- Mamãe, papai, o que vocês estão fazendo aqui? – perguntei, com um falso bom humor.
Senti um aperto no estômago e logo vi que não tinha saída. Mesmo assim, não estava disposta a deixá-los fazer uma cena na frente dos meus amigos.
- A questão é: o que você está fazendo aqui, Lua? – indagou meu pai, furioso. – Você nos disse que estaria passando a noite na casa de Sophia.
- E estava... Quero dizer, estou – respondi gaguejando. – Estava lá na casa dela, e então o Chay ligou e sugeriu que déssemos um pulinho aqui...
- E simplesmente coincidiu de você estar com um vestidinho de veludo preto novinho? Que sorte, hein? – arremedou minha mãe, me fitando com um olhar assustador. – Você conhece as nossas regras, Lua. Você não vai a festas sem nossa permissão...
- Mãe, por favor, psiu – sussurrei, nervosa.
- Mãe, por favor, psiu – sussurrei, nervosa.
Todo mundo estava olhando para nós.
- Pegue suas coisas. Você vem com a gente – disse meu pai.
- O resto das minhas coisas está na casa da Sophia.
- Não, não está mais – retrucou minha mãe. – Nós pegamos tudo quando paramos na casa de Sophia para entregar a sacola de plástico que você deixou cair no corredor. Achamos que não gostaria de passar a noite sem o seu soro para as lentes de contato e sem a sua escova de dente, e então demos um pulo até lá no caminho para o restaurante chinês.
Ela esperou que eu dissesse alguma coisa, mas não havia nada que pudesse pensar em dizer. Chay tinha aberto caminho no meio do povo e se aproximava de nós.
- Algum problema, Lua? – perguntou ele.
- Algum problema, Lua? – perguntou ele.
- Tenho que ir para casa – respondi, mordendo o lábio para não chorar na frente dele e de toda aquela gente.
- Puxa vida, que roubada... – disse ele, me lançando um olhar de solidariedade. – eu te ligo depois, tá?
- Tudo bem – murmurei.
Eu me virei e saí andando pelo corredor atrás de meus pais. Meu irmãozinho e minha irmãzinha estavam esperando no hall. As pessoas se afastavam para nos deixar passar. Eu nunca tinha sido tão humilhada em toda a minha vida.
- Mãe, pai... – comecei.
- Mãe, pai... – comecei.
Meu pai se virou e me olhou com uma expressão calma e fria.
- Nem uma palavra mais, Lua. Tivemos um longo dia e estamos cansados. Vamos conversar sobre isso amanhã de manhã. Quando chegarmos em casa, você vai direto para o seu quarto.
Eu me instalei no assento traseiro do táxi que meu pai chamou e voltamos para casa em silêncio.
Na manhã seguinte meus pais já estavam sentados na mesa para o café da manhã quando entrei na cozinha.
- Sente-se, Lua – ordenou minha mãe, mostrando meu lugar com um gesto.
Era como se eu fosse um réu num tribunal.
Era como se eu fosse um réu num tribunal.
- Realmente sinto muito... – comecei dizendo.
Sempre achei que a auto-humilhação era uma estratégia que funcionava bem. Nenhuma mãe consegue ficar furiosa com uma filha que admita ser um lixo e implore por perdão.
- Queria que vocês soubessem que essa foi a primeira vez que fiz algo desse tipo, e não me senti nada bem.
Olhei esperançosa de minha mãe para meu pai, tentando julgar se os estava atingido ou não. Os dois me escutavam em silêncio.
- Vocês sabem o que é ser a única da turma que não pode ir a uma festa? – continuei. – Todo mundo fica achando que é uma babaca, uma nenêzinha! Forma vocês que escolheram essa escola para mim, e ela tem uma vida social muito, muito agitada. Há festas em todos os fins de semana...
O silêncio permaneceu enquanto eu desfiava as minhas desculpas, que ficaram suspensas no ar até começar a me sentir realmente desconfortável. Meu pai limpou a garganta para falar:
- Concordo que talvez o primeiro erro tenha sido nosso, Lua – disse ele. - É verdade, fomos nós que escolhemos a Dover School para você. É uma escola muito boa. Infelizmente é também uma escola de filhinhos de papai ricos e mimados, e isso não é o que queremos para você.
- Não estão pensando em me transferir de escola, estão? – perguntei, em pânico. – Não agora que estou me sentindo adaptada e enturmada pela primeira vez na vida. Não agora que finalmente encontrei um garoto que gosta de mim e que consegui um papel na peça da escola...
- Querida, nós apenas queremos o melhor para você em longo prazo – disse minha mãe calmamente. – E festas sem supervisão de adultos e com bebidas alcoólicas não são o melhor pra você.
- Mas, mãe... – comecei a protestar.
Ela me deteve com um gesto e olhou para meu pai.
- Acho melhor chamarmos Daniel e Ana para deixar que participem disso também – sugeriu-a.
- Porque precisam me ver nesta situação, toda encrencada? – perguntei. – Você sabe como é o Daniel. Ele vai se lembrar de tudo o que você disser e depois vai me repetir tudo palavra por palavra quando estiver com raiva de mim.
- Nós os queremos aqui porque isso diz respeito a eles também – declarou papai. – Vocês dois desliguem a TV e venham cá! – gritou, colocando a cabeça perto da porta.
Escutaram-se alguns resmungos, e então duas cabeças despenteadas apareceram.
Escutaram-se alguns resmungos, e então duas cabeças despenteadas apareceram.
- Era o meu desenho animado preferido! – reclamou Ana.
- Sente-se – disse meu pai, indicando os bancos altos no balcão da cozinha.
Havia algo na voz dele que fez os dois se sentarem sem argumentar.
Havia algo na voz dele que fez os dois se sentarem sem argumentar.
- Sua mãe e eu passamos quase toda a noite em claro conversando – revelou papai.
- Vocês não vão se divorciar vão? – perguntou Ana. – Não quero ter de ir aos tribunais e me ver no meio de uma guerra pela custódia da gente, como a Amy.
- Vocês não vão se divorciar vão? – perguntou Ana. – Não quero ter de ir aos tribunais e me ver no meio de uma guerra pela custódia da gente, como a Amy.
- Não, Ana, não vamos nos divorciar – respondeu papai. – Apenas fique quietinha e escute, e vai ficar sabendo o que decidimos.
Ele esperou até todos ficarmos completamente quietos para começar a falar. Não é à toa que ele é advogado.
- Sua mãe e eu não estamos muito felizes com a maneira como as coisas vão indo nesta família. Vocês três estão tendo problemas...
- Eu já disse que sentia muito – interrompi. – E que não aconteceria de novo.
- Não é só você, Lua – disse papai, lançando um olhar para mamãe. – Quase todo dia os outros roubam o dinheiro do lanche do Daniel. A psicóloga da escola de Ana diz que ela está tendo problemas de relacionamento e quer que faça terapia três vezes por semana. E você mentir para a gente, Lua, foi a gota d’água.
- Não é só você, Lua – disse papai, lançando um olhar para mamãe. – Quase todo dia os outros roubam o dinheiro do lanche do Daniel. A psicóloga da escola de Ana diz que ela está tendo problemas de relacionamento e quer que faça terapia três vezes por semana. E você mentir para a gente, Lua, foi a gota d’água.
- E o mais incrível de tudo isso - interrompeu mamãe - é que pensávamos estar fazendo o melhor por vocês. Pagamos uma fortuna em mensalidades para mandá-los às melhores escolas, mas estamos percebendo que isso talvez não seja o melhor. Vocês precisam é do nosso tempo e da nossa atenção, que não podemos dar-lhes porque estamos constantemente ocupados com as nossas coisas.
- Precisamos de um tempo para ser uma família, crianças - suspirou meu pai. - Isso não é jeito de viver, sempre na correria, sempre sob pressão, nunca comendo juntos, sempre pizza e comida para viagem em vez de uma boa comida caseira...
- Mas gosto de pizza! - interrompeu Ana
- As coisas de que gostamos nem sempre são as melhores para nós, meu amor - retrucou mamãe com suavidade. - Somos os pais de vocês e nós é que temos de pensar no que é realmente o melhor para que cresçam felizes e saudáveis.
Houve uma pausa dramática.
- Vamos estudar em escolas públicas, papai? - perguntou Daniel por fim.
- Provavelmente. Vamos ter de olhar isso ainda, mas acho que é bem provável - respondeu papai.
- Provavelmente. Vamos ter de olhar isso ainda, mas acho que é bem provável - respondeu papai.
Mamãe respirou fundo.
- A decisão que tomamos é que Nova York não é um lugar saudável para criar os filhos - disse ela - e, no ritmo que estamos indo, seu pai e eu seremos dois fortes candidatos a um enfarte por volta dos quarenta anos. Sei que vocês têm nos ouvido conversar a respeito do problema do vovô durante toda a semana. Ele quebrou a perna e não tem ninguém para ajudá-lo a tomar conta do rancho. Nessa noite papai e eu decidimos que a melhor coisa a fazer é ir para lá cuidar dele.
- Para o Wyoming? – perguntei abruptamente.
- Para o Wyoming? – perguntei abruptamente.
- Para o Wyoming – respondeu meu pai.
- Nós todos? Por quanto tempo? – tornei a perguntar sentindo minha voz estremecer.
- Quem sabe? – disse meu pai. – Talvez para sempre. Vamos ter de ver como as coisas correm por lá.
- Quem sabe? – disse meu pai. – Talvez para sempre. Vamos ter de ver como as coisas correm por lá.
Endireitei o corpo de supetão.
- Para sempre? Pai, você não pode estar falando sério! Não podemos nos mudar de Nova York!
- Estivemos conversando bastante a respeito disso... – disse mamãe.
- Eu sei – interrompi -, a história da fazenda em Connecticut. Mas nunca achei que estivessem falando sério. Sempre pensei que gostassem de Nova York tanto quanto eu gosto.
- Estamos cansados desta vida estressante – disse papai. – E, como a sua mãe falou, chegamos à conclusão de que Nova York não é um bom lugar para criar uma família saudável.
Fiquei em pé de um salto.
- Vocês não podem estar falando sério! Eu não posso sair de Nova York agora. Todos os meus amigos estão aqui. Não daria para eu ir morar com a Sophia? Eles têm uma cama extra lá, do irmão dela que está na faculdade. Sei que a mãe dela iria concordar...
- Sophia é uma das maiores partes do problema todo, Lua – observou meu pai. – A mãe dela lhe dá todo tipo de liberdade que nós não querermos dar a você.
- É principalmente por cauda de você que nós chegamos a essa decisão – completou minha mãe. – É você quem queremos fora dessa cidade o mais cedo possível.
- Não consigo acreditar que estão fazendo isso comigo! – protestei. – Isso é seqüestro infantil! É abuso infantil! Vou falar com as autoridades do Juizado de Menores e ver o que têm a dizer a respeito.
- É principalmente por cauda de você que nós chegamos a essa decisão – completou minha mãe. – É você quem queremos fora dessa cidade o mais cedo possível.
- Não consigo acreditar que estão fazendo isso comigo! – protestei. – Isso é seqüestro infantil! É abuso infantil! Vou falar com as autoridades do Juizado de Menores e ver o que têm a dizer a respeito.
Meu pai sorriu.
- Eles vão dizer que uma criança deve morar com os pais até completar dezoito anos – disse ele. – Goste ou não, você vem conosco, Lua.
- E eu acho que vocês vão gostar crianças – concluiu mamãe, com uma voz realmente animada. – Imaginem não ter de lutar com o trânsito e a multidão todas as manhãs. Poderíamos comprar cavalos para vocês, se quiserem. Teríamos tempo para jantar juntos...
- Mas como vai encontrar trabalho em Wyoming? – zombei.
- Não vou trabalhar. Nem o seu pai. Nós dois estamos parando de trabalhar.
- Ah, não! – gemeu Ana. – Vamos virar sem-teto e mendigos! Não quero dormir numa caixa de papelão!
Aquilo quebrou a tensão e todos tivemos de rir. Mas o ingênuo comentário de Ana levantou uma questão séria.
- Do que vamos viver? – perguntei.
- Vamos nos virar bem – disse mamãe, lançando um olhar a papai. – Vamos começar trabalhando no sítio do vovô até ele ficar bem, e, se depois as coisas não correrem bem entre nós e ele, então talvez compremos uma fazendinha para nós mesmos. Uma vantagem de ter morado aqui na cidade por tanto tempo nós não podemos negar: fomos muito bem pagos e conseguimos economizar bastante. E no Wyoming não teremos de pagar aluguel ridiculamente alto nem absurdas mensalidades privadas. Estou planejando plantar frutas e verduras, e isso vai dar tempo ao papai fazer o que ele sempre sonhou fazer.
- O que é? – indaguei.
- Escrever um romance – respondeu ela.
Olhei na direção de papai. Ele havia corado.
- Sempre foi o meu sonho secreto – confessou com doçura e certa timidez. – E, se não der certo, se eu descobrir que não consigo escrever o meu Best-seller e se não conseguirmos plantar a nossa própria comida, então tenho certeza de que sempre haverá trabalho para um advogado em qualquer lugar. Ou então poderia ensinar na escola local. Há inúmeras opções.
- Para você, talvez – disse eu. – Mas o que há para mim lá?
- Vários garotos e garotas cujos valores ainda não foram para o brejo – replicou mamãe. – A chance de perceber que dinheiro não compra felicidade. A chance de crescer como uma pessoa autêntica, e não como uma burguesinha sofisticada e falsa. Quem sabe quantos talentos seus você poderá descobrir quando tiver uma chance de tentar coisas novas?
- Claro – retruquei com amargura -, como, por exemplo, bater manteiga e tirar leite de vacas.
- Vacas? – perguntou Ana toda excitada. – Vamos ter vacas?
Mamãe sorriu ao ver a carinha animada de Ana.
- Vai poder ter quantos bichinhos de estimação quiser, amorzinho. Vacas, ovelhas, porcos, coelhos... tudo o que quiser.
Ana deslizou do banco para o chão.
- Estou indo empacotar as minhas coisas – comentou. – Podemos ir amanhã?
- Amanhã não – respondeu meu pai, erguendo Ana em seus braços. – Mas muito, muito em breve. Assim que conseguirmos um inquilino para este apartamento e deixarmos tudo em ordem. Não posso esperar para ver a cara dos meus sócios quando eu contar a eles que estou indo embora.
Olhei para a cara excitada e feliz de papai, em seguida para a de mamãe, e depois para a de Ana. Pelo menos Daniel não parecia estar pulando de felicidade. Talvez estivesse se lembrando da vez em que tinha vomitado quando o vovô o obrigara a comer nabos plantados em casa.
Senti um grande soluço chegando.
- Não consigo acreditar em vocês, gente – eu disse através da bola que se formara em minha garganta. – Não consigo acreditar que estejam fazendo isso comigo. Eu não vou! Vou encontrar um jeito de ficar aqui, nem que seja a ultima coisa que eu faça sobre a Terra!
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