quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ópera:Capítulo 26




Lua prendeu seus cabelos em um largo coque.
Seu rosto e unhas, nunca antes tão bem pintados, só faziam com que o estômago de Luinha gelasse mais quando ela pensava para quem estava se arrumando.
Observou o longo vestido vermelho de chiffon que tinha comprado dois dias antes para a ocasião. O corpete drapeado e bordado com alguns enfeites dava àquela roupa a distinção necessária.
Lua perdurou um colar de prata em volta do pescoço, e assim que terminou todos os ajustes do cabelo, observou-se.
- Perfeita. – Rod disse, fazendo-se notar escorado no batente da porta.
Lua sorriu para o primo, voltando-se para o próprio reflexo para admirar ainda mais o sucesso de sua tentativa cosmética. Ela estava linda. Cílios grandes e pesados escondendo seus olhos brilhosos, bochechas devidamente rosadas, lápis e delineador tão bem passados que davam àquela pintura um ar de profissionalidade. Luinha observou o topete que tinha deixado para fora do coque, enrolado na testa e dando um charme a mais ao penteado.
Tudo em sua perfeita ordem.
- Você acha que o Aguiar vai gostar? – perguntou ao primo, que apenas revirou os olhos com o nervosismo da garota.
Rod encarou-a como se ela fosse tola.
- Não existe uma chance sequer de ele não se sentir o maior felizardo do mundo ao vê-la assim, Luinha. – ele caminhou até se sentar na cama.
- Eu nunca fui a uma ópera. – comentou ansiosa, sentando-se do lado dele. – Como deve ser?
- Pessoas cantando em tons agudos ou graves demais. Uma suposta história dramática contada. Bem, imagino que seja isso. Um drama musical... Literalmente. – sorriu bobo, fazendo a prima gargalhar.
- Eu aposto que vai ser ótimo.
- Tudo bem, podemos apostar um lanche na Starbucks se você quiser. Eu acho que vai ser uma droga. – deu de ombros.
Luinha levantou a mão para apertar a do primo.
- Vai ser uma excelente ópera.
Rodrigo aceitou o cumprimento com um sorriso satisfeito, só então parando para se lembrar do que tinha ido fazer no quarto dela anteriormente.
- Hm... Luinha?
- Oi?
- Você por acaso viu por aí meu celular? Não o vejo desde a escola...
Lua sorriu.
- Você é sempre avoado, Rod. Não, molengo, eu não vi seu celular.
Rodrigo suspirou em derrota, postando-se de pé.
- Ah, droga. Acho que vou ligar pro Chay e ver se por algum motivo eu deixei com ele. – andou até estar fora do quarto, antes recebendo um desejo de “boa sorte” da prima.
Lua caiu deitada em seu colchão, fechando os olhos por um momento para pensar sobre a semana que tivera. Arthur estava mais afastado durante os últimos dias, mas ela sabia que o motivo era porque ele não queria passar a impressão de que estava querendo pressioná-la a aceitar sua proposta.
“Namora comigo”. Essas tinham sido suas palavras exatas. O pedido mais bonito e sincero que Lua acreditava já ter recebido na vida. E ainda da boca do homem por quem ela era tão pavorosamente apaixonada.
Como dizer não a um pedido desses? Ela sabia que era impossível. Seu coração nunca quis tanto alguma coisa do que ter o de Thur junto ao seu. Sua alma e corpo pediam desesperados por ele, e essa era uma súplica a qual Lua pretendia atender. Ser de Thur e ele seu. Namorados.
Quando ouviu duas buzinas do lado de fora da casa, calçou suas sandálias de salto, pegou sua bolsa prateada e pôs-se a caminhar até a porta, com o coração na boca.
Girou a maçaneta e a puxou, encontrando-se com um par de olhos iluminados que pareceram ainda mais escuros ao vê-la.
Thur vestia um smoking preto com uma camisa social da mesa cor por baixo. Elegante, cheiroso, impecável. Tudo o que Luinha podia esperar de seu retrato pessoal da perfeição.
Perfeição.
Sabia muito bem que Thur não era perfeito. Seu rosto não era perfeito, seu corpo. Ele tinha defeitos tão repreensíveis quanto suas qualidades admiráveis. Mas, apesar disso, apesar de tudo, ele ainda continuava sendo seu estereótipo de perfeição.
Como algo tão imperfeito, alguém com as imperfeições tão tatuadas na pele podia se encaixar tão exatamente no que Luinha procurava? Que sentimento era esse que fazia com que as faltas mais graves se tornassem contornáveis aos seus olhos?
Amor? Não. Uma palavra de apenas quatro letras nunca alcançaria a imensidão daquele sentimento.
Arthur ficou boquiaberto durante alguns segundos, sem nenhuma vontade de se corrigir. Lua estava ali, a sua frente, mais bonita do que qualquer outra mulher que ele já tivesse visto. Não era pela maquiagem, nem pelo decote avantajado. E sim por ser, e sempre ter sido, a única mulher capaz de arrancar uivos de felicidade de seu coração. Ela era tudo.
Sua base, sua família, seu anjo da guarda. Finalmente Thur entendeu que, durante todo esse tempo, não era realmente ele a proteger Lua e afastá-la do perigo. E sim a menina, que o afastara de toda a escuridão de seu próprio ser e agora lhe conduzia a um caminho de luz aonde nunca tinha estado. Era ela sua protetora. Aquela que retirava as pedras de seu caminho. A pessoa de quem, sem, a vida seria incompleta.
Minha protetora”, pensou.
Depois, quando finalmente parou de mirá-la de cima a baixo, perplexo pelo fato de toda aquela beleza interior, e também exterior, ter feito seu sistema entrar em pane, ele conseguiu dizer:
- Oi.
Lua sorriu.
- Você está esmagando as flores. – ela observou, apontando para a mão do rapaz que apertava um buquê como um espremedor de laranjas.
Arthur ruborizou, tentando pegar no arranjo de rosas colombianas mais delicadamente e entregando-a de forma desajeitada.
- Pra você. Eu não sabia se deveria trazer alguma coisa, então... – calou-se, expirando e olhando-a em expectativa.
Lua segurou as rosas vermelhas com carinho, cheirando-as e passando-as levemente no rosto, de olhos fechados. Quando olhou novamente o rapaz parado a sua frente, sorriu emocionada.
- Isso foi... – “perfeito” ela iria dizer. Mas depois de pensar no quanto aquela palavra já tinha sido utilizada e pensada em tão pouco tempo, tentou corrigir-se. – incrível, Thur. Incrível e romântico.
Ele colocou as mãos no bolso, olhando para os lados e tentando esconder de alguma forma o rubro de suas bochechas. Como viu que era inútil, respirou fundo, engoliu a vergonha e olhou-a com seu olhar tipicamente inteligente.
Segurando uma das rosas do buquê, ele disse:
- Cada flor – começou a dizer baixo. – tem um significado diferente. As tulipas, por exemplo, dizem respeito à independência e à prosperidade. Os girassóis, à alegria e dignidade. Já as rosas... São a virtude e o pecado... São as oscilações do amor. – olhou Lua fixamente nos olhos.
- E o que as vermelhas significam? – ela quis saber.
Arthur aproximou-se ainda mais da garota, segurando seu rosto em um toque simples e cortês.
- Paixão. – ele respondeu. – Vívida e intensa.
Lua sentiu os pêlos da nuca se eriçarem, fechando seus olhos devagar ao ver a proximidade com a qual o rosto de Thur estava. Quando sentiu o nariz do rapaz tocar o seu, ouviu um pigarro vindo da sala.
Ambos desviaram seus olhos para uma figura paterna escorada no corrimão da escada, de braços cruzados.
- Boa noite, senhor Marques. – Thur disse em seu melhor tom cavalheiresco.
- Duas horas da manhã – ele disse. – a quero aqui em casa. Nada de baladas, nada e festas e principalmente: nada de sequestros.
Lua segurou uma risada ao ouvir o tio falar dessa forma. Arthur não pareceu perceber, apenas consentiu e a conduziu para o lado de fora da casa, depois que ela colocou as rosas na mesa do telefone.
Andaram de mãos dadas até o Audi, onde Thur abriu a porta para que Luinha entrasse. Assim que ela o fez, contornou o veículo para se sentar no assento do motorista.
Quando estavam dentro do calor e da segurança do carro, Arthur observou Lua mexer nos enfeites da bolsa com uma vontade reprimida.
- Luinha? – chamou.
Logo que a garota virou seu rosto curioso para ele, Thur se inclinou por cima do assento, segurando-a pela nuca e pregando-lhe um beijo intenso e apaixonado. Lua recebeu-o no início com certa surpresa, mas depois se entregou ao momento, fechando os olhos e segurando com força o smoking de Arthur.
Depois de algum tempo naquele carinho ao mesmo tempo meigo e voraz, Thur recolheu seu rosto, olhando-a com um sorriso.
- Bem melhor. - disse. – Odeio ser interrompido.
- Você está lindo hoje, Aguiar. – Lua falou, olhando-o afetuosamente. – Ainda mais com esses lábios roxos.
Thur riu.
- E você... – olhou-a de cima a baixo com a feição desejosa. – Esquece.
Sorriu, ligando o Audi e já começando a seguir com o veículo pela rua. Luinha sentiu-se incomodada.
- Existe coisa pior que quando alguém está pra falar algo que você está louco pra ouvir e esse alguém fala: “Esquece”?
Arthur deu risada.
- Mas é que... – tentou se explicar. – Duvido que você se sentisse confortável com o que eu tenho a dizer.
- Não me chamando de Fiona, a ogra, eu aceito tudo. – ela brincou, fazendo-o gargalhar.
“Não me chamando de Fiona...” ela pensou. Aliás, Luinha concluiu que se fosse chamada de Fiona se sentiria até bastante orgulhosa, uma vez que era uma de suas personagens favoritas. A princesa que, apesar da aparência, era em seu interior a mais bela de todas. E que, através disso, pôde ficar junto de seu amado.
Thur discordou.
- Você não parece uma ogra nem de longe.
- Então complete a frase. Nada disso de “esquece”. – afetou a voz, divertida.
Ele sorriu maliciosamente, depois olhou a garota de soslaio.
- ...E você, Marques – começou, completando a fala que deixara no ar. – está exatamente tudo o que eu vejo nos meus sonhos mais sórdidos.
Lua sentiu uma onda acalorada passar por todo o corpo, segurando involuntariamente as bochechas em brasa com as duas mãos.
- Okay. Talvez eu realmente devesse ter esquecido. – falou sem graça. – Mas obrigada, de qualquer forma.
Ele sorriu.
- Você não precisa agradecer por fazer parte dos meus sonhos.

Thur estacionou o Audi a alguns quarteirões da casa de show onde ocorreria o espetáculo. Várias pessoas vestidas com traje a rigor passavam por eles. Casais, amigos. Muitos deles eram estudantes da Highgate, que estavam ali para tirar idéias para seu trabalho de literatura sobre William Shakespeare.
Arthur estava curioso em saber como alguém teria transformado o mais clássico dos romances em uma ópera. Provavelmente, sem nem que a professora pedisse, ele teria levado Lua até lá.
Saindo do carro de mãos dadas com a menina, Thur cochichou em seu ouvido:
- Brittany vai estar na ópera. – antes que Lua tomasse ar para falar ele completou: - Não precisa se preocupar. Seus amigos não estão aqui, mas o meu está. Duan concordou em me ajudar a tomar conta de você por essa noite, então você está bem segura conosco.
Luinha suspirou, sentindo-se péssima por ter que ficar sob os cuidados de Duan. Logo Duan, que aparentava gostar tanto dela. Logo Duan, melhor amigo de seu namorado.
Antes que tivesse mais tempo para pensar na culpa que sentia, Lua observou o loiro parado a alguns metros das longas escadas que levavam ao imenso portão do prédio antigo. Ele vestia um smoking cinza, olhando para todos num ar cabisbaixo, mas quando seus olhos se encontraram com Thur e Luinha, ele abriu um largo sorriso.
- Ainda bem, margarida. – disse assim que eles se aproximaram. – Achei que tinha se esquecido de mim aqui. – quando viu Luinha, colocou uma dos braços para trás do corpo e, com o outro, conduziu a mão da garota até seus lábios. – Com toda a sua licença Thur, - fitou-a com seu olhar apimentado. – você está maravilhosa hoje, Marques.
O estômago de Lua gelou. Gelou, mas não tanto quanto quando a ópera começou. Os assentos macios, seu lugar entre Thur e Duan, as longas cortinas vermelhas que se abriam e davam lugar para uma senhora rechonchuda, que pelo jeito representaria a ama de Julieta. Quando as luzes do ambiente se apagaram, Luinha teve que segurar um dos braços deArthur para se sentir mais segura: nunca tinha se sentido tão observada em toda a vida.
Algo em sua nuca, algum calafrio, indicava que de longe alguém a observava. Só não sabia que esse alguém era a Morte.

Londres; sexta-feira; 7:25 da noite;

- Esse lugar faz meus pés ficarem gelados. – Disse Chay.
Ele e a namorada estavam de frente para uma enorme mansão salmão, que não só a ele como a todos os cientes do assassinato que acontecera naquele local parecia assustador.
O vento frio do inverno londrino cortava a noite. Chay e Mel, bem agasalhados, estavam rondando pelos arredores da mansão em busca de pistas ou flashbacks. Infelizmente, sem sucesso.
- Tem que ter alguma coisa. – Mel choramingou. – Foi aqui que tudo aconteceu. Foi aqui onde eu fui atropelada. Não é possível que minha mente não vai me proporcionar nem uma santa visãozinha. – bateu na própria cabeça.
Chay passou novamente os olhos pelo ambiente.
- Você não tem medo daqui? – perguntou.
Mel fez que não com a cabeça.
- Sinto calafrios quando estou por perto, às vezes. Mas nada que me intimide. – abraçou o próprio corpo com o frio que sentia. – Sei que coisas horríveis aconteceram dentro e fora dessa casa, mas qualquer coisa, qualquer mínima coisinha que possa me fazer desvendar todo esse mistério já é motivo o bastante para que eu me esqueça de todos os meus receios. Eu preciso lembrar.
- Às vezes eu invejo a sua coragem, minha pequena. – o namorado lhe sorriu.
Mel caminhou tranquilamente até o meio da rua, o mais próximo de onde Chay tinha dito que ela fora atropelada.
Olhou para o lado direito e foi então que teve a visão. A visão mais importante que já tivera.
Ao ver a namorada mudar sua expressão da incerteza para a perplexidade, mudando rapidamente de sua cor usual para um verde musgo, Chay abraçou-a e levou-a para longe da rua. Mel ofegava. Algumas gotas de suor gelado percorriam seu pescoço e rosto.
- O que foi, Melzinha? – ele perguntou em desespero. – O que foi que você viu? Mel virou seus olhos esbugalhados para ele. Sua boca trêmula mal a permitiu falar uma frase inteligível. Mas o que Chay escutou foi o suficiente. Em meio a gaguejos e nuances, ouviu:
Eu sei quem me atropelou.

Londres; sexta-feira; 7:32 da noite;

Durante a cena do baile onde Romeu e Julieta se conhecem, Arthur observou uma movimentação do outro lado do auditório. Brittany, vestida em um longo vestido azul petróleo, levantou-se com um sorriso satisfeito e pôs-se a andar para uma das saídas.
Quando Thur virou seus olhos alarmados para avisar Duan, percebeu que os olhos de águia do amigo já tinham captado o movimento. Lua parecia entretida o bastante para não notar.
- Quer que eu vá dar uma checada? – Duan sussurrou.
Thur assentiu, e assim o loiro saiu de seu assento e esgueirou-se no meio das pessoas, para caminhar atrás da loira sem atrair suspeitas da mesma.
Arthur sorriu, sentindo-se relaxado pelo fato do amigo estar ali. Pelo fato do amigo poder ajudá-lo a proteger seu tão precioso tesouro. Quando viu o goleiro sair do auditório atrás de Brittany, ficou tranquilo para passar um braço pelos ombros de Luinha, que pareceu aprovar o carinho.
A alguns metros dali, o segurança debruçava-se sobre o painel de vídeo desinteressadamente, dando grandes goladas em seu café. Sentia-se prostrado em mais um dia de sua rotina cansativa, onde era contratado para assistir às filmagens da câmera de segurança que nunca mostravam nada de diferente...
Como ele estava enganado. Tremendamente enganado.
Assim que seus olhos vacilaram de sono, todas as câmeras foram simultaneamente desligadas...

Lua deu um salto na cadeira, despertando o olhar desagradável de algumas pessoas à volta.
- O que foi? – Thur perguntou preocupado.
Luinha abriu e bolsa e pegou seu celular.
- Eu deixei no vibracal. – sussurrou. – Eu sempre assusto com isso.
Ele riu baixo enquanto observava a garota apertar algumas teclas. Assim que Lua leu o recado, seu rosto ficou completamente desolado.
- O que houve?
- Tio John está passando mal. Rod não sabe o que fazer, portanto não viu saída melhor que vir me buscar na ópera. – olhou Thur com pesar. – Eu sinto muito, mas acho que realmente vou ter que ir.
- Eu entendo. – Arthur concordou. Agora que sabia o que era uma família, saber o que era ficar preocupado com ela fazia parte do pacote. – Pode deixar que eu te levo em casa.
- De forma alguma. – Luinha falou com determinação. – Thur, pelo menos um de nós tem que assistir à obra. Além do mais, detestaria que você gastasse o dinheiro do seu ingresso comigo. Já não basta o meu... – Lua comprimiu os lábios. – Rod avisou que já está na porta, só me esperando. Não tem erro.
Arthur olhou-a desconfiado por alguns minutos, depois pareceu dar de ombros apesar de sua face ainda apresentar relutância.
- Me ligue assim que chegar ao carro.
Luinha concordou, dando um selinho rápido no amado e se apressando para se desvencilhar da fila de cadeiras. Caminhou até o lado de fora do auditório, e quando se debruçou em um dos muros do segundo andar para ver onde Rod tinha estacionado, arrependeu-se amargamente de ter saído de casa naquela noite.
Um barulho ensurdecedor cortou seu ouvido. Como um foguete soltado bem de perto ou... O tiro de uma arma. Ficou tão estática com sua surdez momentânea que custou a perceber que, não apenas a alça de seu vestido como seu ombro, estavam rasgados e o sangue corria quente por sua pele. Os fios de seu cabelo despencaram de um lado da cabeça, deixando claro que o impacto não fora imaginário.
Todos os nervos de Lua se petrificaram e então ela virou para trás estarrecida, fitando assustada os olhos divertidos do assassino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário