver a consequência da luta no rosto de Thur. 
- É culpa minha. 
- O quê? – ele pareceu espantado. – Como isso pode ser sua culpa? 
Lua admirou os olhos do amado. 
- Eu devia ter sido menos ingênua. Se eu não tivesse acreditado naquele maldito bilhete... 
- Espera. Que bilhete? 
Thur abriu a porta para que ela entrasse. Lua se colocou pra dentro observando cada detalhe do loft. Era espaçoso, frio e cuidadosamente organizado. Se não visse o garoto ali, provavelmente diria que ele não estivera em casa por dias. 
Apesar da enorme cama de casal no meio da sala e da pequena cozinha moderna situada do lado esquerdo do ambiente, o que mais lhe chamou a atenção foi algo em que quase tropeçou, e que assim que percebeu a presença da menina, enfiou o focinho por baixo de sua saia. Spike. 
Lua gargalhou enquanto Thur empurrava, vermelho de constrangimento, o rosto do animal para longe das pernas de Luinha. 
- Desculpe por isso. – disse com a voz abafada pelo esforço de conter o pequeno amigo em direção a garota. – Ele normalmente não é tão... Er... Amigável com as visitas. 
Lua gargalhou ainda mais. 
- Tudo bem, eu também tenho um cachorro. – observou Spike pular até apoiar suas patas nos ombros de Thur e lamber-lhe o rosto, enquanto ele fazia barulhos de protesto. – No Brasil, quero dizer. 
O cão finalmente se acalmou, fazendo com que o menino permitisse que ele ficasse solto. 
- O que me faz lembrar – Thur disse. – que você quase nunca fala sobre sua vida no Brasil. 
- Confesso que de uns meses pra cá ela ficou mais interessante. – deu de ombros, enquantoArthur lhe sorria. 
Ele apontou para a larga cama de casal, que fora as cadeiras no balcão da cozinha, era o único lugar onde poderiam se sentar. 
- É uma falta de preparo não ter um sofá, eu sei. Mas não costumo receber ninguém... 
- Aguiar, eu realmente não vim pra ficar reparando nessas coisas. – respondeu divertida. 
Ele ficou um tempo perdido no sorriso dado por ela, depois se recompôs e perguntou: 
- Mas e quanto ao bilhete? O que você estava dizendo? 
- Que eu recebi um bilhete de um dos funcionários vestidos de cupido, Thur. A mensagem me convidava ao terraço. Pensei que fosse seu e por isso fui. – esclareceu. – Mas eu nunca estive tão terrivelmente enganada. Se eu tivesse por um segundo desconfiado não teria causado isso ao mica, ao Chay, ao Rod e nem a você. 
Arthur balançou a cabeça em negação. 
- Scott arrumaria outros meios de me colocar onde queria. Como ele supunha: uma presa fácil pra morrer. – ele suspirou. – O que ele pôde concluir que não era verdade. Ainda mais quando você já o havia tornado tão débil... De onde tirou o alfinete, no fim das contas? 
Lua cruzou os pés e começou a balançá-los para frente e para trás, para esconder o quanto ainda estava ansiosa. A sacola continuava em seu braço. 
- Do meu vestido. – Thur estreitou os olhos. – Mas não fique preocupado. Não foi Scott quem tirou, fui eu mesma. Eu tirei e o acertei. 
Ele, sentado ao lado dela, levou uma das mãos para seu ombro, acariciando-a. A mão livre de Thur se fechou em um punho. 
- Sentiu necessidade de fazer isso porque eu não cheguei antes. 
- Senti necessidade de fazer isso porque sei que você não é telepata, portanto precisaria de tempo até descobrir onde ele tinha me levado. 
Fez-se um breve silêncio enquanto eles se encaravam profundamente. 
- Você foi muito corajosa ao fazer o que fez. 
Ela sorriu. 
- Acho que sempre, no final das contas, vamos acabar optando pela vida. Se tivermos escolha, se tivermos ao menos qualquer chance, nossa vontade de viver sempre prevalecerá. 
- Se você tiver pelo que viver. – ele completou, aproximando ainda mais seus rostos. 
- Eu nunca senti tanta vontade de viver quanto senti naquela hora. Era como se tudo o que tivesse valor pra mim passasse repetidamente pela minha cabeça. Não podia deixar tudo pra trás. 
Observando Thur abaixar seu olhar, Lua disse baixo, e para seu espanto, de forma clara. 
- Desculpe não ser motivo o suficiente pra você querer viver. 
O olhar de Arthur ao assimilar essas palavras se arregalou tanto que seu semblante assumiu um aspecto completamente ofendido. Nem se Lua dissesse que daria a luz a um filho de Rod ele pareceria tão transtornado. 
- O que você disse? – ele esticou seu rosto pra frente, como se precisasse da confirmação de que não estava ficando surdo. 
- Eu pedi desculpas por não ser motivo pra você querer continuar vivo. Eu... – Luinha mordeu o lábio inferior. – Você não sabe o quanto eu gostaria de ser. – Falou por fim. 
Arthur esticou a mão que anteriormente estava nos ombros da menina para seus cabelos. Esticou uma das mechas do cabelo de Luinha até sua boca, onde, antes de beijar os fios, inalou o perfume de pêssego que possuíam. 
Lua observou-o com admiração, até que ele conduziu seu rosto até próximo ao dela. Depois de alguns segundos sentindo a respiração dele em sua bochecha, Luinha fechou os olhos ao senti-lo encostar levemente seus lábios sobre os dela. 
Fechou os olhos desfrutando da sensação de ter todos os sentidos de seu corpo aguçados para apenas uma ação. Sentiu os pêlos, que tinham se eriçado com a proximidade dele, baixarem com o calor que aquele contato a proporcionava. Assim que Thur separou devagar os lábios para aprofundar o beijo, Lua sentiu o coração girar 360 graus. Arrastou-se no colchão para se aproximar ainda mais dele, que pedia permissão com a língua para ir além do selinho. 
Luinha juntou sua língua a dele no mesmo tempo em que o segurou pela nuca, deixando claro que, para ela, aquele beijo era mais que bem vindo. A outra mão que Thur usava para se apoiar em um dos joelhos agora estava na cintura da garota, apertando-a de modo firme e fazendo com que seus arrepios voltassem. 
Luinha percebia que diferenciar sua saliva e hálito do de Thur agora já seria inútil. Suas bocas, línguas e salivas já estavam tão unidas que mal podia identificar os movimentos que seus próprios músculos faziam. Só sabia que, o que faziam, faziam certo e com sucesso de deixar aquela sensação ainda mais perfeita. 
Thur arrastou-se até se postar o mais próximo possível da menina que o espaço permitia, mas logo aumentou seu contato quando a puxou pela cintura, até que ela estivesse ajoelhada no colchão, com o corpo completamente colado ao dele. 
Lua desceu a mão que estava apoiada nos ombros do garoto até seu peito descoberto, e depois enlaçando seu braço por baixo do dele, de forma que pudesse acariciar levemente suas costas. 
Thur desceu sua mão esquerda pela perna de Luinha, e, alcançando os canos de suas botas, não teve trabalho para tirá-las. 
Lua soltou uma risada baixa durante o beijo que cada vez ficava mais intenso, ao perceber que, quando Thur se deitou por cima dela, provavelmente havia tirado as botas para que não sujassem a cama. Isso provava que a estranha disposição e organização dos móveis era mesmo obra de Aguiar. 
Lua jogou a sacola laranja que segurava para o chão assim que sentiu as mãos de Thur, por baixo de sua saia, puxarem a meia calça pra baixo. Separaram o beijo assim que houve necessidade de passá-la pelos pés, e quando se olharam, com os peitos arfantes e bochechas coradas, de repente sentiram outro peso na cama. 
Thur olhou para o lado imediatamente, arrependendo-se de ter feito isso quando Spike lambeu seu nariz. 
- Spike, sério, agora não. – murmurou impaciente, mas o cachorro não lhe deu ouvidos. Continuou a abanar o rabo no colchão. – Sai daqui. – Thur insistiu. 
Apesar de também ter ficado indisposta com a interrupção, Lua não pôde deixar de rir. 
- Spike. – riu. – É esse o nome que você escolheu? 
Thur segurou uma das coxas de Luinha, enrolando-a em sua cintura. 
- Algum problema? – levantou uma das sobrancelhas. 
- Não. Claro que não. – ainda estava divertida. – Mas não consigo parar de pensar em “Rugrats” ou em “Buffy” quando escuto esse nome. – novamente caiu na risada. 
Arthur também se arriscou a rir. 
- Oh, céus. – choramingou. – Nada mais broxante que saber que o nome do meu cachorro te faz pensar em um homem com o cabelo tingido. 
Lua gargalhou, seguida por ele. 
- Okay, então. – ela tirou os cabelos da frente do pescoço, olhando-o com um sorriso maldoso. – Pode deixar que nunca mais toco nesse assunto. 
Quando Arthur inclinou sua cabeça para voltar a beijá-la, o cão pôs-se no meio, latindo animado como se pensasse que aquilo era uma brincadeira de que queria participar. 
Lua sentou-se bem humorada, acariciando os pelos de Spike e olhando para Thur, que fez um bico desapontado. 
- Juro que não sei o que deu nele. Acho que vou prendê-lo no banheiro. 
Lua segurou a cabeça do cachorro - que ofegava ainda mexendo o rabo - como se quisesse afastá-lo de Thur. 
- Hey, não faça isso com ele. – falou com uma irritação afetada, Arthur riu. – Ele pode ficar. Não é, menino? – perguntou a Spike, que lhe devolveu a pergunta com uma lambida no rosto. 
- Não pode, não. – Thur engatinhou-se novamente pra cima de Luinha, que largou o animal assim que o viu se aproximar. – Ele vai atrapalhar. 
E quando viu que as atenções não estavam mais voltadas pra ele, Spike pulou do colchão, caindo em cima da sacola laranja e produzindo um alto barulho de papel amassado. 
- Ah, não! – Lua disse, empurrando Thur – que havia começado a beijar seu pescoço – para longe assim que ouviu o barulho do plástico. – Ah, não. Meus presentes! 
Sentou-se rapidamente na cama, esticando-se para alcançar a sacola amassada ao lado.Arthur se ajoelhou, sem vergonha de mostrar em sua face o quanto estava se sentindo contrariado com mais uma interrupção. 
- Eu... – Luinha disse, colocando os cabelos para trás da orelha e sentindo, enfim, o peso da vergonha que tinha do menino. Observou suas pernas descobertas e se perguntou como havia sido capaz de deixar as coisas terem chegado a esse ponto. – Eu vim porque tinha um presente pra você. De natal. - Ela esclareceu, percebendo que não havia falado o motivo pelo qual o havia visitado. Quando voltou seu olhar para Thur, que estava com as sobrancelhas arqueadas em desconfiança, corou ainda mais. 
- Primeiro: - ela enfiou a mão dentro do saco laranja. – sua blusa. – jogou na direção do garoto sua camisa de treino dos Eagles, que ele havia deixado com ela há mais de dois meses. 
- Até tinha esquecido que tinha essa roupa... – ele brincou. 
Ela também tentou sorrir, apesar do constrangimento que sentia ao vê-lo escorado na cama e ela tão próxima, com as pernas completamente descobertas. - Er... E bem... – ela enfiou a mão novamente na sacola, segurando outro objeto que escondia. Olhou pra Thur com as pestanas pesadas, e depois de engolir em seco, disse: - Fui outro dia comprar presentes com a Melzinha. Eu não sabia o que te dar, então pensei que... Bem, se você não gostar, pelo menos pode lhe ser útil. 
Sacou um livro de capa grossa, jogando-o no colchão ao seu lado. Thur se aproximou para segurá-lo, e quando o levantou em frente aos olhos pode ler o título: 
Hamlet.
Ele admirou a capa por alguns instantes, depois virou o livro para ler o resumo. Observando com olhos atentos cada palavra, Thur deixou sua boca entreaberta para falar o que pensava enquanto lia: 
- “É bem a sua cara mesmo – começou a dizer a voz baixa e rouca. – todos morrem no final... Sei bem como você é chegado em uma morte.” 
Lua arregalou os olhos, percebendo que era essa a frase que tinha dito a ele alguns meses antes, enquanto brigavam na aula de literatura. Lembrou-se de estar tão chateada com ele que, ao levantar sua voz para brigar, foi mandada para fora da sala pela professora. A senhora Paskin. A boa senhora Paskin, que agora graças a um misterioso assassino estava tendo sua carne apodrecida embaixo da terra. 
- Desculpe por isso. – ela respondeu sem graça. – Não tive a intenção de falar uma coisa como essas, eu só estava com raiva... 
- E tinha motivo. – Thur concordou. – Eu também estava sendo um idiota. 
Lua rolou os olhos. 
- Obrigada por ressaltar que eu estava sendo idiota, Thur. Você realmente é muito legal. 
Quando ele percebeu que tinha dito “também estava sendo um idiota” como se Lua fosse outra, ele começou a rir. Ela ficou carrancuda por alguns instantes, mas depois seguiu a risada do garoto. 
Será que ele ria assim quando Ivane estava por perto? Ela não pôde deixar de se perguntar.Thur acabara se transformando, do menino misterioso e durão do início do semestre para aquele protetor e risonho, que agora, mais do que nunca, Lua amava. 
Perguntava-se se ele se portava tão feliz quando estava com Iv, se portava tão carinhoso, como estava sendo agora, abraçando-lhe pela cintura e lhe acariciando os braços. QuandoThur permitiu que Lua deitasse a cabeça em seu colo, ela pôde olhar seus olhos por outro ângulo. Tão brilhantes... Tão assustadoramente vivos. Será que, quando estava com ela, a felicidade que sentia era por imaginar estar com Ivane? Era uma dúvida que Luinha queria tirar. 
- Você acha que alguém poderia nos confundir? – Perguntou de repente, enquanto se fingia de desinteressada brincando com alguns fios de cabelo. – Eu e a Iv. 
Thur amoleceu seu rosto, olhando com bondade para a garota deitada em seu colo. Era tão óbvio que Luinha perguntava isso por ciúmes que seu coração inflava de empolgação e expectativa ao respondê-la. Arthur sentia, por mais que ela nunca tivesse dito com palavras, que a menina gostava realmente dele. E ter esse seu sentimento tão secreto e intenso correspondido era tudo o que ele podia querer. 
Acariciou os cabelos de Lua enquanto lhe respondia: 
- A princípio algumas pessoas confundiram. – admitiu. – Mas são idiotas. Apenas aqueles que nunca tiveram a oportunidade de conhecer nenhuma de vocês poderiam confundir. Você e a Iv são completamente diferentes. Não só emocional como fisicamente. 
- Me dê exemplos. – Luinha desafiou. 
Thur respirou fundo e sorriu. 
- Ivane, por exemplo, não seria tão petulante com essa história de se parecer ou não com outra garota. Ela, por exemplo, não teria se preocupado com algo tão simples quanto um presente de natal se para isso tivesse que interromper um momento como aquele. 
Lua corou, lançando um olhar incisivo para Arthur. 
- Com isso você quer dizer que eu sou petulante e ela é esperta? 
Ele gargalhou da cara de poucos amigos que ela fez. 
- Com isso eu quero dizer que você tem um jeito de ser completamente seu. Vocês não se parecem. Sua voz é mais clara, seu tom de voz é mais suave. O jeito como você se move é tranquilo, como se não estivesse nem aí pra nada. Já o jeito como ela se movia era altivo. Não é só a cor e a espessura do cabelo que diferenciam vocês duas, Luinha. É quem você é e ela foi. – Arthur acariciou as bochechas da menina. – Você está aqui, deitada no meu colo e fazendo perfeitamente bem seu papel de fofa enquanto Ivane nunca se contentaria com só isso. 
Lua corou, virando-se de lado para se sentar de frente pra ele. 
- Queria ser como ela. 
Respondeu, colocando as duas mãos em volta do pescoço do rapaz e lhe dando um selinho.Thur sorriu. 
- Por favor, não queira. 
Ela se afastou, olhando-o magoada. Como ele poderia ter amado alguém como ela? Como? Como ele poderia ter amado uma garota tão... Insana, maldosa e infiel? Lua sentia-se deixada de lado quando pensava sobre tudo o que Ivane era e ela não conseguia ser. Quando pensava que não conseguia ser tão atraente, sedutora e ousada quanto Iv. Era desse tipo de garotas que Thur gostava, então? Se fosse, Lua pensava, não havia nenhuma possibilidade de que ele pudesse amá-la como era. 
Num momento de distração, os lábios de Luinha deixaram escapar o que ela pensava: 
- Como você conseguiu amá-la? 
Thur fixou seus olhos nela enquanto a garota corava. 
“Como eu posso ser tão estúpida de perguntar algo assim?”, Luinha pensou. 
- O que você quer dizer? – Thur perguntou, com a voz transparecendo sua surpresa. 
- Eu não sei... Eu... – Lua tentou achar palavras. Depois respirou fundo e achou melhor dizer logo o que pensava. – Às vezes eu acho que ela não te merecia. As coisas que ela fez... Ela me parece ter sido alguém tão... Cruel. 
Arthur segurou o queixo de Luinha, que tinha olhado para baixo, de forma que levantasse seu rosto até que seus olhos se cruzassem novamente. 
- Talvez ela fosse assim porque eu não tenha a amado o bastante. 
Lua balançou a cabeça discordando e percebendo sua vista ficar turva. 
- Impossível. Nunca vi alguém amar tanto outra pessoa quanto você a am... 
- Porque não nos conheceu quando ela era viva. – Thur fechou a mão em punho. – Acho que todo o amor que senti e deixei de sentir por ela hoje se transformou em culpa. 
A menina ponderou. 
- E era a culpa que fazia com que você se afastasse de mim, no início do semestre? 
Thur riu frouxo, beijando levemente a bochecha de Luinha e depois encarando seus olhos. 
- “O mel mais delicioso é repugnante por sua própria delícia”. – citou uma frase de Shakespeare. 
- E no contexto, o que isso quer dizer? – perguntou divertida. – Que eu sou deliciosa ou que eu sou repugnante? – brincou. 
- O que eu sentia por você era tão indecifrável mas ao mesmo tempo tão delicioso que me fazia sentir repugnância de me sentir assim. 
Lua sorriu. 
- Você está tão poético hoje, Arthur Aguiar. – passou seu nariz vagarosamente no dele, fechando os olhos, assim como o garoto, com a cosquinha que sentiu. 
- Incrível como poético rima com patético. 
- Mas é sinônimo de romântico. – ela completou. 
Thur voltou a envolvê-la em um beijo apaixonado, quando, de repente, uma música começou a tocar no ambiente. Ambos abriram seus olhos, confusos, olhando na direção de onde o som vinha. 
Spike estava do lado do rádio, olhando-os com seus grandes e negros olhos amendoados e esclarecendo quem tinha ligado o som. 
- Algum bicho o mordeu hoje. – Thur disse, com as mãos no colo da garota. 
Lua deu uma risadinha enquanto ouvia Zizi Possi tocar no apartamento. Ficou um tempo ouvindo a voz fina da cantora, apenas com os olhos fechados, até que Per Amore começou a tocar e se viu obrigada a olhar para Thur, que traduzia a música: 
- Eu conheço sua estrada. Cada passo que fará. – ele sussurrou. – Seus desejos calados, vazios, as pedras que afastará. Sem pensar que sempre eu, como uma rocha, volto sempre pra você. Conheço sua respiração, tudo o que você não quer. Você sabe bem o que está vivendo, não é vida, mas se nega a reconhecer. É como se esse céu em chamas desabasse sobre mim, como um cenário sobre um ator. – ele beijou-a profunda, porém rapidamente, antes de continuar a tradução do refrão. Ambos estavam com os olhos fechados. – Por amor você já fez alguma coisa? Apenas por amor, já desafiou o vento e gritou? Já dividiu o próprio coração? Já pagou e apostou nessa mania, que afinal, segue sendo só minha... Por amor... Você já correu até ficar sem fôlego? Por amor, já se perdeu e se reencontrou? E tem que me dizer agora... – Thur, antes que pudesse continuar sua tradução, sentiu os lábios de Lua junto aos seus, que já pediam o aprofundamento do beijo. 
Ele puxou a garota até que a mesma estivesse sentada em seu colo, e assim, acariciando as finas ondas de seu cabelo, pôde beijá-la com tanta vagarosidade e ritmo que se lembrou de ondas em um oceano. Provavelmente, com o destino que tinha traçado para si mesmo, nunca poderia admitir isso a ela, mas era tarde demais para não admitir pra si mesmo: ele aamava. Tão descontroladamente que sentia dor em seu peito toda vez que o coração martelava com a proximidade da menina. Com a volta do refrão, Lua afastou seu rosto do dele, deixando suas testas coladas. Ele sorriu e continuou sua tradução: 
- Por amor, você já esgotou sua razão? Seu orgulho até o pranto? Você sabe, essa noite fico sem nenhum pretexto, apenas essa mania que ainda é forte e minha... Dentro dessa alma que você dilacera. E eu te digo agora, com sinceridade, o quanto me custa não saber que você é minha... É como se esse mar todo se afogasse em mim.

Londres; Greenwich; segunda-feira; 1:18 da tarde; 

- Precisamos conversar. – disse Sophia decidida, largando os pratos que estava lavando, após o almoço, na pia, e olhando fixamente para Mel e Chay, que se entreolharam ao perceber a seriedade da amiga. 
O que, de tão sério, Sophia poderia querer tratar com eles? Bem, fora a explicação, talvez, do por que ela tinha chorado ao ver “Procurando Nemo” na noite anterior. Isso sim era um mistério para Chay. 
Sop estava escorada na pia, vestindo um blusão azul, com o qual tinha dormido. Olhou para os amigos percebendo a postura tensa de ambos. Mel e o namorado estavam de mãos dadas, o que passava uma impressão ainda maior para Sophia de que estava lidando com seus pais. 
- Diga, Sop. – Mel tentou dizer em um tom tranquilizador. – O que foi? 
“Ai, meu Deus”, Sophia pensou, sentindo os joelhos fraquejarem “É exatamente assim que uma mãe teria feito. Exatamente”. 
Já tinha lido histórias de quando os pais ficam cientes da gravidez de suas filhas solteiras. Sempre soube de repreensão, vergonha e, até em alguns casos, espancamento. Não esperava isso de seus próprios pais, uma vez que eram suficientemente relapsos para não dar à mínima. Muito menos dos amigos. Mas ali, naquela posição e com o passar de tantos anos, Sop sentia que Melzinha e Chay exerciam um papel muito mais familiar na vida dela do que os próprios genitores. 
Julgou sua preocupação, com a repreensão dos dois, perfeitamente natural ao se dar conta disso. 
Mel olhou-a com tanto pesar como se olhasse para um cachorro ferido. Certamente tinha lido a cautela e hesitação nas feições da amiga. Chay tensionou sua postura. 
Sophia respirou fundo, achando melhor proferir tudo de uma vez de olhos fechados: 
- Euestougrávida. 
Espremeu os olhos como se esperasse uma reação explosiva dos amigos. Como não obteve nenhuma resposta, resolveu abri-los devagar para encarar os rostos estáticos de Mel eChay. 
- Como? – Melzinha deu uma risadinha nervosa. – Acho que não ouvi direito. Você disse que estava... 
- Grávida. 
Chay e Mel se entreolharam novamente, com os olhos arregalados. Na impossibilidade da namorada responder alguma coisa, foi ele quem assumiu a voz: 
- Sop, você não pode estar grávida. A não ser que venha saindo com alguém escondida. Pelo que sabemos há uns cinco meses que você e o Ethan... 
- O filho não é do Ethan. – Sophia interrompeu. 
- De quem, então? – Mel perguntou. 
Sop voltou a tomar coragem para continuar a história. Agora teria que ir até o final. 
- Eu não sei quem é o pai. – admitiu. – A criança já tem cinco meses. Nunca tive coragem o bastante para admitir isso a vocês. 
Instaurou-se um silêncio sepulcral no ambiente, até que Mel finalmente o rompeu com a voz três oitavos mais alta. 
- Ah, mas isso explica muita coisa! Por exemplo, porque você estava comendo tanto. E porque a caixa de absorventes parecia sempre cheia. E porque você engordou. 
- E porque você chorou vendo Procurando Nemo. – Chay completou. 
Sophia tentou sorrir. 
- Mas, espera aí. Você disse que a criança tem cinco meses e você não sabe quem é o pai. –Mel ponderou, segurando o queixo. – Se não for o Ethan, quem mais poderia ser? 
E era aí que entrava a parte complicada. Apesar de sentir um suor gelado rolar por seu pescoço, Sophia assumiu, pela primeira vez naqueles meses, uma atitude madura ao admitir:
- O mica. 
Chay engasgou com o suco que tinha acabado de colocar na boca. A situação parecia chocante e surpreendente, sim, mas não sabia que ainda poderia chegar a esse ponto. 
- mica? – falou com a voz esganiçada. – mica Borges? O MEU mica? 
Sophia assentiu lentamente, observando a boca escancarada de Chay ao dizer essas palavras e o rosto assustadoramente miúdo com que Mel parecia estar. Era como se seu rosto fosse uma poça e alguém o tivesse o enxugado. Seus olhos, apesar de ainda permanecerem do mesmo tamanho, pareciam menores como se fossem feitos de botões. 
- Como isso pode ser possível? – perguntou Chay. 
- Foi... Um acidente alcoólico. – Sophia mordeu os lábios, olhando sem graça para as mãos cruzadas na frente do corpo, com as quais brincava com seus dedos indicadores. Seu aspecto físico demonstrava claramente seu nervosismo. – Na festa do Bennet... De despedida das férias de verão. 
Mel proferiu um guincho estranho, de forma que seu rosto miúdo parecesse voltar a tomar as proporções normais. 
- Por que não me contou? 
Sop sentiu algumas lágrimas de culpa rolarem por seu rosto. Por que não contara à amiga? Provavelmente Mel entenderia... Mas, não. Era covarde demais. Era covarde demais para ouvir o julgamento que a garota pudesse ter a respeito. 
- Eu tive medo. Medo do que você ia achar. Eu esperava que, se te contasse, você me tratasse como uma pessoa infiel e desmerecedora de confiança. Eu não estava sóbria quando traí o Ethan. Se estivesse, nada disso precisaria ter acontecido. Ou pelo menos não essa dúvida. – soluçou. 
Ao ver Sophia se desmanchar em lágrimas a sua frente, Mel também caiu no choro, levantando-se e indo consolá-la. 
Que planos o destino tinha para elas, afinal? Será que o caminho para a felicidade era assim tão tortuoso que via necessidade de recorrer a artimanhas tão dolorosas quanto aquelas? Será que, quem quer que fosse o responsável pelos acontecimentos terrenos, não achava que elas tinham sido testadas o bastante com a morte de uma amiga? 
Parece que não. 
A vida continuava a brincar e a pregar peças, não apenas nas duas amigas, como em todos a sua volta. 
“Mas viver é assim, não é?”, indagou-se Mel, enquanto sentia o namorado envolvê-las em um abraço emocionado. “Sentir-se a deriva em um oceano estranho, onde tudo pode acontecer a qualquer momento. A vida só pára para aqueles que morreram”. 
E então pensou em Ivane. Se não tivesse morrido, quantas surpresas e polêmicas mais a menina era capaz de causar? 
Esse pensamento foi totalmente desviado quando sentiu a saliência arredondada no abdômen de Sophia. Em aproximadamente quatro meses aquele apartamento de novo teria um terceiro integrante. Um pequenino e indefeso ser humano, que dependeria da mãe para absolutamente tudo. Uma pequena criança alheia a todos os assuntos mundanos. Alheia a todos os problemas. Vítima do azar por ser gerada naquela família. Naquela bizarra família composta por Sophia, mica, Chay, Mel, Rod, Luinha, e agora, Thur. 

Londres; Dockland; segunda-feira; 1:15 da tarde; 

- Pizzaria Red Planet, são vinte e noventa pela... – o menino magrelo parou de falar assim que observou melhor o cara que tinha aberto a porta. 
Ombros largos, calça colocada de qualquer jeito, rosto anormalmente avermelhado e cabelos bagunçados. 
Arthur, preocupado demais em controlar sua respiração, nem percebeu que o garoto tinha parado de falar por um momento. 
- Thur, onde estão os pratos? – Luinha gritou. 
“Explicado”, Ben, o cara da pizza, pensou, olhando-o de cima a baixo. 
Arthur pegou a caixa, dando-lhe o dinheiro o mais rápido que podia, de forma desajeitada. Assim que fechou a porta, observou Lua colocar a mesa em seu vestido de cashmere. 
- O cheiro está delicioso. – comentou, apontando um local no balcão onde o garoto poderia colocar a pizza. 
Thur se sentou em uma das cadeiras, observando a garota sentar a sua frente. Viu Lua cruzar as pernas embaixo da bancada, sentindo um longo arrepio pela espinha e lembrando-se ude um tema que incomodara seu sono. Automaticamente a feição tranqüila que tinha assumido enquanto traduzia músicas italianas e beijava a menina em seu colchão transformou-se em um semblante de desgosto. 
- Vocês também pediram pizza? – perguntou de forma dura, fazendo-a levantar os olhos do prato para encará-lo. – Você e o Duan. 
- O quê? – pareceu surpresa. – Claro que não. Mal ficamos juntos um mês... 
- Mas foi o bastante, não foi? 
- O bastante pra que, exatamente? 
- Pra você... – Thur pareceu procurar palavras. – Ter passado a noite com ele. 
Lua apenas piscou. Uma, duas, três vezes enquanto tomava um demorado gole de refrigerante. Viu o rosto impassível de Thur com as sobrancelhas levantadas, como se estivesse analisando a situação. Para aumentar a impaciência de Thur, começou a rir. 
- Do que está rindo? – perguntou amuado. 
- Eu nunca em minha existência aqui em Londres – continuava a rir. – pensei que você fosse conversar sobre isso com o Rod. Logo sobre isso.
Arthur observou-a gargalhar, deixando um grande bico se moldar em seus lábios. 
- Desculpe – Lua disse, no meio de risadas. – mas isso é tão... Engraçado. 
- O quê, exatamente? – Thur trincou os dentes, apesar de ter soado solene. 
- Eu não... Eu nunca... – ela respirou fundo, para pronunciar claramente as palavras. – Eu nunca estive com o Duan. Não desse jeito. 
Thur levantou uma das sobrancelhas. 
- Mas Rodrigo disse que... 
- Ele não sabe que eu nunca passei a noite com o Duan. Foi só uma desculpa pra eu estar em outro lugar... – Thur remexeu na pizza com o garfo, ainda olhando-a incisivo. Lua rolou os olhos. – Em outro lugar e não com outro cara.
Arthur desviou seu olhar assim que escutou novamente um barulho no aparelho de som do apartamento. Quando viu Spike se sentar depois de ter mexido no rádio, Per Amore voltou a invadir seus ouvidos. 
- Ai, Deus. – comprimiu os lábios. – Parece que o cachorro gosta mesmo dessa música. 
- Não é pra menos. – disse Luinha. – Ela tem um significado lindo. É daquele tipo de canção que te faz parar pra pensar. 
- Em quê? – Thur voltou a olhá-la. 
- Você sabe. – ela balançou os ombros. – Até onde alguém iria por amor. O que se poderia fazer por esse sentimento. 
- E você chegou a alguma conclusão? – Thur colocou um pedaço da pizza na boca, saboreando-a enquanto via Lua enrolar uma mexa de cabelos. Ela fez que não com a cabeça. – Qual a maior loucura você já fez por amor, Luinha? 
Ela mirou-o com seus olhos inabaláveis. Depois desenhou um sorriso com os lábios e respondeu: 
- Estou no meio dela. 
Depois dessa resposta, que fez Thur corar tanto quanto ele acreditava não ser possível, terminaram a refeição em silêncio. Assim que levou os pratos para a pia, o rapaz pediu licença para ir se trocar no banheiro, e, enquanto ele fazia isso, Lua recuperava sua meia-calça, vestindo-a rapidamente. 
Quando Thur saiu do banheiro, ela já o esperava de pé na sala, segurando sua sacola laranja. 
- Obrigada pelo almoço, Aguiar. Acho que já vou. – tentou sorrir, mas sua tentativa foi falha. 
Perguntou-se se o silêncio incômodo tinha sido originado de sua tão repentina declaração. Talvez, aliás, provavelmente, ele não sentia o mesmo, e por isso tivesse ficado calado. Isso era o que Luinha pensava. Era isso o que estava atormentando seu coração desde o primeiro segundo em que ele não se pronunciou a respeito da declaração. 
Thur admirou-a respirando vagarosamente, como se quisesse congelar aquele momento. Seus olhos tinham, derramados em suas bordas, uma mágoa profunda que Lua era incapaz de penetrar. 
Não que o garoto não estivesse feliz por saber que era correspondido. Estava. Mais do que nunca poderia demonstrar. O problema era que, com a vida que levava e com os objetivos que pretendia alcançar, consolidar aquele laço afetivo com Luinha seria sinônimo de sofrimento para ambos. Não tinha coragem de fazer isso com a menina, envolvê-la ainda mais no mistério que buscava solucionar. 
Lua deu as costas pra ele, dirigindo-se até a porta do apartamento e girando a chave. Spike olhou-a com a decepção quase escorrendo por seus olhinhos pretos. 
- Luinha, espere. – ele disse, segurando delicadamente uma de suas mãos. – Não posso fazer isso com você. 
- Isso o quê? – ela perguntou confusa. 
- Escuta, eu... – Thur levantou o rosto de Lua, olhando-a nos olhos. – Vou visitar alguém que pode me dar a resposta que quero. Sei que é perigoso, mas eu prometo... Eu prometo que volto pra você. 
Lua expirou, depois fechou os olhos assim que sentiu os lábios dele nos seus, em um beijo suave. 
- Eu prometo que volto pra você, minha Luinha. 

Londres; Greenwich; segunda-feira; 2:34 da tarde; 

Lua estranhou o cenário do apartamento. Chay varrendo a cozinha, Sophia deitada em um dos sofás fofos e Mel fazendo perguntas como: 
- Quer mais alguma coisa, Sop? Que tal mais um travesseiro? 
Luinha levantou uma sobrancelha ao ver a expressão folgada de Sophia. 
- Hm... Há algo aqui que eu precise saber? – fechou a porta do apartamento, sentindo o olhar dos amigos a alcançarem. 
Mel olhou para o namorado, como se estivesse o consultando sobre o que responder. Para seu azar, ele fez o mesmo. 
Então, ela disse: 
- Er... 
- Eu contei a eles. – Sophia interrompeu-a, sentando-se. – Sobre a gravidez. 
Lua passou os olhos pela sala durante um momento. Depois se permitiu sorrir. 
- Ah, isso. 
Com a tranquilidade que a menina demonstrou ao pronunciar as palavras, Mel mal pode conter necessidade de se segurar em alguma coisa para não cair. Como assim Luinha sabia? Ela não podia saber! Nem muito amiga de Sophia era... Ou era? O que mais Mel poderia não saber a respeito do que estava se passando? 
- Espera, - foi o que conseguiu dizer. – você sabe?
Lua assentiu. Melzinha procurou imediatamente o namorado com os olhos, que estava tão pasmado quanto ela. 
- Desde quando? – sua voz soou prostrada. 
Sophia se levantou, indo até Mel e abraçando-a de lado. 
Lua se perguntou se tinha causado algum tipo de conflito entre as garotas, mas depois queSop explicou calmamente o que ocorreu no dia em que Luinha a encontrara chorando atrás das escadas da escola, Melzinha pareceu se acalmar um pouco. Claro que não poderia estar totalmente calma, uma vez que sua melhor amiga estava grávida, mas, ainda assim, sua feição se tranquilizou. 
- Tudo isso é tão... Chocante pra mim e ao mesmo tempo óbvio. – Mel arfou. 
Chay concordou. 
- Claro que observamos que a Sop estava... Er... Inchando. Mas concordamos em não dizer nada por que de repente poderíamos causar um caso de anorexia, sei lá. O médico daMelzinha disse que o fato da Sophia estar engordando podia ser algum indício de depressão. Preferimos achar isso ao invés de perguntar e, obviamente, cometemos um péssimo engano.
- Não, não cometeram. – Sop negou. – Vocês esperaram pra que eu estivesse pronta pra contar pra vocês. Isso significou muito pra mim. 
A menina abriu um sorriso, antes que Mel se virasse pra Lua e gritasse determinada: 
- Ao trabalho! 
Luinha, por um momento, quase se esquecera do que tinha ido fazer ali. Quando Melzinha retomou o assunto, lembrou-se de que tinha prometido passear pela casa, para atiçar qualquer memória perdida que a amiga, por ventura, pudesse ter. 
- Antes que saiamos rondando o apartamento... Sop, do que você se lembra? Onde a Ivane pode ter passado maior parte do tempo? 
Sophia mordeu o lábio inferior. Fechou os olhos por um momento para tentar controlar o que lembrava, concentrou-se para trazer tudo de voltar como se fosse uma onda. Infelizmente, só conseguiu uma pequena marola. 
- Eu me lembro do jogo. Lembro de estar na torcida... Nós três estávamos. A Highgate ganhou da Drayton e mais tarde, naquela mesma noite, encontrei Ivane aos prantos no colchão. Lembro que fomos ao Mark’s no dia seguinte ou dois dias depois... Não sei ao certo. Sei que enquanto estávamos lá ela parecia bem melhor, apesar de claramente determinada a fazer algo mal. Da semana do assassinato essas são as únicas lembranças que tenho das quais a Iv participa. – ergueu os olhos regados. – Eu passei os dias com o mica. 
Um breve silêncio instaurou-se na sala. 
- Tem certeza, Sop? – Mel sondou. 
- Foi isso mesmo que aconteceu. – Chay reforçou. – Lembro que você reclamou porque aSophia nunca parava em casa. Sempre estava com o mica e sempre te deixava sozinha, uma vez que já era de se esperar que a Ivane nunca estivesse. Eu não achei isso ruim de forma alguma... Mas você estava... Perturbada. 
Melzinha deu um longo suspiro. 
- Acho que não há mais nada pra se descobrir a respeito das lembranças da Sop. – olhou para Luinha, que tinha permanecido calada e pensativa durante todo o tempo. – Vamos. 
Lua preparou-se. 
Chay, Sophia e Melzinha a acompanharam até o banheiro, onde a garota perambulou do vaso sanitário ao box, sem conseguir fazer nenhum movimento que estimulasse as lembranças sobre Ivane. 
Resolveram então que seria melhor começar pela sala, e não pelo banheiro. Lua andou vagarosamente pelo cômodo, sentando-se em todas as poltronas e ainda assim, não conseguindo nenhum resultado. 
- Talvez a cozinha. – Sop sugeriu, apontando para o grande arco que dividia a cozinha da sala de estar. 
Luinha concordou e começou seu trabalho ali. Abriu e fechou a geladeira várias vezes, abaixou-se perto do fogão, ficou perto da pia como se lavasse as louças, sentou-se a mesa... Nada. 
Dando-se por vencidos, foram saindo um por um do cômodo, até que, quando Lua passou cabisbaixa pela saída, Mel sentiu um calafrio percorrer seu corpo: 

“- Ah, mas eu mato aquela vadia! – Ivane trovejava.
Apesar das incessantes tentativas de Mel para manter a amiga sentada a mesa de madeira enquanto cuidava de seus inúmeros machucados no rosto, seus esforços pareciam inúteis. Ivane estava inquieta demais.
A loira se levantou, andando de um lado para o outro da sala em um tom aflito e ao mesmo tempo arrogante. Sua expressão era azeda como se planejasse a pior das vinganças.
Embaixo dos longos cílios de Iv, Melzinha podia observar um pequeno corte, que se destacava por ser o único fio vermelho no rosto da menina. Os outros ferimentos estavam roxos: uma marca no supercílio e outra no queixo.
- Você ainda não me contou quem fez isso com você. – Melzinha observou.
Ivane parou de andar, virando vagarosamente seus olhos para Mel com uma fúria assustadora, como zumbis faziam em filmes de terror. A menina sentada na cadeira de madeira engoliu em seco, e então, como num rasgo, Iv respondeu:
- Brittany.
- Brittany? – Melzinha pareceu sem voz durante alguns instantes. – Pensei que vocês fossem amigas!
A loira começou a rir escandalosamente, colocando a mão em seu abdômen para tentar conter a contração dos músculos durante as gargalhadas.
- Por favor, não me faça rir. – depois inspirou, voltando a olhar para a amiga miúda. – Nós já fomos amigas, admito. Mas não mais. Não nessas circunstâncias.
Mel rolou os olhos e se pôs de pé.
- Que circunstâncias, Ivane? Você falando picado desse jeito até parece alguém com insanidade mental...
Iv parou de sorrir, tirou uma caneta da mesa de telefone ao seu lado e começou a girá-la nos dedos, fingindo estar pensativa.
- Hm... Talvez eu tenha. – voltou a dar seu sorriso escancarado. – Mas é assim que o Thur gosta de mim. De MIM, e não da piranha da Brittany!
- O que você quer dizer?
Ivane juntou as sobrancelhas e abriu a boca, como se dissesse com sua expressão: “Ah, caramba, como é possível que você ainda não entendeu?” Depois de deixar Melzinha se sentir estúpida por alguns segundos, esclareceu:
- Ela o ama. Ela é apaixonada pelo MEU namorado. Ela o quer mais do que a Kelly Sparks quer ser chefe da torcida. – riu em deboche. – Mas ela não pode tê-lo. Porque – olhou para a caneta como uma jovem apaixonada olha para uma margarida. – ele me ama.
- Você acabou de me dizer que comprou uma briga dessas porque a Brittany tem uma paixonite pelo seu namorado?! – Melzinha parecia enojada e incrédula. – Ivane, você é doente!
A garota negou.
- Foi a Brittany que começou.
- Por quê? – Mel ainda estava com a voz esgotada. – Por que ela começaria com a briga?
- Porque – Ivane voltou a dar um de seus sorrisos que, antes pareceriam inocentes, mas de acordo com a situação, tornara-se medonho. – ela o quis primeiro...”
 

2 comentários:

  1. Últimos capítulos? Não acredito q tá perto d acabaaar... Parabéns a autora! Essa web é mt mt mt boa mesmo. ;D

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  2. Sim,infelizmente!Tbm amo essa web!Vou postar ela aos poucos agora,para deixar vcs curiosos!HAHAHA

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