terça-feira, 27 de março de 2012
Ópera:Capítulos 15 á 17
Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 11:23 da manhã;
Lua estava imersa em pensamentos. Pensamentos sobre Sophia e mica, pensamentos sobre Duan e suposições aceitáveis para o fato de Thur não ter ido à aula.
Duvidava que mica tivesse sido capaz de fazer uma coisa como aquela, ainda mais a Sophia, a quem ele parecia amar. Lembrou-se dele já ter dito várias vezes que aquilo fora apenas um mal entendido, mas como isso seria possível? O relato de Sop não parecia dar espaço a mal entendidos, ou dava? Algo ali com certeza não se encaixava. Mas o quê?
Suspirou profundamente enquanto o senhor Johnson continuava falando sobre algo anotado no quadro. Ela nem fazia questão de saber o que era.
Mordeu a caneta, mudando a direção de seus pensamentos.
“Esquece a parte que eu disse que me rendo ao Kasino. Eu me rendo é a você!” Lembrou-se da boca de Duan próxima, e de ela mesma acabar com a pequena distância. Lembrou a sensação do beijo, procurando alguma reação em seu corpo, como um coração acelerado ou frio no estômago. Não encontrou.
Antes que sua mente, por fim, se direcionasse a outro pensamento, o sinal do intervalo tocou. A garota se levantou silenciosamente e começou a andar ao lado de Mel até a saída da sala. Essa, por sua vez, começou a contar animada sobre o final de semana que tinha passado com Chay.
Quando viravam o corredor para ir em direção às escadas, Luinha se chocou bruscamente contra alguém, deixando seus livros de álgebra cairem no chão.
- Ouch! – exclamou, colocando a mão no ombro atingido.
Thur apenas virou seus olhos para a garota, e quando viu de quem se tratava, bufou e continuou a seguir em frente. Uma coisa ele nunca poderia negar para si mesmo: estava irritado... E muito.
Lua ficou alguns segundos tentando assimilar o fato do menino estar na escola, e também de ter derrubado seus livros sem dizer nada, nem se desculpar.
- Grosso! – gritou pro rapaz que andava mais a frente, assim que deu por si. Ele pareceu dar de ombros. – Estúpido... – murmurou mal humorada, abaixando-se para pegar seus livros.
Mel observou tudo sem ter nenhuma reação, apenas analisando.
Luinha andou devagar até a sua mesa no refeitório, carregava a bandeja de almoço e ainda sentia uma pontada de irritação no peito. Quem Aguiar pensava que era?
Colocou a bandeja na frente de onde Rod estava sentado, e deu um suspiro pesado, antes de sentir duas mãos quentes em seu quadril.
- Que bom que está aqui. – ouviu a voz rouca de Duan sussurrar em seu ouvido. Arrepiou ao ouvi-lo. – Já estava com saudades.
Ela sorriu involuntariamente, colocando suas mãos em cima das do rapaz. Ele ficou satisfeito ao ver sua reação.
- Bom dia. – ela respondeu, encostando sua cabeça no ombro do garoto, ainda de costas pra ele.
Rod mastigou fortemente sua comida, ao ponto das outras pessoas na mesa ouvirem seus dentes se chocarem uns com os outros. Encarou o casal por baixo das sobrancelhas.
- Não quer ir almoçar comigo? – ele apontou a mesa dos ‘playboys’ com o queixo.
- Não acho que eu combine muito com eles. – Luinha riu baixo. – Mas eu adoraria se quisesse almoçar conosco.
- Como quiser. – virou-a carinhosamente de frente pra si, encostando seus lábios nos dela.Luinha fechou os olhos e aproveitou o momento, sentindo-se estranhamente tranquila de uma hora pra outra.
Chay jurou ter ouvido os dentes de Rod trincarem nessa hora. Segurou uma risada, assim como a namorada.
Luinha fez as devidas apresentações, que acabaram sendo desnecessárias, e todos começaram o almoçar. Rod estava mais mal humorado do que de costume, Chay e Mel vez ou outra trocavam olhares cúmplices, como se compartilhassem dos mesmos pensamentos,mica estava mais falante e Duan acariciava Luinha a cada curto intervalo de tempo.
- E aí, goleirão? – mica perguntou. Luinha aproveitou a deixa para procurar no garoto algum sinal de malícia, mas não enxergou nada além de sua divertida ingenuidade de sempre. Ele não seria capaz de alguma maldade, não mesmo. – Como se sente ao sentar com os perdedores?
- mica! – Mel o repreendeu.
Duan o olhou com as sobrancelhas levantadas durante alguns segundos, depois riu e respondeu:
- Nunca pensei que fossem perdedores. Além do mais... Eu venho os achado bem interessantes, principalmente do inicio do semestre pra cá. – lançou um olhar significativo pra Luinha, abraçando-a pelos ombros. Essa sorriu enquanto as bochechas ficavam levemente mais rosadas.
- Não desperdice elogios, Duan. – a garota respondeu. – Sou uma cética. Não acredito em galanteios.
- Ótimo. – ele deu um sorriso provocante. – Temos aqui uma questão a ser trabalhada. – aproximou a boca de seu ouvido. – Nunca pensei que fosse ser fácil estar com você.
Luinha engoliu a seco.
Estar com ela? Eles tinham firmado compromisso e ela não se lembrava? O que ela era pra Duan? Ou melhor, o que ele pensava que eles eram? Algo com certeza não estava certo. Pelo menos, não do jeito que ela queria... Mas afinal, o que ela queria? Nem Lua mesma conseguia responder aquilo... Quando pensava no que desejava, inconscientemente, o rosto de Thur lhe vinha à mente. Odiava a si mesma por isso.
Assim que o intervalo terminou, Mel segurou o braço de Luinha para que ela permanecesse na mesa. Por certo tinha algo a dizer. A amiga concordou rapidamente, ao chegar a essa conclusão.
- Não vem, minha linda? – Duan chamou, lhe dando um beijo na testa.
Lua mirou seus olhos durante algum tempo, incomodando-se de uma maneira estranha com o pronome possessivo usado por ele. Depois de se desviar dos pensamentos, sorriu cordialmente e respondeu:
- Ainda não, Duan. Preciso resolver um assunto.
- Te vejo no final da aula? – ele perguntou com uma animação repentina.
- Claro que sim. – ela respondeu pouco antes de sentir o rapaz colar os lábios nos dela.
Duan estava em pé de frente para a garota sentada, então não teve dificuldades de apertar o cabelo de sua nuca. Sua língua pediu a passagem que ela permitiu, beijando-a profundamente durante vários segundos. Quando separou suas bocas, ainda lhe deu um selinho antes de partir.
Luinha o observou sair do refeitório atentamente. Quando ele estava completamente fora da vista, assim como os demais que antes estavam sentados à mesa, virou-se ansiosamente de frente para Mel.
- E então, o que foi?
- Primeiramente... – ela pigarreou – O que foi, você! Poxa, Luinha, acho que ao invés de ficar suspirando a aula toda você poderia ter me dito que estava com o Duan!
- Eu não... – deteve-se, depois abaixou o tom de voz. – Eu não estou com o Duan...Tecnicamente.
- Okay, então. – Mel franziu o queixo, concordando com a cabeça. – Isso é sério. Preciso ligar para o meu médico: além de amnésia estou tendo alucinações!
- Deixa de ser boba, Melzinha. – Luinha gargalhou. – Ele realmente estava aqui... E me beijou...
- Logo vocês estão juntos. Ou não? – estava confusa.
- Não... Ou melhor, sim! – Luinha apoiou a testa na mão. – Estamos apenas ficando, okay?
- Se você diz... – deu de ombros.
- Era só isso?
- Não, não. Claro que não. – Mel disse como se estivesse se corrigindo. – Eu cheguei a uma conclusão maluca... E sabe como é, não é? Conclusões malucas levam a ideias malucas...
- Sei como é. – Luinha riu baixo. – Qual a conclusão?
- É sobre os meus flashbacks... – Lua ficou ainda mais atenta depois dessa frase. – Por favor, não pense que eu sou doida, está bem?
- Doido é o cavalo-marinho... – antes que Mel fizesse cara de desentendida, Lua fez sinal pra que ela prosseguisse.
- Veja bem... Eu tive três flashbacks. – Luinha concordou, acompanhando o raciocínio. – No primeiro, eu conversava com a Iv no corredor do segundo andar. No segundo, eu a observava conversar com o Duan na saída do ginásio. E o terceiro... Estávamos assentadas vendo o treino do time de futebol.
- Aonde quer chegar com isso? – juntou as sobrancelhas.
- Esses lugares parecem familiares a você? – Mel tentou estimular o raciocínio da amiga.
- Espera... – Luinha disse como se tivesse chegado a uma conclusão. – Mas esses não foram os lugares em que eu estava quando você...?
- Exatamente.
- Que medo. – Lua disse de uma forma gozada, fazendo Melzinha gargalhar. – O que eu posso fazer a respeito?
- Promete não ficar assustada?
- Depois de dois meses na Highgate, duvido que algo ainda possa me assustar. – sorriu.
- Você iria comigo aos prováveis lugares onde eu estive com a Iv...? – perguntou receosa.
Luinha ficou um momento em silêncio, depois se pronunciou:
- Para estimular as suas lembranças e chegar até o culpado? – falou com o tom divertido. – Perigoso... Bem perigoso. – fingiu pensar por um momento. – Mas acho que eu sempre tive algum tipo de fetiche pelo perigo. – riu baixo. – Eu adoraria te ajudar com isso.
- Graças a Deus. – Mel disse aliviada, apertando a mão da amiga.
Luinha também sorriu e as duas se levantaram para voltar à sala. Enquanto voltavam, Lua ainda pôde analisar suas lembranças de Sophia no refeitório. O quanto a garota fingia estar feliz estando em total confusão...
Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 4:57 da tarde;
- Vai lá, Bennet! – uma das garotas que estava encostada à grade gritou enquanto observava o treino de futebol. Eles simulavam um jogo.
A professora de Educação Física, senhora Mars, passou mal e teve que ir embora mais cedo, deixando várias garotas sem o que fazer até a hora do final da aula. Todas acabaram se dirigindo para o campo de futebol, que, com certeza, estava muito mais interessante.
Lua rolava os olhos toda vez que uma das colegas gritava por Duan, mas não pôde deixar de estranhar o fato de nenhuma vez o nome de Thur ser mencionado. Ele obviamente dava de mil a zero em muitos ali, tanto em talento quanto em beleza, e nenhuma delas parecia se empolgar com a sua presença. E não era ela mesma que tinha que fazer isso, certo? No fim das contas ele era só mais um mal educado bipolar, certo?
Lua encostou a cabeça na grade, respirando fundo assim que o treinador apitou o final do treino. Quase todas as meninas entraram para a quadra de grama assim que eles devolveram a bola ao treinado Stevens. Elas estavam ansiosas para parabenizar os jogadores. Luinha e Melzinha não moveram um músculo sequer.
Dois olhos curiosos se moveram rapidamente em direção a garota: o primeiro, do loiro encostado na trave do gol, o segundo, do único jogador solitário.
Lua se sentiu dividida durante um largo momento, sem saber a quem se dirigir. Suas dúvidas se esvaíram quando ouviu Duan gritar por ela:
- Luinha, aqui! – ele sorriu largamente, acenando.
A garota viu Thur rosnar, depois devolveu o sorriso a Duan e entrou no campo. O rapaz de olhos esmeralda correu radiante até ela e, sem dar tempo para que ela tivesse alguma reação, puxou-a pela cintura e juntou alvoroçadamente seus lábios. Lua juntou suas línguas, abraçando-o pelos ombros.
Todos na quadra pararam para olhar. Cada um deles tinha uma diferente expressão de surpresa no rosto, menos Thur. Não, não. A expressão dele não era de surpresa. Era de nojo, raiva, impaciência e... Talvez outra palavra. Outra palavra que ele mesmo se recusava a utilizar...
O rapaz sentia seu estômago ser golpeado cada vez que Luinha e Duan abriam a boca. Seria possível que ele iria vomitar? Mas por quê? Por que naquela hora? Por que ao ver isso? Sentiu-se o pior idiota do mundo. O mais egoísta. Devia ficar feliz pela conquista do seu melhor amigo. Ele mesmo tinha aberto mão da garota. Ele mesmo tinha dito que não a queria sabendo das intenções de Duan. Espera! Ele queria a Luinha? Ele, Arthur Aguiar, queria Lua bLANCO?
Sentiu o almoço chegar a sua garganta, mas se conteve. Seu aspecto estava o mais trancado possível e o humor negro que emanava chegava a ser sentido metros de distância.
Ele era um idiota. Duan era um idiota. Lua era a pior idiota de todos.
Soltou o ar que estava prendendo e marchou agressivamente pra fora do campo, sem olhar pra trás. Quando estava contornando o ginásio para chegar ao estacionamento dos fundos, trombou com Brittany, que deixou o cigarro cair.
- Nossa, mas o que foi, Thur? – ela perguntou com a expressão divertida. – Que pressa toda é essa?
Ele respirou profundamente, olhando-a com o canto dos olhos e tendo um pensamento.
- Ah, por que não me con... – Brittany ia até completar a frase, se Thur não tivesse tampado sua boca com o indicador, de forma decidida.
- Cala a boca e vem comigo. – falou por entre os dentes, deixando claro que estava furioso.
Ela apenas sorriu e obedeceu sem contestar. Se ele queria descontar toda aquela raiva nela, que ficasse à vontade. Brittany se sentiria mais do que honrada...
- E então? – Duan perguntou em um tom carinhoso, enquanto conduzia Luinha para o estacionamento. – Como quem está indo embora?
- Não precisa se preocupar, eu... – ‘já tenho carona’ teria saído de sua boca, se tivesse visto o Audi estacionado no lugar de sempre.
Thur tinha ido embora sem ela? Era o que faltava! Ele era mesmo um estúpido, bipolar. Fechou a cara assim que chegou a essa conclusão.
- Eu adoraria que você me levasse pra casa. – deu ênfase na palavra, apertando os dentes contra os outros, com raiva.
Duan esboçou um sorriso largo, levando a garota pelos ombros até o Toyota. Ao chegar à frente do carro, abraçou-a pela cintura e novamente a envolveu em um beijo, que, ao contrário das outras vezes, Luinha retribuiu com mais vontade.
Londres; Dockland; Terça-feira; 7:40 da manhã;
Brittany abriu os olhos com dificuldade, incomodada pela claridade vinda da vidraça transparente. Observou novamente o local, e, depois de uma dedução óbvia, deu um sorriso, extasiada com as lembranças da noite anterior. Cheirou o edredom azul e estendeu sua mão para o lado oposto da cama, procurando um corpo o qual não encontrou.
- Thur? – sentou-se de repente, preocupada. Procurou-o com os olhos pela sala do apartamento, encontrando apenas o cachorro. Levantou-se e se enrolou no edredom, com a intenção de procurá-lo no pequeno corredor.
- Thur, isso não tem graça. – disse com a voz trêmula. – Thur?
Já estava começando a suar frio, quando o rapaz abriu a porta do banheiro, ainda ajeitando a gravata vermelha no pescoço. A loira suspirou aliviada.
- Que susto você me deu. – ela disse se sentando na cama novamente. – Pensei que tivesse ido embora sem mim.
- Não sei o que pensa sobre mim... – disse inflexível como sempre, mirando-se no espelho da sala. – Mas não sou tão escroto a esse ponto.
- Desculpe por duvidar de você. – ela arrumou os cabelos bagunçados com uma das mãos.
- Coloque seu uniforme depressa, antes que cheguemos atrasados. – ele cruzou os braços, encostando-se à bancada. – Detesto atrasos.
Brittany consentiu, antes de recolher suas roupas no chão e se dirigir para o banheiro.
Londres; Highgate High School; Terça-feira; 9:40 da manhã;
- Como vamos dividir quem lê as obras? – Luinha perguntou mal humorada, sentada ao lado de Thur na aula de literatura.
Tentava ao máximo ignorar o fato de que ele tinha ido embora sem avisá-la, ou que tinha derrubado seus livros e não a ajudado a recolher.
- Você quem decide. – ele respondeu com o humor não muito diferente. Isso a irritou ainda mais.
- Eu que decido, Aguiar?! – falou impaciente. – Eu que decido! – deu uma risada quase histérica. – Esse trabalho é de nós dois. É pra nós dois decidirmos em conjunto. Não sou eu que tenho que decidir o que vamos fazer a cada passo do trabalho. Somos nós!
- Eu realmente não estou afim de resolver algo sobre um trabalho que sou obrigado a fazer com você! – Arthur falou um tom mais alto.
Luinha sentiu-se extremamente ferida, mas não deixou transparecer sua chateação. Levantou o queixo e estreitou os olhos.
- Quer saber? Eu é que decido. – falou repentinamente. – Você fica com Hamlet. Bem a sua cara mesmo, todos morrem no final. Eu sei muito bem como você é chegado em uma morte. – estava com a clara intenção de feri-lo, assim como ele fizera com ela, e, mesmo sem saber, teve êxito.
- Ah, é, princesa? – ele sorriu cínico. – “Sonhos de uma noite de verão” é todo seu. Eu bem sei como você acredita em fadas da floresta, mas desculpe estragar suas fantasias, meu bem, contos de fadas não existem!
- Vai à merda, Aguiar. Você é um idiota mesmo. – Luinha deu uma risada sem humor. – Não sei como pude sequer achar que você fosse uma pessoa boa. Você é péssimo.
- Você fala como se fosse alguma novidade. – ele mantinha a voz cínica. – Eu sempre te avisei que não era quem você pensava que eu fosse! Aliás, você e esse seu ceticismo inconsequente. Você poderia estar morta agora por causa dele!
- E quem ia me matar, Arthur? Você? – fez som de deboche com a boca. – Faça-me o favor! Você não consegue matar uma mosca que pouse na sua sopa!
O rapaz deixou a raiva tomar conta de si e segurou o pulso de Luinha fortemente, prendendo os olhos da garota nos seus.
- Não fale do que não sabe. – rosnou baixo, apenas para que ela escutasse.
Lua estaria mentindo se dissesse que não sentiu um frio passar pela espinha. Talvez uma sensação involuntária de medo, ao ouvir o tom de voz que ele usara.
- Vai me dizer agora que já matou uma pessoa? – disse no mesmo tom, tentando induzi-lo a revelar alguma coisa.
- O que eu fiz ou não da minha vida está longe de ser da sua conta. – ele retrucou.
- Suponho que seria inteiramente da minha conta se eu estivesse me relacionando com umassassino.
- Por que não vai atrás do príncipe encantado do Duan e me deixa em paz? – Thur sugeriu, dando um sorriso sarcástico.
- Porque ele não é a minha dupla na droga desse trabalho, se fosse, acredite, eu já estaria com ele há muito tempo! – Luinha se alterou, chamando a atenção tanto dos outros alunos quanto da professora.
- Que linda. – Arthur disse com ironia, ficando em pé. – O prefere a mim, então?
- Mil vezes. – Lua rosnou pausadamente, ficando de frente para o rapaz.
- Senhorita bLANCO e senhor Aguiar, os senhores podem me explicar o que está acontecendo? – senhora Paskin disse os olhando por cima dos óculos largos.
- Eu não aturo nem mais um segundo com ele! – Lua respondeu irritada. Os colegas se entreolharam, dando pequenas risadas.
- Eu é que não aguento ter ela como dupla. É simplesmente impossível! – Thur rebateu.
- Se você não percebeu, - ela se virou pra ele, com as mãos na cintura. – eu sou a única que está fazendo o máximo para que essa parceria dê certo! Você é estúpido demais se ainda não percebeu. – a essa altura, alguns colegas já arriscavam risadas altas.
- Os dois. – senhora Paskin apontou, decidida. – Resolvam seus problemas lá fora.
- Mas... – Lua tentou argumentar, mas a senhora apontou a porta com as sobrancelhas.
Arthur saiu sem contestar e, assim que Luinha se colocou pra fora, bateu a porta, deixando clara sua insatisfação.
- Satisfeito? – ela perguntou colocando as mãos na cintura e o olhando fixamente.
- Não. – Thur respondeu impaciente em seus movimentos. – Não, sabe por quê? Porque eu nunca vou ficar satisfeito enquanto você não estiver longe de mim. – cuspiu as palavras, desejando mentalmente que o que saia de sua boca fosse verdade.
- Ah, é? – Lua ficou visivelmente magoada. – Sabe o porquê disso, Thur? O porquê de você não me querer por perto? – mordeu o lábio inferior, medindo as palavras enquanto ele a desafiava a falar. – É porque eu te lembro a Ivane. Mas não sei exatamente se você não mequer ou não a quer por perto. – fez uma pequena pausa enquanto ele sentia o peso de suas palavras. – Novidade pra você: nós não somos a mesma pessoa!
Finalizou, seguindo quase marchando para o banheiro. Arthur ficou apenas parado de frente para a sala durante vários segundos, esperando-a desaparecer de vista.
‘Nunca pensei que fossem...’ Pensou consigo mesmo, arrependido pelo desentendimento desnecessário.
Quando Luinha adentrou o ambiente, colocou-se pra dentro de um dos boxes e começou a chorar.
‘Aguiar estúpido.’
Depois de um tempo ainda dentro do box do banheiro, Luinha se levantou e foi em direção à pia, lavar o rosto quente pelas lágrimas. Fez um formato de concha com as mãos e aliviou o rosto com uma corrente de água gelada.
Quando pegou um papel-toalha para se secar, ouviu duas garotas que entravam no banheiro rindo. Preferiu não se incomodar e desconhecê-las.
Uma delas já sabia quem era. Kimberly, cujos traços a antipatizavam tanto. A segunda era uma loira dos olhos azuis e curvas fartas, que ainda não conhecia.
Brittany viu Lua secar o rosto vermelho com um pouco de interesse. Era impossível vê-la sem ainda sentir um arrepio na espinha, afinal, ela era a imagem cuspida de Whinsky. Deu um sorriso de escárnio e resolveu aproveitar a oportunidade para dificultar ainda mais as coisas para a garota, em seu ver.
- Ai, Kim. – falou quase teatral. – A noite hoje foi maravilhosa.
Kimberly sorriu maliciosamente, percebendo a intenção da amiga e entrando no jogo.
- Sério, Brit? – riu. – Passou com o Thur novamente?
Lua parou por poucos segundos de secar o rosto e olhou para as duas meninas. Brit? Brit seria... Brittany? Espera! Ela tinha passado a noite com... Thur?
Luinha se sentiu extremamente estúpida. Era óbvio que ele não era tão impenetrável assim. Óbvio. Só pra ela. Ele nunca seria tão grosseiro com alguém que estivesse interessado, como parecia ser o caso da loira. Sentiu o rosto esquentar novamente e as pernas ficarem trêmulas. Merda
- Passei. – Brittany respondeu radiante. – É incrível como cada vez ele se torna mais surpreendente. Até arriscaria dizer que ele está apaixonado. – ela riu de forma exagerada enquanto retocava o batom.
Luinha amassou o papel que estava em sua mão movida pela raiva. Jogou-o na lixeira e saiu a passos largos do banheiro, sem saber exatamente que rumo tomar.
Brittany e Kimberly sorriram satisfeitas com a sua reação.
Quando a hora do intervalo chegou, Duan voltou a se sentar a mesa de Luinha, que parecia fazer ainda mais questão da sua companhia.
Enquanto almoçavam, Lua segurou a mão do goleiro por baixo da mesa e esse sorriu abertamente. Rod que, quando percebeu, não gostou nada. mica achou excitante o fato de uma de suas amigas estar com um dos caras mais influente do colégio. Mal conseguia se conter na própria cadeira, de empolgação.
Na hora que o sinal anunciou que deviam voltar pra sala, Duan pediu que a garota esperasse durante alguns minutos, pois tinha algo a dizer. Ela concordou sem cogitar possibilidades e sem sinal de animação.
- O que quer me dizer? – ela perguntou, muito mais tranquila do que na aula de literatura, assim que todos deixaram o local.
- O que você tem, amor? – o rapaz perguntou doce, passando a mão pelo seu rosto. Luinha se assustou com a palavra usada por ele. ‘Amor’. ‘Amor’?
- Como assim o que eu tenho? – franziu a testa.
- Ficou calada quase o almoço todo. – ele mirou seus olhos. – Existe algo te incomodando? Se existir, por favor me fale. Eu me preocupo tanto com você... Detestaria que algo estivesse aborrecendo a minha Luinha.
‘Ok, Duan. Calma, lá. Depois reveremos os termos que eu assinei sem saber transferindo a minha propriedade de mim mesma pra você...’ Lua pensou, quase sorrindo com esse pensamento.
- Não é nada. Eu estou bem. – forçou um sorriso e ele novamente acarinhou seu rosto.
- Fiquei sabendo que foi expulsa da aula da senhora Paskin. – seu timbre de voz era compreensivo. – O que aconteceu?
- Nada. – desviou seu olhar. – Problemas com Thur. Mas tudo bem, ele é grosso, mesmo.
- Com o Thur? – Duan pareceu assustado. – Dude, e eu que jurava que o problema dele era tensão sexual. Mas depois de ontem à noite, acho que isso não é possível...
‘Claro.’ Luinha pensou se sentindo ainda mais aborrecida.
- Tensão sexual? – perguntou desinteressada.
- É, mas depois da noite que ele teve com a Brittany, eu duvido muito... – ficou pensativo por alguns segundos, depois piscou pra garota. – Ela é da minha sala. Acabou me contando. Mas eu não estranhei, sabe? – ainda conversava como se fosse consigo mesmo. – Não seria a primeira vez que eles dormem juntos...
Luinha murmurou um ‘Hm’, fingindo não prestar atenção e o rapaz sorriu pra ela. Segurou levemente seu queixo e juntou seus lábios devagar, em um beijo calmo e delicado.
- Está mais feliz assim? – deu um sorriso meigo.
Sem precisar responder, Lua apenas colocou a boca sobre a dele novamente, permitindo o encontro de suas línguas.
Não. Não estava mais feliz. Mas aquilo a faria esquecer durante alguns segundos... ‘O quê?’ Perguntou a si mesma. ‘Que tipo de monstro conseguiria usar o Duan desse jeito?’ Sentiu-se chateada com a sua própria observação. ‘Você é uma péssima pessoa, Luinha. Péssima. Por que o Duan? Ele não merece isso... Não merece!’ Novas lágrimas começaram a se formar no canto dos seus olhos, mas as conteve assim que viu o rosto iluminado do loiro.
Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 5:30 da tarde;
Luinha já tinha alertado Duan que não precisaria deixá-la em casa aquele dia. A aula de quarta-feira seguiu sem muitas novidades. Ela e Thur acabaram não se falando, nem ela eSophia, que fingiam ser completas estranhas. Combinaram que seria melhor assim. Evitariam suspeitas antes da hora...
Depois da educação física, a qual várias alunas tinham que voltar à escola às quatro para fazer, tinha combinado de andar pelo colégio com Mel e Chay, em busca de lugares que pudessem estimular a memória da amiga.
Já tinha passado por toda quadra de futebol e nada. Finalmente, Mel sugeriu que elas contornassem o ginásio, de repente ali, que era um dos locais favoritos de Ivane, tivessem alguma pista.
Contornaram o local duas vezes sem êxito algum, quando por fim pararam com o cansaço na parte de trás do edifício.
- É... – Lua disse suspirando e se encostando à parede próxima ao bebedouro. – Acho que ela não passou por aqui naquela semana... Ou suas suspeitas sobre mim estão erradas.
Mel e Chay se entreolharam durante um momento, em um silêncio pesaroso. Melzinha olhou pra baixo enquanto Luinha escorria o corpo pela parede, ficando sentada na grama.
- Talvez, mas quando eu tive aqueles flashbacks tudo pareceu tão claro, eu... – Mel teria continuado a falar, se sua mente não tivesse sido bruscamente desviada para outra época, quando se deparou com Lua sentada naquele lugar.
“Estava escuro atrás do ginásio poliesportivo da Highgate. Mel estava ofegante. Tinha procurado pela amiga em todos os lugares que julgava possível e não a encontrado. Soubera por boatos o que tinha ocorrido, mas precisava encontrá-la para confirmar suas suspeitas. Aquilo não podia ter acontecido. Ou podia? O relacionamento dos dois parecia tão perfeito...
Ao chegar perto dos fundos do ginásio, Mel escutou alguém fungando alto, como se tivesse chorado. Ivane. Com certeza era Ivane.
- Iv? – disse apressada, chegando ao local e virando imediatamente os olhos para a garota jogada, escorada na parede.
- Me deixa em paz! – ela gritou com a voz rouca pelo choro. Ivane nem tinha se dado ao trabalho de olhar Mel. Seus olhos estavam fixos no estacionamento do fundo, completamente vazio, assim como seus pensamentos no momento.
Seu rosto estava vermelho e inchado, a maquiagem borrada e os cabelos suados.
- Oh, Iv. – Melzinha caiu ao seu lado, envolvendo-a num abraço apertado. Teria continuado a acariciar a amiga, se não tivesse sentido algo encostar em sua barriga, enquanto a outra continuava a gemer. Era algo plástico. Mel já tinha uma noção do que poderia ser, mas não chegou a conclusões até que tivesse certeza.
Chegou o corpo para trás, encarando um pequeno saco plástico de conteúdo branco, no colo da garota.
- O que é isso, Ivane? – perguntou tomada pela fúria, tomando o saquinho das posses da amiga. – Iv, você é louca? Quantas vezes eu tenho que te dizer que isso ainda vai acabar com a sua vida?!
Ivane virou os olhos devagar pra amiga, fazendo bico e esticando sua mão lentamente até o objeto, que Mel escondeu atrás de si.
- Me devolve, porra! – gritou. – Eu preciso disso.
- Você não precisa de cocaína, Ivane. – Melzinha devolveu no mesmo tom.
Iv tombou a cabeça para o lado, mordendo fortemente seu lábio inferior.
- Eu não só preciso como já consumi hoje! – respondeu. – Eu amo a cocaína. Ela não me abandona. Ela me ama e não me trai.
- A cocaína não é uma pessoa, Iv! É algo que te faz mal!
- Mal quem me faz é ele! – Ivane se alterou completamente, segurando os cabelos com força. – Você viu o que ele fez, Melzinha? Você viu o que ele fez? – disse acabando com todo o ar dos pulmões, enquanto caia aos prantos no colo de Mel e começava a respirar rapidamente ao rolar das lágrimas.
- Fiquei sabendo... – a amiga respondeu baixo, passando as mãos pelos cabelos claros da outra.
- As pessoas já estão comentando?! – Iv gritou. – Era só o que eu precisava mesmo. O Thur metraiu, Melzinha! Ele me traiu com aquela desgraçada. E o pior é que eu vi!
- Ivane, você não sabe se ele teve motivos para... – Mel tentou amenizar a dor da menina.
- Estou pouco me lixando pra qualquer motivo que ele tenha! – continuou a gritar e se sentou novamente, olhando para ela com os olhos molhados de ira. – Ele vai pagar. E vai pagar caro. – falou por entre os dentes. – Vai pagar mil vezes pior. Ele não tinha o direito de fazer o que fez!”
- Melzinha? – Chay perguntou preocupado, segurando os ombros da namorada, que já estava deixando os joelhos renderem. Luinha a olhava assustada.
- Ai meu Deus. – Mel disse com os olhos cheios de lágrimas, apoiando-se nos braços do namorado e o fitando desesperada. – Eu tive o flashback! Eu estava certa, a Luinha os ativa! Eu vi a Ivane! Ela estava aqui e estava chorando... Estava histérica... – olhou novamente pra Lua. – Thur tinha a traído e... Ela estava se drogando...
Chay e Luinha trocaram um olhar preocupado, enquanto Mel dava o máximo de si para normalizar sua respiração.
Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 2:30 da tarde;
Assim que as aulas acabaram, senhora Paskin resolveu que já era hora de concretizar um pedido que o diretor lhe havia feito há alguns dias. Saiu da turma C diretamente para a sala onde estavam guardados os arquivos mais antigos dos professores, como notas vermelhas de alunos e detenções. O diretor tinha a pedido que organizasse as pastas e se livrasse daquilo que achasse desnecessário.
Quando viu que não havia mais alunos no corredor, destrancou a porta da pequena sala do segundo andar e adentrou, desviando de amontoados de folhas. No fundo tinha uma cadeira de madeira pequena, própria para quem quer que tivesse que organizar aquela bagunça sentasse.
Pegou a primeira pasta, do início do ano anterior, e começou a ler seu conteúdo, separando agilmente aquilo que era relevante do que não era.
Começou a pensar sobre Arthur, enquanto trabalhava. Pensou sobre Arthur e Lua, que antes pareciam se dar tão bem no trabalho, mas que a pouco tempo tinham se desentendido na sala de aula. Pensou nos dois últimos dias em que tiveram que trabalhar juntos. Mal se falavam e evitavam se olhar nos olhos. O que, diabos, tinha acontecido? Queria provar a todo corpo docente que o aluno era inofensivo, mas como conseguiria fazer isso se ele continuasse brigando com a jovem daquele jeito?
script>document.write(Harold), Arthur. Tinha tanto carinho por aquele aluno! E sabia muito bem de onde isso provinha: fora melhor amiga de sua mãe. Sim. Senhora Paskin já tinha sido grande amiga da senhora Aguiar, antes que essa falecesse. Faleceu quando Thur ainda era bem pequeno. O garoto cresceu sendo aluno dela, e cultivando um carinho pela senhora quase tão grande quanto o que ela sentia por ele. Chegara até a chamá-la de mãe, no primário. E agora estava sendo acusado de barbaridades. Impossível! Senhora Paskin sabia que Thur nunca seria capaz de cometer tal ato. Sabia que estavam suspeitando da pessoa errada, mas não sabia em quem apostar suas fichas. Talvez devesse mesmo acreditar que o jardineiro da casa tivesse sido o culpado. Talvez seria melhor...
Começou a vasculhar os papéis de agosto do ano anterior. Nada tinha aparecido de muito interessante, até que seus olhos se fixaram em um determinado papel de detenção. Senhora Paskin arregalou o máximo que conseguiu seus pequenos olhos, enquanto seu coração disparava.
Não era possível...
Aliás, era! Era possível! Depois de terminar de ler o papel, as coisas nunca lhe pareceram tão claras. Precisava informar Arthur, precisava informar o diretor, a polícia! Como nunca tinha pensado nisso antes? Será que nenhum dos professores se lembrava dessa ocorrência?
Levantou-se trêmula colocando o papel de lado, e quando finalmente se voltou para a porta de saída, alguém a estava barrando. A pessoa que menos queria ver, mirando-a com um olhar mórbido um tanto lunático.
- Por favor, saia da frente da porta. – disse ela, não conseguindo impedir sua voz de falhar.
Seu medo se tornava cada vez mais evidente na frente dos olhos assassinos. Assassinos. Não tinha palavra melhor que pudesse descrever...
Senhora Paskin deu alguns passos para trás até estar novamente sentada na cadeira. Seu corpo inteiro tremia e sua mente não conseguia projetar nenhuma ideia que a fizesse ficar livre daquilo. Do fim...
Tampou a respiração involuntariamente quando a pessoa disparou o primeiro tiro, acertando-a certeiramente no peito. Os outros dois foi incapaz de sentir, já estava morta.
Todas as folhas e pastas que estavam ao chão foram banhadas pelo seu sangue quente, que escorria em uma velocidade uniforme, como o curso de um rio. Todas as folhas presentes ficaram vermelhas. Todas que estavam naquela pasta... De menos uma. Uma que fora estrategicamente recolhida...
Dos olhos fixos e já sem vida da senhora Paskin, brotou uma lágrima: a sua última, que escorreu pela sua bochecha até alcançar o sangue de sua roupa, e nele, desaparecer.
Seria incorreto dizer que ela estava triste por deixar este mundo. Apenas triste por deixá-lo sem esclarecer algumas coisas para a única pessoa a qual ela ainda tinha afeição. ArthurAguiar. Mas tudo bem, se fosse para ser assim, ela ficaria em paz. Ficaria em paz porque novamente poderia estar junto de seu amado marido, que com certeza a receberia de braços abertos...
Capítulo 16 -
Londres; Oxford Street; Sexta-feira; 8:50 da manhã;
O clima estava seco. Tudo bem que fosse quase inverno, mas não era apenas o clima físico, e sim o simbólico. Não teria aula na sexta-feira. Aliás, provavelmente a aula não voltaria aquela semana. Aquilo seria impossível.
Lua se olhou novamente na frente do espelho. Suas vestes negras espelhavam perfeitamente como estava seu humor e a coloração embaixo dos seus olhos. Não conseguira dormir e era capaz de apostar um dedo que ninguém tinha o feito.
Prendeu parte dos cabelos pra trás, deixando a mostra o seu pescoço. Observou-o durante alguns segundos. Quando o vento gelado vindo da janela lhe tocou a pele da nuca, ela repensou e soltou-os novamente. O pescoço a mostra só a tornaria mais indefesa. Mais do que já era...
Seu vestido preto cheio de babados nunca fora tão triste. Fechou o bolero cinza que usava por cima, vendo pela janela que a árvore já estava coberta por uma fina camada de gelo. Sua meia-calça protegeria suas pernas do frio. Resolveu passar um pouco mais de blush para que seu rosto não ficasse tão pálido: pálido de susto, medo e desaprovação...
Ouviu duas fracas batidas na porta. Virou apenas as suas íris para olhar. Seu corpo permaneceu imóvel.
A cabeça de Rod adentrou o quarto. Seu semblante era tão chateado e assustado quanto o dela. Talvez até mais...
Vestia um terno preto bem passado.
- Luinha, vamos? – perguntou com a voz baixa, provavelmente pela impossibilidade de elevar seu tom.
Ela apenas consentiu e seguiu com passos lentos até o primo, que a abraçou pelos ombros.
- Não tenha medo, minha baixinha. – sussurrou para ela, tentando parecer convincente. – Eu não vou deixar que nada lhe aconteça. Eu te amo.
Lua também tentou abrir os lábios para manifestar o quanto o amava, mas foi incapaz. Seus olhos apenas se encheram de lágrimas e ela agarrou o terno do primo, ficando ainda mais próxima a ele.
Londres; Cemitério West Norwood; Sexta-feira; 9:10 da manhã;
Toda a Highgate tinha comparecido. Era impossível para Lua enxergar o padre que falava, ainda mais o caixão da senhora Paskin, que a uma hora dessas já devia estar descendo rumo ao lugar onde ficaria durante um longo tempo. Vários alunos vestidos de preto escondiam essa paisagem nada agradável.
Rod, Luinha, mica, Chay e Mel preferiram ficar um pouco mais afastados do grupo, embora ainda ouvissem a missa. Apesar de estarem juntos, não tinham trocado palavras significativas, apenas um silêncio melancólico e uma compreensão mútua de que não seria o último incidente como esse.
Lua e Rodrigo estavam abraçados, como se compartilhassem a dor do outro. A garota nunca se sentira tão grata por ter um primo tão atencioso e carinhoso.
Ele era tudo o que ela precisava no momento.
Ficaram mais alguns minutos em silêncio, apenas ouvindo o padre.
- E com a graça do Senhor, - ele disse. – que agora a senhora Amélia Joane Paskin descanse em paz. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo...
Todos completaram em uníssono:
- Amém.
As pessoas deixavam o local enquanto os coveiros eram encarregados de jogar a terra sobre o caixão.
Lua sentia o vento gelado no rosto, mas nem isso a fazia ter vontade de fechar os olhos. Mais do que nunca, queria ver.
Observou Bennet passar por ela, com a sua cara de abobalhado mais deprimida do que de costume. Pouco atrás vinha Scott, com seu aspecto imutável de completa indiferença.
Luinha sentiu asco dele por isso. Ele passou pouco antes de um rapaz magrelo, amarelado e de aparência doente, que a garota nunca tinha visto, mas que virou seus olhos pra ela com um interesse no mínimo digno de nota.
Segundos depois vinham Kimberly e Brittany. As duas conversavam leves, como se estivessem apenas fazendo um passeio pelo shopping. ‘Patéticas’, Lua pensou. Algumas pessoas desconhecidas passaram, até que Luinha avistou Duan, juntamente com um rapaz de cabelos crespos e curtos. A expressão dos dois estava praticamente a mesma: cabelos bagunçados, olheiras e semblante de pânico, de quem seria capaz de gritar com o passar de uma folha. Não os julgou, pois ela e os amigos passavam a mesma impressão.
Queria acenar para o loiro e mostrar que estava ali, mas foi incapaz de fazer qualquer movimento nesse sentido, ainda mais porque avistou mais a frente, atrás de uma cruz de mármore, um rapaz solitário em seu terno negro.
Um vento ainda mais gelado passou, trazendo alguns cabelos para frente dos olhos da menina. Para algum supersticioso, talvez, aquilo significasse um mau presságio. Mas não pra ela.
- Melzinha... – Luinha conseguiu falar com a voz rouca, por falta de uso. A amiga virou seus olhos pra ela. – Você pode vir comigo? Acho que eu estou passando mal...
- Mal, Luinha? – Rod perguntou com os olhos arregalados, apertando-a ainda mais em seus braços. – Não quer ir pra casa? Se quiser, eu te levo pra casa. Por favor. Só não quero que fique mal...
- Não ficarei, molengo. – ela discordou com a cabeça. – Antes de ir embora quero orar pela senhora Paskin. Eu ainda não o fiz.
Rod consentiu e Mel tomou a mão da garota, infiltrando-se no meio das pessoas e seguindo em qualquer direção longe dos demais.
- Vamos achar algum lugar longe no qual você possa... – Mel já ia continuar a fala, quandoLua segurou sua mão, detendo-a. – O quê? – perguntou curiosa, mas assim que viu a expressão ansiosa de Luinha, compreendeu que ela não estava enjoada.
A garota apontou com a cabeça a cruz de mármore, e Melzinha não teve dificuldades em ver quem estava atrás dela. Deu um suspiro pesado e receoso, mas no fundo do coração soube que ele nunca seria capaz de fazer mal a ela. Nem a ela, nem a Ivane.
O fato de Lua tê-la afastado do grupo fora unicamente para que Rod não ficasse sabendo onde pretendia ir.
Mel entendeu e balançou devagar a cabeça como um estímulo pra que ela fosse.
- Mas volte depressa. – alertou.
Lua concordou e seguiu seu rumo.
Aproximou-se de Thur pelas costas. Estava andando devagar, mas não devagar o bastante para que as folhas e galhos no chão não a denunciassem.
O rapaz virou o rosto pra ela, e Luinha poderia jurar que nunca o tivera visto tão triste. Bom que ali, afastados de todos, ninguém os veria.
- Quando eu era pequeno – Thur começou a falar com a voz baixa. Lua deteve seus passos quando já estava bem próxima a ele, completamente escondida pela cruz de mármore. – a senhora Paskin era como uma mãe pra mim. Ela era amiga da minha mãe, e sempre me tratou de forma especial. Era a única professora da escola que eu sabia que não tinha nenhum tipo de suspeita a meu respeito... - a menina o ouvia em um silêncio compreensivo e respeitoso. – Minha mãe faleceu há muitos anos, e agora, a única outra figura feminina a qual eu nutria alguma afeição, também se foi. – seus olhos se encheram de lágrimas. – As pessoas vão embora, Luinha. Elas sempre vão. Parece que eu tenho uma capacidade incrível de afastar todos que conquisto e que me conquistam também... Como se eu conquistasse muita gente! – ficou um tempo em silêncio lutando contra as lágrimas. – Eu estava falando sério quando disse que combinava com as lágrimas e a solidão. São as únicas coisas que não me deixam. A saudade, a mágoa. São as únicas coisas que não vão morrer. Por que eu simplesmente não morro? Por que eu ainda tenho que ficar aqui pra ver tudo isso? Pra ver todos os que eu amo morrerem... E ainda por cima ter que aguentar os olhares desconfiados dos demais. – não foi mais capaz de conter o choro e se aproximou ainda mais da garota, para que ninguém mais pudesse vê-lo se desmanchar, atrás do crucifixo. – Como se eu tivesse sido capaz de matá-la! Como se eu tivesse sido capaz de acabar com a minha vida com as próprias mãos. – de uma hora pra outra, Lua tinha certeza de que ele não se referia mais a senhora Paskin. – Elas eram tudo o que me restava. Agora eu não tenho nada. Eu não sou nada. Sou um corpo oco que está aqui apenas para ocupar espaço. Não consigo nem contar quantas vezes já pensei em suicídio, mas minha vontade nunca foi tão grande quanto é ago...
Arthur teria continuado a falar se não tivesse sentido os braços de Luinha envolverem seu pescoço e o puxarem completamente para perto, em um abraço carinhoso. Ela apoiou a bochecha gelada no pescoço quente do rapaz, sentindo, além do choque térmico, o seu perfume. Thur também a envolveu pela cintura com seus braços longos, trancando-a em um casulo imaginário junto a si. Fechou os olhos procurando sentir as batidas do coraçãozinho de Luinha, que batia tão rapidamente quanto as asas de uma borboleta que quer levantar voo.
- Nunca mais pense nisso. – ela falou em tom autoritário, apesar de embriagada pelo choro. – Nunca mais pense em morrer, em tirar sua vida, ouviu bem?!
O rapaz ficou um momento em silêncio, depois respondeu, ainda chorando:
- Por que não? Ninguém se importa mesmo. Se eu morresse meu velório seria completamente vazio, nem meu próprio pai estaria lá. – soluçou. – Todos ficariam felizes por terem se livrado de um assassino.
Lua tirou seus braços que estavam em torno do pescoço dele, segurando seu rosto entre as mãos. Thur ainda a abraçava pela cintura, e fitava seus olhos doces de perto, sentindo dificuldade para respirar.
- Olha nos meus olhos e me diz que matou alguém, Thur. – ela suplicou, com a voz quase histérica. – Foi você o assassino da Ivane? Você quem matou a senhora Paskin? Me diz que isso é verdade. – suas lágrimas caiam descontroladas, assim como as dele.
- Você não tem idéia de como eu queria que fosse verdade. – ele sussurrou. – Porque se fosse, pelo menos eu teria um motivo real para ser odiado. Eu não sou um assassino,Luinha. Por mais que eu queira ser.
- Não, você não quer. – ela ainda mantinha os olhos do rapaz presos aos seus. – As pessoas não precisam gostar de você, Thur, nem se preocupar. Eu posso gostar por todas elas, e se você morresse, bem, eu estaria no seu velório e choraria o equivalente a Highgate inteira. Eu não te odeio. Estou longe de te odiar. Eu até queria, principalmente depois daquela briga na aula de literatura. Mas eu simplesmente não consigo. Não consigo sentir algo ruim a seu respeito.
- Sinto muito por aquilo tudo, Luinha. – Arthur colocou sua mão direita na bochecha da garota, puxando seu rosto ainda mais para perto. – Eu sou um idiota. Me desculpe, por favor. Me desculpe... – sussurrou, passando o nariz devagar no dela.
O vento frio cortante ainda se manifestava, movendo alguns fios de cabelo dos dois enquanto eles se olhavam fixamente. Os olhos de Thur e Luinha pareciam presos por uma linha imaginária. Seus olhares eram sólidos, concretos e passavam sentimentos que apenas os dois conseguiam captar. Quando por fim, Arthur resolveu desviar seu olhar dos olhos deLuinha para a sua boca mais rosada pelo frio, eles ouviram alguém gritar, de vários metros de distância:
- Melzinha, a Luinha não melhorou até agora? – era a voz de Rod.
Sem esperar que Thur tivesse alguma reação, Luinha lhe beijou na bochecha e murmurou um “Até logo”. Correu de volta ao encontro de Mel, que já a esperava aflita, e juntas voltaram para onde Rod, mica e Chay estavam.
O coração de Lua batia acelerado. Suas suspeitas sempre estiveram certas, afinal. ArthurAguiar não era um assassino.
Quando Thur a observou entrar no carro prateado em segurança, esperou que todos os outros estudantes saíssem do cemitério, para que, por fim, pudesse se dirigir a outra lápide. Andou devagar, com as mãos aquecidas pelos bolsos, até o local do cemitério que mais conhecia.
- Ei, Iv. – disse se deparando com a lápide coberta por gelo. O rapaz se abaixou um pouco para limpá-la e deixar novamente a mostra os dizeres nela esculpidos. Leu apenas o nome: Ivane Cornélia Whinsky. – Espero que receba bem a senhora Paskin aí em cima... Está frio e provavelmente agora eu tenho que ir, Spike detesta neve. – mirou novamente a lápide. - Farei com que a pessoa que lhe fez mal pague caro por tudo... Por você, pela senhora Paskin e por mim. – deixou mais uma lágrima rolar. – Eu te amo. – Disse como algo já decorado, e estranhou que essas palavras já não tivessem o mesmo efeito em seu coração do que antes.
Não tentou lutar contra isso, apenas deu um sorriso fraco e seguiu seu caminho de volta ao Audi.
Londres; Oxford Street; Terça-feira; 8:10 da manhã;
“Luinha estava em um lugar florido e ensolarado. Corria animada por pequenos morros, entre girassóis, e ria à toa, pois sabia que ele viria atrás.
- Você é lerdo, Thur. – gritou, e no momento seguinte, sentiu uma das mãos do rapaz agarrando-lhe o braço. Conseguia ouvir sua risada gostosa cada vez mais próxima.
Quando descia um morro tentando se desvencilhar dele, de brincadeira, acabou tropeçando e o levando junto, rolando até estarem em chão plano. Ambos gargalhavam mirando a face do outro, como se aquilo fizesse parte de um encanto, ou simplesmente fosse hilário.
- Quem é o lerdo, agora? – ele perguntou, abraçando-a pela cintura e deixando seus narizes bem próximos.
Luinha encarou seu rosto por alguns segundos, depois sorriu.
- Continua sendo você! – beijou seu nariz, distraindo-o por tempo suficiente para que ela ficasse em pé e voltasse a correr entre as flores.
- Hey, não é justo! Você me distraiu! – ele gritou em tom de brincadeira, se levantado e voltando a segui-la.
Luinha continuava entre sorrisos bobos e gargalhadas, sem estranhar o fato de que não estava cansando e nem ofegante. Sentia-se livre, completa, realizada.
Depois de um tempo, não ouvia mais nem as risada e nem os passos do rapaz atrás dela. Parou desconfiada e virou-se, ainda assim, em tom divertido.
- Eu disse que você era lerdo.
Quando virou o tronco completamente na outra direção, pode contemplar uma imagem que fez seu coração desmanchar e seus olhos esquentarem.
Era Thur. Estaria tudo bem se fosse apenas ele... Mas ela estava o beijando. Aquela garota era... Luinha! Não, não. Não era Luinha. Ela sabia muito bem quem era...
Ivane.”
Lua acordou com o ranger baixo da porta do seu quarto. Levantou os olhos nessa direção para olhar, de certa forma aliviada por aquilo ter sido apenas um sonho. Seu coração ainda estava disparado, e a chateação que aquilo lhe causara era óbvia. Por quê?
- Não é só porque não tem aula que você pode ficar aí até tarde, Luinha. – Rod disse bem-humorado. – Levanta. mica está vindo pra cá.
- Eu já... – ela assentou no colchão, olhando em volta para garantir que nada daquilo tinha sido real. – Estou indo.
O primo piscou para a garota, fechando a porta em seguida. Assim que se encontrou sozinha, começou a analisar melhor o sonho que tivera. Estava tão feliz ao lado de Thur... Mas era errado. Era errado porque ele amava Ivane e ela mesma estava com o Duan. Pobre Duan... Ele não merecia isso. Não merecia estar com uma pessoa tão desinteressada por ele.
Lua respirou profundamente, colocando os pés para fora do edredom. Era incrível como Brittany, de uma hora pra outra, parara de ter importância. Talvez nunca a tivesse julgado tão importante assim. Deu um meio sorriso ao pensar nisso, pouco antes de voltar a ter a impressão de estar sendo observada. Um calafrio lhe passou pela espinha.
Era impressão, claro. Tinha que ser...
Quando colocou as pantufas se dirigindo para o banheiro foi que se deu conta: era a primeira vez que Arthur Aguiar aparecia em seus sonhos. Não fora do jeito que ela queria, com certeza não. Aliás... Nem sabia realmente se o queria por seus sonhos... Ou por sua mente.
Pensando nisso se sentiu um pouco irritada. Um pouco, não. Muito. Não podia seguir pensando nem sonhando com ele dessa forma. E o Duan? E a Ivane? Mas no fundo, bem no fundo, Luinha sabia que se lembrando deles estava esquecendo de si mesma...
Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 5:02 da tarde;
Duan avisara a Luinha que não poderia levá-la pra casa naquela quarta-feira, mais de uma semana após a morte da senhora Paskin. O motivo? Bem, Luinha poderia até dizer que não suspeitava, se Rod não estivesse tão empolgado com esse dia desde sexta-feira.
Todas as líderes de torcida teriam que ficar depois da educação física para fazer um ensaio geral da coreografia. Os jogadores estavam treinando desde as três.
‘Claro’, Lua pensou. Era o dia da estréia dos Eagles no campeonato estudantil, e todos sabiam que a Highgate tinha uma excelente fama quando se tratava do time de futebol masculino. Tanto em beleza quando em títulos...
Quando terminou a educação física, todas as meninas se dirigiram para os vestiários no intuito de tomar banho e se arrumar para o jogo, que seria numa quadra a poucos quarteirões dali.
Luinha fez o mesmo, já esperando que, assim que terminasse, Rod estivesse de carro na garagem, esperando-a para acompanhá-lo na arquibancada.
Lua caprichou no hidratante corporal e no perfume, com fragrâncias brasileiras. Sentia-se feliz por estar sendo cuidadosa consigo mesma, e ainda mais feliz ao saber que nenhuma das meninas daquele local teria cheiro igual, ou conheceria aquele. Sorriu ao cheirar a própria pele, sentindo-se, de certa forma, mais próxima de casa.
Saiu do banheiro vestindo uma calça jeans skinny e uma blusa azul-petróleo de mangas compridas, que a protegeria do frio e indicaria para qual time estava torcendo. Prendeu parte dos cabelos para trás com um prendedor preto, passou levemente a maquiagem que trouxera e saiu à procura de Rod. Achá-lo não foi difícil, já que ao vê-la sair o rapaz deu duas buzinadas.
Chegaram ao local não muito tempo depois, juntamente com as líderes de torcida, que vestiam seus pequenos uniformes colados sem se importar com o vento. Mel estava entre elas.
Lua, que estava com as mãos nos bolsos de trás da calça jeans, parou para admirar a amiga em seu uniforme. Lembrou-se que Sophia também era líder de torcida e passou os olhos por todas as garotas, sem êxito em encontrá-la.
- Vamos, Luinha? – Rod segurou o braço da prima, convidando-a carinhosamente para a arquibancada que já estava lotando.
Ela o olhou.
- Vou falar com a Melzinha e já volto, molengo. – estava tranquila. – Pode ir sem mim.
Rodrigo alternou o olhar de Lua para Mel, que sorria para eles a poucos metros de distância. Não tinha como Luinha correr perigo perto das colegas, certo? Rod deu um sorriso amarelo, soltando os ombros da garota para que ela seguisse até lá.
Quando estava se aproximando, Mel correu animada até ela.
- Incrível como nunca ouvi Chay reclamar do tamanho desses uniformes. – Luinha levantou as sobrancelhas, em clima divertido.
- Deve ser porque ele sabe que isso não é nada comparado ao que pode ser. – a amiga deu de ombros, sorrindo sapeca e a fazendo rir.
- Tudo bem, senhorita modesta. – ainda ria. – Mas me diga... – recobrou o tom sério. – Todas as líderes de torcida estão aqui?
Mel passou os olhos pelas meninas com o uniforme número 3 da torcida: azul escuro e com pequenos detalhes brancos.
- Sophia não está. – disse ela.
- Por que não?
- Não sei. – respondeu. – Talvez ainda esteja cismada que não vá caber no uniforme. De qualquer forma, ela precisa estar aqui rápido, senão começarei a me preocupar de verdade. Nós precisamos dela. – fez uma pausa. – Mas por que a pergunta, Luinha?
- Nada, Melzinha. – sorriu. – À toa. Só observando que vocês são muitas...
- Oh, que nada. – piscou. – A Hendrix High School tem cinco garotas a mais na equipe. Eu acho exagero, mas fazer o quê? – fez uma careta engraçada e Lua riu.
Permaneceram mais algum tempo falando sobre assuntos agradáveis, como por exemplo como era o time da Hendrix, quem tinha mais chances e como seria organizada a torcida.
Mel parou de falar quando viu Sophia chegar esbaforida ao lado de Luinha, vestindo uma roupa qualquer e com o uniforme da torcida na mão. Lua olhou-a preocupada.
- Nossa, Sop. Você está pálida. – Mel aproximou-se da garota. – Precisa de alguma coisa?
- Não, Melzinha, eu... – olhou aflita pra Luinha, que a retribuiu com um olhar desentendido. – Só preciso ir ao banheiro. Vou me trocar e já volto.
- Estaremos te esperando aqui, Sop. – Melzinha disse compreensiva. – Não se atrase.
Sophia consentiu e saiu rumo ao banheiro daquele campo alugado, que ficava ao lado direito da arquibancada. Caminhou um pouco se infiltrando no meio das pessoas, até que por fim saiu da vista das duas. Lua engoliu a seco ao ver isso.
- A Sophia está me preocupando esses dias. – Mel comentou, com as mãos na cintura. – Eu sei que há algo de errado com ela, mas ela nunca quer me dizer. Não sei o que faço...
Lua permaneceu um tempo em silêncio, ainda olhando na direção do banheiro. Depois olhou a amiga.
- Melzinha, preciso encontrar o Rod, agora... – disse doce. – Tenho que ir.
- Okay. – concordou. – Torça por mim da arquibancada. – falou sorridente, beijando a garota na bochecha.
- Conte comigo. – também sorriu.
Luinha deu de costas e assim como Sophia, se infiltrou no meio das pessoas que estavam na entrada do campo, próximas às lideres de torcida da Highgate. Caminhou pela parte de baixo da arquibancada cinzenta durante um minuto, até chegar ao fim da quadra e em frente ao banheiro. Sophia estava escorada ao lado da porta do feminino, olhando para baixo e, quando se aproximou mais, Lua pôde perceber que ela chorava.
- Eu não posso fazer isso, Luinha. – Sop disse entre soluços, virando seus olhos para a garota. – Eu queria tanto participar dessa estreia, mas não posso... E se eu machucá-lo? Tão inocente e indefeso...
- Você não é obrigada a fazer algo que não queira. – a primeira falou, escorando-se do lado da menina.
- Sou, sim. Elas precisam de mim pra completar os saltos da torcida. Mas eu... Eu não posso! Como irei explicar isso a elas? – fungou.
- Como se livrar dessa sem contar a verdade...? – Luinha ficou pensativa.
Sophia virou seus olhos para ela, mirando-a por alguns instantes. Analisou-a dos pés a cabeça, depois, como um estalo, perguntou:
- Quanto você veste?
Lua respondeu olhando-a desconfiada. Depois de dizer, ao perceber o olhar iluminado deSophia, perguntou:
- Por quê?
- Já fez algum esporte... Algum tipo de ginástica?
- Fiz. Ginástica rítmica durante dois anos no Brasil... – fez uma pausa, levantando uma das sobrancelhas e perguntando novamente: - Por quê?
- Acha que aguentaria carregar a Kelly Sparks? – fez bico.
- Isso definitivamente não está me cheirando bem... – Luinha suspirou. – Por quê, Sophia?
A verdade é que ela não precisava ter feito essa pergunta. Sabia perfeitamente bem o que a garota estava insinuando. Agora estava em suas mãos salvar um time de líderes de torcida ansiosas e um pequeno ser humano. ‘Merda’, Luinha pensou. ‘É sempre assim...’
Sophia deu alguns passos até a porta do banheiro, e quando estava abrindo-a, com um largo sorriso estampado no rosto, sua face ficou verde, e seus olhos viraram para trás. Antes que Lua pudesse gritar por ela ou ir socorrê-la, dois braços fortes a seguraram. Dois braços que Luinha sabia que estariam ali sempre para segurá-la, mesmo que ela não acreditasse.
mica.
- Sop, você está bem? – perguntou, apavorado com a tontura repentina da menina.
- Estou, eu... – Sophia teria continuado a falar, se seu corpo não tivesse amolecido.
- Luinha! O que aconteceu com ela? – mica perguntou em desespero. – Estava saindo do masculino quando a vi prestes a cair...
- Eu não sei... Estava tudo bem até agora e... – falou confusa, sabendo perfeitamente que não poderia revelar nada, ainda mais a ele.
- Luinha... – Sophia murmurou, abrindo devagar os olhos. – Tome. – estendeu o uniforme. – Eu vou ficar bem...
E dizendo isso, desmaiou no colo de mica, que estava atônito. Lua suou frio, mas resolveu cumprir a vontade da amiga.
Ela estaria em boas mãos. Pegou o uniforme que estava junto ao corpo dela, trocando um olhar assustado com o garoto.
- Leve ela pra enfermaria, mica. – disse quase histérica. – Rápido!
- Não precisa falar duas vezes. – o rapaz ajeitou Sophia nos braços e a levantou no colo, seguindo o mais rápido que podia para fora do campo.
Lua observou-os desaparecer de vista com as pernas trêmulas. Depois deu um suspiro pesado, numa tentativa falha de se acalmar.
Como poderia estar na torcida se sabia que a amiga estava mal? Mas ao se lembrar das súplicas da mesma, mesmo que fossem implícitas, repensou. Faria aquilo por Sophia. Faria aquilo por Mel. Simplesmente precisava fazer aquilo pelo bem das amigas... Só esperava não falhar.
Entrou no pequeno banheiro, trancando-se dentro de um boxe, e começou a trocar rapidamente de roupa, colocando o conjunto azul-marinho apertado da Highgate. Quando saiu para se olhar de corpo inteiro no espelho, estranhou o fato da roupa lhe calhar tão bem, ainda mais o fato de seus tênis brancos combinarem perfeitamente com o uniforme, como se os tivesse vestido para isso. Ah, a ironia...
Respirou fundo novamente, antes de criar coragem de sair daquele local. Assim que terminou de expirar, ouviu um apito: o jogo tinha começado.
Precisava se apressar ou não haveria ninguém para segurar Kelly Sparks. Quase riu com o pensamento dela se esborrachando no chão, mas pensou no vexame que seria para a escola, então segurou a maçaneta e a abriu. Trazia sua roupa dobrada em mãos.
Quando saiu da área coberta dos banheiros e colocou o pé na grama, nos fundos do campo de futebol, sendo iluminada pela luz emitida pelas arquibancadas, pareceu que o jogo parou. Aliás, pareceu não, ele parou.
Quando o garoto que vestia um uniforme vermelho e amarelo estava se aproximando de Scott na zaga da Highgate, procurando um colega para dar o passe, seus olhos se encontraram com ela. E pararam por ali. Ela estava lá... Vivinha da Silva...
Lua pôde jurar que viu os joelhos do rapaz grandalhão fraquejarem, mas não tanto quanto os dos outros jogadores do time da Hendrix. Num momento de distração do menino, Scott tomou a bola e a passou rapidamente para o meio-de-campo, encarregado de passá-la a Kevin Pitterson e, por fim, a Arthur, que marcou o primeiro gol.
O pessoal da Highgate comemorou enquanto todos da outra escola, inclusive o juiz, viravam seus olhos perplexos para ela. Luinha engoliu em seco. Durante alguns segundos, todo o campo ficou em silêncio.
Ela fingiu desconhecer e caminhou até onde estavam as outras lideres de torcida. Mel arqueou uma das sobrancelhas ao vê-la uniformizada, mas no fundo, achou gozado. Sabia o motivo do pânico geral.
- Tinha que ter alguém pra segurar a Kelly. – Luinha explicou baixo às companheiras e sorriu amarelo.
As meninas consentiram amavelmente, entendendo que ela só queria ajudar. De menos a própria Kelly, que torceu o nariz. As arquibancadas e os jogadores continuaram num silêncio desconfortável, sem que o juiz reclamasse da demora deles para voltar ao jogo.
- Era só o que faltava! – Lua ouviu alguém cochichar da arquibancada próxima a ela. – Além de um assassino no campo agora também temos uma assombração!
Juntou as sobrancelhas, já preparada para virar e dar uma resposta rude.
- Ignore, Luinha. – Mel a interrompeu. – Não vale à pena.
- Desculpe. Sophia pediu que eu a substituísse. Nem devia ter vindo pra cá... Aliás, devia ter suspeitado que as pessoas tivessem essa reação...
- Mas foi graças a ela que marcamos nosso primeiro gol, certo? – falou animada, abrindo um sorriso, mas foi interrompida por uma voz masculina vinda do campo:
- Que brincadeira de mau gosto é essa? – Thur perguntou ensandecido, parando de frente pra ela.
- Não é uma brincadeira de mau gosto, Aguiar. – Lua colocou as mãos no quadril. – É uma ajuda a uma amiga. Além do mais, não te devo explicações.
Adeus clima agradável que se instalara entre eles desde o dia do cemitério, adeus.
- Continua sendo de muito mau gosto de sua parte. Não percebe que é por sua causa que o jogo está parado?
- Não percebe que eu não tive a intenção? – falou ainda mais alto, deixando claro que estava chateada.
Arthur encarou os olhos magoados da garota durante alguns segundos, depois respirou fundo e se aproximou ainda mais.
- Desculpe. – murmurou baixo, só pra que ela ouvisse. – A verdade é que eu estou sempre pisando na bola com você. Desculpe por isso... Eu... Eu sou um idiota mesmo.
Luinha já ia concordar quando sentiu braços fortes lhe agarrarem a cintura.
- Vejam se não é a minha garota parando o trânsito! – Duan disse bem humorado, girando-a de modo que fez a saia da torcida rodar.
Depois que ele fez isso e pregou um selinho na menina, outro silêncio se instalou no campo. Definitivamente, ninguém da Hendrix High School estava entendendo nada.
Thur olhou o amigo abraçando a garota pela cintura cabisbaixo e incomodado, mas não tanto quanto Luinha estava com aquele silêncio.
- Quer saber? – ela disse repentinamente, não só chamando a atenção dos dois como de todas as meninas da torcida. – Vou até eles esclarecer as coisas. Sei quem pensam que sou.
- Não, não. – disse Kelly, animada. – Deixe que eles pensem o que quiserem. Foi graças a isso que saímos na frente.
Todos olharam para ela.
- Não preciso de artimanhas ridículas como essa para ganhar o jogo. – Arthur retrucou áspero, fazendo-a se calar imediatamente. – E, aliás, faço questão de que esse gol seja anulado. – começou a caminhar na direção do árbitro.
- Esse é o meu Aguiarzão. – Duan se pronunciou sorridente e com ar de orgulho. – Todo cheio dos bons costumes!
Assim que as coisas foram devidamente esclarecidas pelo juiz do jogo, a partida recomeçou, e não levou muito tempo para que Thur deixasse as coisas como estavam antes daquela interrupção fatídica.
Luinha estava se sentindo extremamente envergonhada por tudo, ainda mais porque estava sendo perturbada por olhares curiosos da arquibancada oposta, e um olhar nada agradável bem localizado na arquibancada atrás de si. Rod. Teria muitas explicações a dar...
Conseguiu segurar a Sparks e até arriscar alguns passos e notas da torcida, incentivada porMel, que se divertia com tudo isso. Chay também achava graça, da arquibancada.
Enquanto o jogo acontecia, mica esperava ansioso pelos diagnósticos da enfermeira, que estava atendendo Sophia em uma enfermaria ao lado do campo. Estava sentado em um pequeno corredor, fora da sala onde Sophia e a mulher estavam fechadas. Quando a maçaneta foi aberta, o coração do garoto faltou pular pela boca. Levantou-se da cadeira de plástico azul e fitou a mulher rechonchuda de branco com desespero.
- E então? Como ela está? – a voz falhou.
- Ela está bem. – sorriu, depois se lembrou de um detalhe. – Aliás, os dois estão bem.
- Os dois...? – mica arqueou uma sobrancelha.
Depois de um tempo, quando Sophia por fim conseguiu se sentar na cama, Micael tinha acabado de adentrar o ambiente, sentando-se na cadeira branca que estava ao seu lado.
- Por mais que eu deteste admitir... – ela disse em um tom menos grosseiro do que costumava a usar com ele. – Eu te devo um ‘obrigada’. Obrigada, Borges.
- Não há de quê. – pronunciou inexpressivo. Depois de um tempo em silêncio, voltou a se manifestar: - Ela me contou. Você sabe... – pigarreou, receoso de completar a frase. - ...Sobre o bebê.
Sophia arregalou os olhos por um momento, sentindo um arrepio passar por todo o corpo. Virou seus olhos para mica, que a encarava com o olhar denso. O que pensar disso? Como fazer para negar? Abriu a boca durante alguns segundos, sem conseguir pronunciar nenhum som, depois a fechou e esperou que as lágrimas chegassem aos seus olhos.
- Ele tem três meses, Sop. Três meses! Sabe o que isso significa? – segurou a mão da menina, que não estava menos gelada que a sua. Micael estava demonstrando um misto de animação, surpresa e assombro.
- Não sei e não quero saber. – a garota murmurou de olhos fechados, permitindo que gotas gordas rolassem por sua bochecha, com uma expressão de dor.
- Que pena, pois eu quero. – sorriu de uma orelha à outra. – Eu... Eu vou ser pai!
- Não, Borges. Você não vai! – falou alto pra ele. – Você não é o pai dessa criança!
- Então quem é? – ele fechou o sorriso, confuso. Depois uma conclusão lhe veio à cabeça, e a fúria lhe percorreu o corpo. – Ethan?
- Eu não sei. – Sophia respondeu quase num gemido. – Deus, eu não sei de nada!
- Você não sabe quem é o... – ficou atônito por alguns segundos. – Entendo... Eu ou o Ethan...
Ela apenas ficou em silêncio. Ele também, tentando processar tudo o que descobrira em apenas dez minutos.
- Vou sair pra esfriar a cabeça. - decretou. – Fique aqui até que a Mel venha te buscar. Acho melhor...
Levantou-se e seguiu pra fora da enfermaria. Quando saiu, Sophia caiu no choro, amedrontando-se com toda aquela situação.
Quando mica se colocou para fora do lugar, o árbitro apitou: era o fim do jogo, os Eagles tinham ganhado por três a um.
Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 2:17 da tarde;
Lua saiu da sala com a cabeça lotada.
Thur tinha voltado a ser gentil com ela, ou, pelo menos, começado a ser. Sophia estava indo a escola e mal falava com as pessoas, o humor de mica também estava completamente alterado.
Luinha se perguntou se o rapaz tinha descoberto alguma coisa aquele dia. Mas só podia, que outros motivos os dois teriam para ficar daquele jeito? E depois dessas reflexões é que vinha Duan. Todos os dias o garoto a acompanhava no almoço e a levava de volta para casa. Ele estava visivelmente feliz, enquanto ela estava insatisfeita, apesar de sempre tentar demonstrar o contrário. Coitado. Ele se preocupava tanto com ela, enquanto Luinha estava desinteressada. Sentia-se péssima e suja, como se estivesse fazendo alguma maldade.
Foi pensando nisso que decidiu ir atrás do rapaz no final da aula. Tinha que acabar com aquele sofrimento. Tanto pra ela quanto pra ele.
Quando avistou-o indo a caminho do estacionamento, acelerou seus passos.
- Duan? – chamou.
O loiro virou para trás com um sorriso no rosto.
- Luinha!
- Preciso falar com você... – respondeu se aproximando.
- Eu também quero falar com você. – alargou ainda mais o sorriso. – Pode ir a minha casa mais tarde? Fiquei sabendo que é boa em química. Sabe como é, amanhã tem prova e eu estou um lixo na matéria...
Lua travou a própria língua ao ouvir essas palavras. Não podia negar ajuda a ele, e sabia que se terminasse com o garoto ali, não poderia ajudá-lo a superar sua dificuldade. Ele era tão bom com ela... Merecia pelo menos uma força.
- Conte comigo. – deu um sorriso sincero.
- Ótimo! Que tal depois da sua educação física? – sugeriu. – Hoje não tenho treino, é a nossa recompensa pela vitória de ontem. – estava radiante.
- Fechado.
- Então... Agora eu tenho que ir. – segurou o queixo da menina e de leve juntou seus lábios. – Arrumar a casa... Você não imagina a zona que é.
Lua riu baixo enquanto Duan dava as costas e se afastava. Acenou com a mão esquerda quando ele olhou novamente para trás, e ao vê-la fazer isso, ele sorriu ainda mais. Luinha odiaria partir o coração dele, mas antes agora do que quando já fosse tarde demais. Decidiu então terminar com ele quando estivesse saindo de sua casa e explicar bem as coisas. Ele não merecia sofrer, não mesmo.
Já estava se dirigindo para encontrar com Rod na garagem de frente da Highgate, quando sentiu alguém esbarrar o ombro no seu.
- Desculpe. – Thur disse automaticamente. Quando encontrou os olhos de Lua, suas bochechas avermelharam e ficou totalmente sem graça. – Desculpe, Luinha. Foi sem querer mesmo.
Ela ficou um momento em silêncio, analisado o menino. Depois sorriu meiga.
- Tudo bem. Isso não foi nada. – balançou os ombros. – Parece estar com pressa... – observou, vendo a expressão um tanto aflita de Thur.
- Um pouco. – ele respondeu. – Preciso resolver um assunto.
- Não te imagino com muitos assuntos a resolver...
- Acredite, tenho um bocado deles. – deu um meio-sorriso. Depois voltou a ficar sem graça. – Você... Você está indo embora agora? – colocou as mãos nos bolsos.
- Pretendo... Por quê? Precisa de ajuda para resolver seu ‘assunto’? – insinuou, divertida.
- Só se você quiser. – estava cordato, surpreendendo-a com a resposta.
Sério? Arthur Aguiar precisava da sua ajuda pra alguma coisa? Essa, Luinha precisava anotar em algum lugar. Não era uma coisa fácil de acontecer. Não mesmo.
Gostava da companhia dele, não podia negar. Sentia-se feliz ao seu lado, mesmo que fosse para ele ficar resmungando, ou apenas para ficar calado. E estava bastante curiosa com o que quer que o garoto fosse fazer. Curiosa o bastante para consentir sem pensar muito.
- Pra onde vamos? – quis saber.
Thur deu um sorriso frouxo. Deixou que a garota ficasse em expectativa por alguns segundos, depois respondeu:
- No hospital do meu pai. Preciso encontrar um arquivo.
- Okay. – concordou. – Só preciso avisar a Rod para não me esperar. Um minuto. – Certo, ela ia ter que inventar uma mentirinha. Mas tudo bem, até a hora da educação física não tinha nada pra fazer mesmo... Rodrigo não ficaria zangado com algo tão inofensivo. Ou ficaria? Claro que ficaria. Então era melhor que ele nem suspeitasse...
Thur observou , quase hipnotizado, Lua fazer a ligação para o primo, avisando que sairia com algumas amigas. Ela era muito diferente de Ivane. Seus gestos eram diferentes, suas caretas, seu jeito de colocar o cabelo para trás da orelha, o sorriso e até mesmo os modos. Ninguém conseguiria ter alguma dúvida de que não era a mesma pessoa. Apenas os que desconhecessem ambas. Arthur estava encantado. E sabia que não era pela Ivane em Lua. E sim apenas pela própria Lua Marques, a garota mais teimosa e meiga que já conhecera. Com todas as suas manias estranhas, que iam desde ir contra toda a escola até franzir o nariz ao sorrir. Simplesmente ela. Queria estar com ela. Oh, como queria! Mas não tinha coragem para tomar uma atitude sequer enquanto ela estivesse com seu melhor amigo, seu irmão.
- Pronto. – ela anunciou, acordando-o de seus pensamentos. – Podemos ir.
- Ah, sim. Claro... – concordou, apontando o Audi com o queixo. Eles começaram a seguir naquela direção, ela ia a sua frente. – Mas não vai querer nem saber o motivo pelo qual estamos indo até lá?
Ela parou de andar, esperando que ele a alcançasse detendo-se ao seu lado, e virou seus olhos até se encontrarem com os dele.
- Isso você me conta no carro. – deu de ombros. – Apenas pensei que fosse ser divertido. – sorriu travessa e continuou em seu rumo.
Arthur ainda ficou um tempo parado, observando a garota andar mais a frente e analisando de mil formas diferentes aquele sorriso que ela dera. Divertido? Ela pensava que sair com ele seria divertido? Que diversão via nisso? Será que ela falava coisas assim para o Duan?
Focou-se apenas no fato de que ela gostaria de sair com ele. Sorriu e continuou sua andança, seguindo-a até o Audi.
Entrou no carro com o humor renovado, assim como ela.
- Sem Andrea Bocelli hoje, por favor. – ele mesmo suplicou.
Lua o olhou.
- Okay... Mas, por quê?
- Sei lá. Vai me deprimir.
O Audi ficou em silêncio por um instante, enquanto Thur arrancava o carro. Pouco tempo depois, Lua explodiu em risadas.
- Quem é você e o que fez com Arthur Aguiar?
- Não precisa caçoar, okay? – falou emburrado. – Só quis variar um pouco hoje.
- Ah, certo. Acredite, está dando pra perceber. – continuou a rir. – Mas, vem cá... Pra quê mesmo estamos indo ao seu hospital?
- Do meu pai. – corrigiu-a. – Porque preciso pegar uns documentos.
- Certo... E a minha ajuda entra onde?
O garoto ficou em silêncio, com a expressão trancada. Luinha temeu ter tocado em alguma ferida, ou ter sido rude na pergunta. Talvez ele só quisesse sua companhia... Claro que não. Ele era Arthur Aguiar! Sentiu-se estúpida por pensar algo assim.
- Eu não gosto de lá. Me dá arrepios. – ele respondeu depois de um tempo.
- Uau, é raro achar alguma coisa que o deixe assim... – comentou, com os olhos no rosto do garoto. – Posso saber o porquê?
- Foi lá onde a minha mãe morreu.
Pequeno silêncio...
- Ah... Desculpe, eu não queria... – engasgou.
- Não, tudo bem. Não tinha como você saber. – sorriu. – Só não queria pisar lá sozinho... novamente.
- Novamente? – pensou um pouco. – O que você quer dizer? Que estava sozinho quando ela...
Arthur consentiu, mesmo antes que ela terminasse a frase. Uma sombra triste pairou sobre seus olhos. Lua engoliu em seco, arrependendo-se por ter começado o assunto.
- Meu pai estava numa viagem a negócios. Mas sabe? Está tudo bem, eu já superei. Só não gosto de reviver a cena...
- E nem precisa. – a garota colocou a mão levemente sobre seu ombro, fazendo um carinho.
Arthur deixou um sorriso satisfeito se formar no canto da boca. Cara, ele estava sendo acariciado! Ele mal podia acreditar. Há quanto tempo não recebia um carinho? O quê? Desde que a Iv morreu? Devia ser algo por aí... Aliás, era exatamente por aí...
- Você está sorrindo. – ela observou com uma risada baixa.
- Ah, desculpe. – Thur pigarreou, envergonhado. – Falta de costume...
- Falta de costume com um carinho? – Luinha deixou o queixo cair, olhando-o assustada.
- É... Bem, acho que ninguém vê muita graça em acarinhar um suspeito de assassinato. – deu um sorriso chateado.
- As pessoas são idiotas.
Lua foi passando a mão devagar pelo ombro de Arthur, do seu pescoço até próximo a nuca. Começou a acariciar seus cabelos e sua orelha movimentando seus dedos devagar, exprimindo o máximo de afeto que conseguia. Não que fosse possível demonstrar o que sentia por ele naquele carinho, mas se pudesse confortá-lo, já tinha ganhado o dia. Seu carinho também alcançava a bochecha do rapaz, que se arrepiava a cada toque.
- Está bem assim, Thur? – perguntou.
- Nunca foi melhor. – ele respondeu automaticamente, depois se espantou com a verdade que havia naquelas palavras. Os carinhos de Luinha eram meigos e sem malícia, diferentemente dos de Ivane, que sempre procuravam por algo a mais.
Lua segurou um sorriso ao ouvir suas palavras. Por que se importava tanto com ele? Por que tinha tanto carinho por essa pessoa? Incrível as reações que Aguiar causava em seu coração, incrível como conseguia acalentá-lo tanto.
Depois de algum tempo, ele já estava estacionando o Audi na garagem de um grande prédio branco, que ocupava boa parte do quarteirão. O hospital.
- Difícil acreditar que alguém pode ser dono disso tudo. – ela falou inclinando o corpo para frente, para enxergar melhor os andares do hospital através do vidro do carro.
- Meu pai é exagerado. Gosta de causar essa impacto de grandiosidade em todos. – tirou o cinto e abriu a porta do carro, contornando-o para abri-la para Lua.
- Diga a ele que teve sucesso. – ainda estava boquiaberta, enquanto se colocava de pé.
Ele a mirou nos olhos.
- Luinha... Por favor, não conte a ninguém sobre nada que vir aqui. Ou sequer que veio aqui. – estava sério.
A garota engoliu em seco, entendendo a gravidade de tudo aquilo. Consentiu pesarosa, apesar de com sinceridade. Não contaria a ninguém se ele não quisesse. Não trairia sua confiança.
Ele fez sinal para que prosseguissem. Lua o acompanhou rapidamente. Passaram pela grande porta de vidro automática dando de cara com uma recepção decorada de azul e branco. Algumas pessoas estavam sentadas nas cadeiras azuis macias, enfermeiras passavam de um lado para o outro e algumas atendentes sorriam para os que chegavam ou pediam informações.
- Senhor Aguiar! – uma atendente de aparentes trinta anos disse empolgada ao vê-lo. – Há quanto tempo não vejo o senhor.
- Olá, Janice. – ele respondeu cordial. – Essa aqui é minha amiga, Lua. – nunca a palavra amiga lhe doera tanto. Arthur sentiu raiva de si mesmo por ter uma reação assim.
- Oi, Janice. – Luinha acenou, simpática.
A atendente deu uma risada, depois a respondeu polidamente:
- Muito prazer, Lua.
- Sabe onde está a Martha, Janice? – o garoto voltou a perguntar.
- Ah! Ela me disse mesmo que estava a sua espera. Vou avisá-la que já chegou. – e dizendo isso, ela pegou o telefone branco da mesa de vidro e começou a discar alguns números.Luinha e Thur permaneceram em silêncio. – Martha? Senhor Aguiar já está aqui. Okay... Certo. – colocou-o novamente na base. – Ela está a caminho. Podem se sentar enquanto esperam.
Arthur concordou e conduziu Lua para uma das cadeiras azul turquesa, que a garota deduziu serem mais macias do que aparentavam.
- Como está? – perguntou baixo para ele, assim que Thur também se sentou.
- Um pouco melhor do que eu esperava estar... – deu uma varrida no local com os olhos.Luinha podia perceber seu nervosismo. – Deve ser porque as coisas mudaram um pouco desde a última vez.
- Mas está tudo bem agora. – sorriu. – Nada vai acontecer.
Arthur virou seus olhos para ela, percebendo-a muito mais próxima do que tinha imaginado. Mas ele não se importou. Aliás, até gostou da sensação de seu rosto colado ao dele, e por isso tratou de aproximá-los mais ainda. Luinha tampou a respiração.
- Obrigado por estar aqui. – murmurou, com a testa a poucos centímetros da dela. Quando deixou seus olhos começarem a ficar pesados, ouviu uma voz feminina próxima.
- Senhor Aguiar? – a voz perguntou. Assustou-se afastando seu rosto do da menina.
- Martha! – levantou-se às pressas com a falta de jeito.
Lua esperou seu coração voltar ao normal, antes de ficar de pé. O que ele quis dizer com aquilo? O que diabos estava acontecendo ali? Respirou fundo e depois parou para observar a mulher. Era baixa, gorda e tinha os cabelos castanhos com alguns fios já brancos. Seria uma típica governanta de casa. Mas era uma enfermeira. É... Também parecia uma enfermeira.
- A garota está aqui. – ela cochichou para ele, mas graças ao fato de estar bem próxima,Luinha também ouviu. Ela arqueou as duas sobrancelhas, ficando ainda mais confusa do que já estava.
- Onde eu consigo a ficha dela? – ele perguntou.
Martha estendeu sua mão de dedos grossos na direção do rapaz, que segurou o objeto que tinha dentro rapidamente. Pelo barulho que ouviu, Luinha constatou que era uma chave. A mulher virou os olhos claros para ela.
- E essa, devo supor, é sua namorada, senhor Aguiar?
Arthur ficou um momento em silêncio, olhando dos olhos curiosos de Martha para os olhos embaraçados de Luinha.
- Não, Martha. – respondeu, novamente sentindo-se mal. – A Lua não é minha namorada...
A enfermeira os olhou com uma expressão de ‘Sinto muito pela pergunta’, depois novamente se pronunciou:
- Oh, entendo...
- Muito prazer, Martha. – Lua disse meiga, tentando se desviar da sensação que aquilo a tinha causado.
- Terceiro piso. Quarta porta do segundo corredor à direita. Seja discreto ou já sabe as consequências... – ela alertou.
Arthur consentiu, tomando Lua pelo braço e a guiando em direção a outra porta automática, que dava de frente para um corredor lotado de portas azuis e três elevadores.
- Que garota é essa? – ela perguntou baixo, olhando para ele.
- Sally Andersen. – respondeu sussurrado.
- E o que ela tem?
- Ela é filha... – colocou a boca bem próxima ao ouvido de Luinha, para cochichar: - De alguém sobre quem quero algumas respostas.
Ela sentiu um gelo passar pela espinha. Não conseguia imaginar quem era esse alguém, mas com certeza coisa boa não podia ser.
O elevador chegou e os dois caminharam para dentro dele, parando lado a lado em um silêncio desagradável.
- Não estou vindo fazer nada de mau. – o garoto achou que seria bom esclarecer.
- Eu sei. – ela falou tranquila. – Sempre soube que não era mau.
Ele deu um meio-sorriso, desfazendo-o assim que o elevador deu o toque de que estavam no terceiro piso. As portas se abriram e o rapaz esperou que Lua passasse primeiro, antes de sair olhando para os lados, verificando se não tinha ninguém a vista. Quando voltou seus olhos para a garota, ela já estava seguindo em direção ao segundo corredor à direita. Andou rápido para alcançá-la.
- Hey. Não podemos ser vistos. – falou, chegando ao seu lado, com uma expressão brincalhona. – Não se esqueça de que precisa de mim pra entrar.
- Não esqueci. Só estou curiosa.
Eles viraram o segundo corredor, que era tão idêntico a tantos outros: completamente branco com as portas azuis. Andaram devagar até a quarta porta. Luinha parecia natural, enquanto Thur estava o mais cauteloso possível.
- Por favor, - virou-se pra ela. – Fique de olho.
Ela consentiu, enquanto ele tirava a chave do bolso e destrancava a porta. Ao girar a maçaneta e empurrá-la, aos poucos foi se revelando um quarto grande, abarrotado de papéis e com uma mesa branca no centro. Arthur moveu a cabeça para que Lua entrasse. A menina obedeceu, e assim que entrou, Thur se colocou para dentro em e fechou a porta silenciosamente. Quando estavam finalmente fechados na sala, ele suspirou pesado e virou-se para trancar o aposento.
Lua estava observando as prateleiras atenciosa, quando notou um detalhe e alertou o companheiro:
- Tem duas caixas para a letra S.
Ele virou seus olhos para ela.
- Eu pego a mais pesada, pode deixar. – respondeu.
Ela entendeu que isso era um pedido de ajuda, e pegou a menor caixa de plástico, lotada de papéis. Colocou-a em cima da mesa e começou a vasculhar, assim como ele fizera com a maior.
Procurar pelo nome de Sally ali, ao contrário do que achavam, não foi nada difícil. Estava tudo minuciosamente separado de acordo com a enfermidade, idade, e ordem alfabética.
Lua é que estava um pouco mais confusa, já que procurava às escuras. Não sabia a idade da garota e nem sua doença. Sabia apenas que se chamava Sally Andersen, então procurou pelas iniciais de seu nome.
Arthur verificava as folhas o mais rápido que podia, com o coração próximo a garganta. Aquela era uma sala frequentemente visitada, e não dava muito tempo para que algum médico ou enfermeiro viesse buscar informações ali... Mas não podiam ser vistos. Não ali. Se ficassem sabendo que ele estava roubando a ficha de um dos pacientes com a chave de Martha, estaria realmente encrencado. Não só ele como Lua e a própria enfermeira, que ia acabar perdendo o emprego, por ser cúmplice.
Lua ia acabar sendo processada, ou algo do tipo, assim como ele, que, além disso, seria deserdado.
Tinha acabado de encontrar a ficha da menina, quando começaram a ouvir um barulho na tranca. Thur soltou o papel imediatamente, virando seu olhar desesperado para Luinha, que estava paralisada.
- O que vamos fazer? – ela disse tão baixo que ele fora obrigado a ler seus lábios.
Seus lábios... Era isso, sabia exatamente o que fazer!
Olhou-a em duvida durante uma fração de segundo. Mas essa fração de segundo fora o suficiente para quem-quer-que-seja começar a girar a maçaneta, então tomou uma rápida decisão.
- Desculpe por isso, Luinha. – sussurrou, antes de agarrá-la fortemente pela cintura e prensá-la entre a mesa branca e o seu corpo.
Involuntariamente a garota o abraçou pelos ombros, com a expressão de assombro. Thur apertou ainda mais a cintura de Lua contra a sua, levando sua boca até o pescoço dela e ali depositando uma leve mordida. Luinha conteve um grito, segurando a nuca do rapaz com uma das mãos e espremendo os olhos. Ele deslizou rapidamente uma das mãos para sua coxa.
- Santa mãe do guarda! – uma voz masculina falou de fora da porta.
Ela nem quis abrir os olhos a princípio, para evitar ver com que aspecto a pessoa a encarava. Mas depois de sentir a boca de Thur se afastar do seu pescoço, abrir os olhos foi inevitável.
- Senhor Aguiar? – um jovem médico de cabelos castanhos e óculos grossos perguntou boquiaberto, analisando-o novamente.
Arthur respondeu em um tom impaciente, pouco tempo depois:
- Porra, Simon. Não poderia interromper numa hora melhor! – utilizava de falso sarcasmo. – Não vê que estou ocupado?
- Vejo! Aliás, vejo muito bem, mas... – ajeitou os óculos no rosto, dando uma olhada emLuinha, que estava completamente ruborizada. Ruborizada por estar naquela posição comThur e ainda pior pelo que o médico deveria estar pensando.
- Mas o quê? Se manda! – o garoto respondeu grosseiramente.
Lua desviou o olhar do médico para o rapaz.
‘Ah. Essa é a ideia genial dele, então?’ Bufou, ainda mais enrubescida pela raiva de estar sem graça.
- Eu só... – o cara parecia confuso. – Preciso pegar um arquivo aqui. Prometo ser rápido.
E ele entrou no aposento realmente como uma bala, procurando o que quer que fosse numa velocidade incrível. Simon deixava seu constrangimento transparecer toda vez que murmurava um ‘sinto muito’, ou ‘me desculpem’.
- Rápido, Simon. – Arthur grunhiu. – Você não tem noção do quanto isso é broxante.
- Pronto! Pronto! – o médico disse de uma forma esganiçada pelo nervosismo. – Já achei. – estava recuando de costas para a porta, enquanto movia as mãos em mais pedidos de desculpas. – Pode deixar, eu tranco a porta.
E antes que ele tivesse a oportunidade de fechá-la, Thur disse em tom sério:
- Ah, e avise a quem puder que eu não quero ninguém aqui até que eu diga pra Janice que está desocupado. Fui claro?!
- Claríssimo. – Simon estava visivelmente amedrontado. Fechou a porta levemente e a trancou, finalmente deixando os dois sozinhos.
Thur e Luinha suspiraram aliviados.
Lua sentiu o sangue voltar ao rosto, e se conteve para não empurrá-lo. Não que estivesse achando ruim. Muito pelo contrário. Mas era errado. Ela ainda estava com Duan, e por mais que quisesse ficar próxima a Arthur daquele jeito, teria que se segurar.
- Ele já foi embora, Aguiar. Pode me soltar agora. – murmurou mal humorada.
- Ah, claro. – o garoto disse completamente sem graça, descolando seus corpos em um segundo.
- Obrigada, Thur. – falou sarcástica. – Agora serei conhecida aqui como: ‘A depravada do hospital’.
- Talvez. Mas duvido muito que volte aqui. – voltou-se para os arquivos. – Eu mesmo, quero evitar.
Arthur sentiu seu coração ainda acelerado. Nunca esteve tão perto de Luinha assim... Nem nas duas outras vezes que se abraçaram. Eles estavam tão próximos, tão juntos... Seria capaz de dizer que se encaixavam de uma forma assustadora. O corpo pequeno, macio e morno de Luinha parecia tão indefeso em seus braços...
Ele queria ter aquela sensação de novo. Oh, se queria. Mas por enquanto tinha que se concentrar em tirar o arquivo de Sally Andersen dali sem ser percebido. Pegou a pasta feita de um papel marrom mais resistente e abriu o terno do uniforme, para colocá-la em seu bolso de dentro.
- Não sabia que a escola proporcionava bolsos internos tão grandes. – Lua falou ainda um pouco ofegante, apontando para onde o rapaz escondia o papel.
- Não proporciona. – ele disse, dando um pequeno sorriso.
- Ah. – compreendeu. – Você acha que a Martha terá problemas por causa da chave?
- Levando em conta o que o Simon viu... Não. Acho que não. Se a culpa de eu estar aqui cair sobre ela, eu posso simplesmente dizer que roubei. Pelo desespero em que nós... – limpou a garganta. – Bem, eu, parecia estar, ele não vai hesitar em concordar com a hipótese. Aí eu livro a Martha da história, e quanto a nós... Bom, não fomos exatamente vistos pegando a ficha de uma paciente. Ou seja, a família dela não pode nos processar. A única pessoa que pode me processar no caso, já que você é inocente, é o próprio dono do hospital. E como meu pai não seria idiota de travar uma batalha contra si mesmo, estou livre.
- Tudo bem. – ela balançou os ombros. – Eu sei que provavelmente você quer ouvir o quanto eu estou impressionada com o fato de você ter pensado em tudo. Mas eu não vou dizer. Não mesmo. É vergonhoso. – fez careta e ele riu.
- Eu não esperava por nada. Mas é bom saber que eu a impressionei.
Ficaram em mais um silêncio constrangedor, apenas olhando um para o rosto do outro. Ele tinha a face leve e ela deixava claro o seu nervosismo. Ambos ainda estavam ofegantes com a proximidade e a adrenalina de quase terem sido pegos.
Arthur observou Lua escorada na mesa pela cintura, com as bochechas mais coradas e a respiração acelerada. O coração do garoto apertou ao ter a consciência do que queria naquele momento. Ele sabia muito bem o que ele queria. Mesmo que isso significasse trair a confiança de Duan. Mesmo que talvez significasse ir contra a vontade de Luinha. Ele sabia que estava em ruínas por dentro, e não aguentaria mais. Ela era a única que fazia as coisas se estabilizarem dentro dele. Era como um doente viciado em um remédio forte pra dor.Luinha aliviava a sua dor.
Deu dois passos na direção da menina, ficando a centímetros dela, que o olhava interrogativa. Ele tinha que fazer isso. Se não fizesse, iria acabar enlouquecendo. Mas em compensação, não podia ser rejeitado. Uma rejeição seria a gota d’água... Mais uma, ele queria dizer. Mirou-a por alguns segundos, aproximando seu rosto do dela devagar. Quando estava prestes a deixar as pestanas abaixarem, o rosto do amigo lhe veio à mente. Por mais que quisesse, a amizade de Duan significava muito pra ele. Mas não conseguiria ficar pelo menos sem deixar suas intenções claras. Não acreditava no que estava prestes a dizer, mas ele ia pedi-la para... Para terminar com Duan.
- Luinha, eu... – abriu a boca para falar, enquanto ela arqueava uma sobrancelha, desconfiada. – Eu... Eu realmente...
- O quê?
- Eu realmente quero que... – não encontrava palavras para exteriorizar aquilo que seu coração gritava. – Você é... – desviou o olhar do dela, virando seus olhos para parede e curiosamente encontrando o relógio que marcava... - Três e meia?! Já?!
- A educação física! – ela exclamou, exasperada. – Thur, sinto muito, mas não posso chegar atrasada. A senhora Mars disse que come meu fígado se eu perder novamente o início da aula... E, bem... Acho que ela estava falando sério. – mordeu inocentemente o lábio inferior.
O rapaz ficou alguns segundos olhando a face preocupada de Luinha, apenas piscando. Depois fez uma coisa que a garota não esperaria ver nem em oitenta anos: riu.
- Você acha que a senhora Mars vai comer seu fígado? – gargalhou.
- Nossa, Thur, deixa de ser insensível. E eu aqui sendo sincera com você... – cruzou os braços e fez bico. Para não encará-lo, virou seu rosto para a caixa de plástico em cima da mesa.
- Não fica emburrada, Luinha. – ele segurou o próprio abdômen. – Isso só me faz achar mais graça. – deu outra risada.
- E o que tem de engraçado nisso? – ela perguntou colocando as duas mãos na cintura e voltando a encará-lo.
- O engraçado é que... – o garoto parou de gargalhar, apenas olhando-a, com um sorriso nos lábios. – Você fica extremamente fofa quando faz algo assim. E achar algo fofo é o bastante pra me fazer rir.
Lua observou a face divertida do menino por um momento, deixando clara a sua incredulidade. Depois de ver que ele estava falando sério, apenas corou e abaixou os olhos, com medo de encará-lo.
- Podemos ir agora? – ela murmurou.
- À vontade.
O rapaz abriu a porta cautelosamente, com Luinha no seu encalço. Colocou o rosto para fora e vasculhou o corredor, que estava completamente vazio. Suspirou e virou-se novamente para a menina, encarando-a dos pés a cabeça. Seu plano tinha que sair completamente infalível. Qualquer suspeita que levantassem, faria com que estivessem em sérios problemas.
Ele colocou a mão direita sobre os próprios cabelos e começou a chacoalhá-los, desarrumando-os ainda mais. Quando viu que a garota o olhava interrogativa, ele explicou:
- Se vamos fingir, vamos fingir direito. – sorriu frouxo. – Bagunce um pouco os cabelos. Vai convencer melhor.
Ela o encarou durante alguns segundos, ainda imersa em pensamentos.
- Hm... Acho melhor deixar meus cabelos como estão. Mesmo que realmente tivéssemos feito isso, eu não seria desmazelada a essa ponto. Mas há outra coisa que não depende de mim e que eu posso providenciar... – colocou a mão esquerda na própria boca e começou a esfregá-la, de forma que a mesma ficasse vermelha.
Thur observou-a fazer isso sem emitir nenhum som. Assim que a garota afastou a mão do rosto e ele pode ver o êxito daquela tentativa, sorriu cordialmente e disse:
- Impressionante.
Ela deu um sorriso cúmplice em resposta, mas depois retomou seu aspecto sério.
- Sabe o que realmente será impressionante? – ele arqueou a sobrancelha em sinal de confusão. – Quando você me deixar sair e trancar a porta, Aguiar.
Ele rolou os olhos, fazendo exatamente o que ela havia pedido. Quando já estavam fora da sala trancada, dirigiram-se ao elevador.
- Espero que encontre o que está procurando. – ela falou baixo, assim que a porta do elevador se fechou e o mesmo começou a se mover para a portaria.
- A probabilidade de eu não encontrar é pouca. – o rapaz respondeu. – Só quero mesmo tirar uma dúvida.
- Por que eu tenho a impressão de que essa dúvida implica em algo grande? – perguntou curiosa, e o que recebeu de resposta foi apenas um sorriso torto.
O elevador se abriu e Thur esperou que Luinha saísse para se colocar pra fora. Assim que ela o fez, o rapaz se postou ao seu lado e entrelaçou os dedos nos dela.
Lua virou seu rosto para o garoto involuntariamente com a surpresa. Ele percebeu e se abaixou para sussurrar em seu ouvido.
- Aqui fora seremos um casal. Lembra?
Ela observou as pessoas que os encaravam, inclusive Simon, que estava escorado na mesa de atendimentos. Martha também estava próxima, olhando-os curiosa. Luinha sorriu divertidamente e respondeu pra Thur:
- Claro que sim, amor.
Ele riu baixo enquanto começava a se dirigir para a porta de vidro, puxando a menina junto. Passaram pela recepção do hospital à largas passadas e enfim se viram fora do edifício, olhando a rua movimentada.
Lua soltou o ar, percebendo pela primeira vez que enquanto passavam pelos olhares curiosos das enfermeiras e atendentes, ela o havia prendido. Olhou os carros passarem, ainda de mãos dadas com Arthur, que se dirigia para o estacionamento. Inalou cheiro de fumaça exalado pelos carros, anestesiada pelo momento de estar unida ao garoto. E foi quando virou o olhar para suas mãos dadas que se lembrou de um detalhe...
- A chave – exclamou. – Você não devolveu a chave.
Thur não parou de andar quando a garota mencionou esse fato. Apenas colocou a mão no bolso esquerdo, certificando-se de que a chave da enfermeira continuava lá.
- Não devolverei agora. – respondeu. – Seria óbvio demais. Prefiro entregar a ela depois.
- E como ela vai ficar sem as chaves?
O rapaz tirou um chaveiro do bolso e abriu o Audi preto, que ainda estava a alguma distância.
- A Martha sabe se virar. – seguiu com Luinha até o lado direito do carro, abrindo a porta para a mesma. – É uma mulher surpreendente.
A menina se sentou e esperou até que ele fizesse o mesmo do lado direito, para então comentar:
- Vocês parecem muito próximos... Você e a Martha. – colocou o cinto de segurança, observando-o repetir o movimento e virar seu olhar para ela.
- Parecemos?
- Sim, parecem. – balançou os ombros. – E é verdade?
Ele ficou um momento em silêncio, depois estreitou os olhos, olhando para fora do vidro a sua frente.
- A Martha... – começou. – Bem, eu devo minha vida a ela. – Lua ficou ainda mais interessada depois dessa frase do rapaz. – Ela e a minha mãe engravidaram na mesma época, e consequentemente, entraram em trabalho de parto na mesma semana. Tiveram a infeliz coincidência de que seus filhos nasceram magros demais e doentes... – ele respirou fundo, antes de prosseguir. – A filha da Martha morreu na noite mesmo de seu nascimento, dois dias antes de eu vir ao mundo. Quando isso aconteceu e os médicos viram que eu tinha pouca chance de sobreviver se não fosse bem amamentado, as esperanças da minha mãe estavam praticamente acabadas. O organismo dela já estava afetado pelo câncer que a matou, seis anos depois, e ela não conseguia produzir leite o suficiente para me manter vivo. Foi então que a Martha se ofereceu...
- A Martha foi sua ‘ama de leite’?
- Foi. – balançou a cabeça afirmativamente. - Graças a ela eu estou aqui. Apesar de às vezes preferir que ela não tivesse se oferecido, não consigo não me sentir grato.
Finalmente deu ré no carro e manobrou até sair do estacionamento. Durante um bom tempo, os únicos sons audíveis vinham da rua ou do motor.
- Também me sinto grata a ela. – Luinha disse simplesmente. Ele a mirou de soslaio. – Que bom que está aqui.
Arthur deu uma risada em deboche e respondeu:
- Você é muito ingênua, Luinha. – perdeu a expressão sarcástica, sendo tomado novamente pelo tom sério. – Gosto de você assim. Nunca mude.
- Não vou.
- Tenho medo de estar corrompendo sua pureza com esse véu triste que paira sobre mim.
Lua deu um sorriso torto e abriu a boca para retrucar.
- Não está. – ele fez careta ao ouvir isso, como se duvidasse. – Bem, só quando você resolve tocar “Lucy” com os The Lumps. É deprimente.
Thur deu risada.
- Mas o que eu posso fazer?
- Não vá dizer que é o seu estado de espírito... Thur, isso é horrível! Essa música me faz quase chorar apenas por ouvi-la.
O garoto tomou ar pra responder:
- Mas... – ficou um tempo apenas ponderando uma resposta. – É o meu estado de espírito.
- Não. – ela falou decidida. – Você tem que superar isso, sério. Aguiar, você só tem dezoito anos! Tem uma vida inteira pela frente. Não é possível que vá ficar todos os anos se remoendo por causa disso!
A expressão dele voltou a se trancar em uma carranca sombria.
- Não pretendo que sejam muitos, obrigado.
Luinha pensou em retrucar com uma resposta rude, mas achou melhor ficar alguns instantes em silêncio. Ele queria perder a vida, não é? Por que insistia em algo assim? Por que não superava Ivane logo de uma vez? Afinal, ela estava morta. Morta! E Luinha, que estava viva ao seu lado? Não contava?
Os olhos da menina começaram a esquentar ao ter esses pensamentos. Sentia o coração apertar toda vez que pensava não ser motivo o suficiente para que Aguiar quisesse permanecer respirando. Para que ele quisesse continuar vivo ao seu lado.
O garoto estacionou o Audi na frente do colégio, dando uma olhada no prédio principal antes de se dirigir novamente a ela.
- Eu não tenho treino hoje. Então é aqui que nos despedimos...
Antes que ele pudesse falar qualquer outra coisa, observou a menina tirar o cinto e abrir a porta em um movimento brusco, deixando para trás somente algo... Uma lágrima.
Lua bateu a porta e seguiu seu rumo até o ginásio.
Arthur ficou atônito no banco do carona. Ela havia derramado uma lágrima? Estava chorando? No que ela estaria pensando? Será que ficou chateada com o fato dele querer viver pouco? Seja lá o que fosse, ninguém nunca havia chorado por ele por esse motivo...
Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 5:05 da tarde;
Lua tinha acabado de entrar num táxi para se dirigir a casa do goleiro. Lembrou-se de ele já tê-la passado o endereço quando estavam na festa de Bennet. Era em uma rua próxima a Dockland.
Deu as instruções para o motorista, que começou a seguir o trajeto. Enquanto escorava sua cabeça no vidro do banco traseiro, Luinha suspirou, deixando a mente vagar novamente para a conversa que tivera com Thur no Audi. Mas não queria se aborrecer com isso novamente. Não queria mais derramar nenhuma lágrima, ou sentir seu coração se contorcer por esse mesmo motivo. Apenas se ajeitou no assento e tentou pensar em outros momentos do dia, e aí, lembrar-se da hora em que estavam abraçados dentro daquela sala era inevitável. Lua se odiou por sentir o corpo estremecer, apenas pela lembrança do toque do rapaz. Mas o que podia fazer? Ela sabia que era inútil tentar controlar o que sentia. Ela sabia que era inútil tentar desviar esses sentimentos para o loiro. Duan... Bem, agora partir o bom coração dele era iminente. Ou ela fazia isso ou continuaria a se sentir péssima. Péssima por estar o enganando dessa forma. De quem ela queria esconder que nutria fortes sentimentos por alguém, que, definitivamente, não era ele? A cada dia ficava mais explícito em seu rosto a quem ela tinha uma inclinação. Não queria que Duan descobrisse enquanto ainda estivessem juntos. Seria pior...
O taxista parou o carro na frente de um grande edifício branco.
- Segundo o que a senhorita me passou, o endereço é esse aí. – ele disse.
Luinha pagou o motorista sentindo uma ansiedade crescente em seu peito. Começou a repassar em sua mente todas as palavras que usaria para terminar aquele relacionamento com o goleiro sem machucá-lo. Caminhou até a entrada do edifício, pensando também sobre o que poderia dizer sobre química, para que o garoto entendesse.
O porteiro a recebeu com um sorriso, e falou, como se já a esperasse:
- Você deve estar indo ao apartamento do senhor Adams. – Luinha consentiu, passando os olhos pelo saguão branco e caprichosamente decorado. – É na cobertura. Décimo terceiro andar.
- Obrigada. – deu um meio sorriso e se dirigiu ao elevador.
Todos os apartamentos eram largos e tinham grandes vidraças que ficavam azuis a luz do sol. Duan era realmente um garoto afortunado, pelo que Luinha observara. Mas quem da Highgate não era? Era uma das escolas particulares mais caras de toda a Inglaterra. Só estava lá porque conseguira uma bolsa.
Quando o elevador finalmente parou, o loiro já estava escorado na única porta do andar, que levava a uma grande sala. Ele sorria para a menina. Vestia uma blusa branca e uma calça verde xadrez.
- Oi. – Lua disse dando um passo para fora do elevador e sorrindo pra ele. Quando ela mirava o menino nos olhos, ficava ainda mais difícil fazer o que ela faria. Mas era necessário.
- Pensei que não viesse mais. – ele falou galanteador, andando pelo corredor revestido de carpete bege e parando em frente à garota.
- Não seja bobo, Duan. – ela riu baixo. – Esse foi o mais rápido que pude chegar aqui e você sabe.
Ele colocou uma mecha de cabelos de Luinha para trás da orelha, fitando-a com seu olhar tipicamente maravilhado.
- Bem-vinda a minha casa. – o rapaz sorriu levemente, colocando seus lábios delicadamente sobre os dela.
Lua fechou os olhos involuntariamente, mas antes que ele levasse as mãos a sua cintura, ela afastou o próprio rosto.
- Hey, calma. Não vamos esquecer o estudo, tá bem? – disse divertida, explicando sua ação quando ele fez cara de desentendido.
Ele fez sinal para que ela adentrasse a sala, e assim ela fez, apesar de estar um pouco sem graça. Enquanto Duan também entrava e trancava a porta, Lua varreu o ambiente com os olhos, ficando deslumbrada com a decoração cara e ao mesmo tempo leve do apartamento. A sala era imensa, com três sofás marrons e uma televisão enorme de tela plana. Ao fundo, uma mesa de madeira no estilo vitoriano, com seis cadeiras a sua volta. No canto direito da sala, havia uma escada larga, para um segundo andar.
Antes que Luinha tivesse tempo para elogiar o local ou falar qualquer coisa, sentiu os braços de Duan agarrarem a sua cintura de forma firme, levando-a quase carregada para um dos sofás. Ela deu um pequeno grito com a surpresa. Sem que pudesse ter qualquer outra reação, sentiu o garoto vira-la para si e cair deitado por cima dela. Quando ele começou a distribuir beijos em seu pescoço e colo, foi quando a garota enfim tomou fôlego para se manifestar:
- O que você está fazendo? – empurrou o rosto do rapaz, segurando-o até que ficasse na altura do seu, para que olhasse em seus olhos. – Deveríamos estar estudando!
Duan sorriu maliciosamente ao ver a reação da menina, descendo uma das mãos para sua coxa descoberta pela saia do uniforme e dando um beijo molhado em seu pescoço.
- Duan! – ela protestou.
- Mas eu estou estudando, Luinha. – desceu ainda mais sua mão, apertando os locais por onde passava. – Anatomia humana.
- É sério – ela respondeu aflita, segurando a mão do garoto antes que ela descesse ainda mais. -, não estou aqui pra isso. Vim pra te ajudar com química, apenas. – ‘e terminar com você’, mas isso ela não falou.
- Qual é. – ele bufou, mesmo sem recuar. – Não se faça de boba. Todo mundo sabe que a prova da minha turma é só semana que vem.
- Eu não sabia! – ela se alterou, empurrando-o para seu lado direito e se desvencilhando de baixo do menino. – Eu não sabia, Duan. Não fazia ideia dos seus propósitos ao me chamar aqui.
- Não acredito que pensou que eu fosse chamá-la aqui só pra estudar... – fez careta com uma das sobrancelhas mais baixas e os lábios arqueados, como se suas intenções fossem óbvias.
Foi então que Luinha percebeu que aquilo seria mais simples do que ela imaginava. Fez sua melhor expressão de ressentida e respondeu, com ênfase:
- Se você está pronto para esse tipo de relacionamento, sinto muito, mas eu não estou. – falou convicta. – Não quero esse tipo de relação agora, e acho que estou te prejudicando. – tomou ar para falar, assim que o rapaz levantou a cabeça para olhá-la nos olhos, ao se dar conta dos rumos da conversa. - Duan, acho melhor a gente parar por aqui.
- Parar por aqui... O quê, exatamente? – fez uma expressão confusa. E Luinha, apesar de esbaforida, sentiu uma pontada no coração.
- Eu quis dizer: nós. Acho melhor nós dois pararmos por aqui. – esclareceu.
O garoto ficou alguns segundos com a expressão indecifrável, apenas mirando o vazio atrás de Lua, depois pegou fôlego e murmurou apenas um: ‘Ah’.
Outro silêncio se instalou no local, enquanto Luinha abraçava as mãos na frente do corpo, tentando pensar em algo para dizer. Mas não foi necessário. O próprio Duan o fez.
- Entendo. – o rapaz se levantou do sofá, vagando inexpressivamente até a porta da sala. – Pode ir, se quiser... Eu entendo perfeitamente bem.
Ela caminhou até onde o garoto estava, parando a sua frente.
- Você é um bom rapaz, Duan. – sorriu. – Sei que vai encontrar alguém que o mereça.
Ele teria sorrido frouxamente, se antes disso não tivesse sentido os lábios de Luinha contra os seus, em um selinho rápido.
- Esse é o meu prêmio de consolação? – perguntou baixo, olhando-a nos olhos.
- Não é um prêmio. – a menina explicou, passando a mão levemente em seu rosto. – Fiz isso porque gosto muito de você... – alguma esperança estava prestes a surgir no olhar de Duan quando ela completou. - Mas não do jeito que deveria.
- Sei... – disse ele, com sinceridade no tom de voz. – Mas aqui. – colocou a mão no bolso e a estendeu pra ela. – O dinheiro do táxi. É o mínimo que posso fazer por ter tomado seu tempo...
- Eu não posso aceitar isso. E você não tomou meu tempo.
- Aceite, Luinha. – falou baixo. – Por favor. Me sentirei até ofendido se você não aceitar.
Lua olhou a mão dele em dúvida durante alguns segundos, mas depois aceitou a gentileza, não se esquecendo de agradecer. Voltou para casa com o coração na mão, não conseguindo tirar da cabeça nem por um segundo, durante o trajeto, os olhos tristes do goleiro. Mas sabia que, no fim das contas, o havia feito um benefício.
Londres; Dockland; Quinta-feira; 4:37 da tarde;
Thur se sentou na cama de casal bastante inquieto. Tirou o paletó preto da escola e enfiou a mão no bolso interno que ele mesmo mandara fazer. Quando viu o envelope com os dados de Sally Andersen, percebeu que seus dedos tremiam. Só não tremiam mais do que o dia em que recebera o outro envelope das mãos do detetive Daves, contendo as fotos da polícia sobre o assassinato de Ivane. Fechou os olhos tentando não se lembrar do corpo ensanguentado da garota caído ao chão do banheiro, já sem expressão no olhar.
Rapidamente tirou os papéis de dentro daquela pasta, folheando-os até achar o que queria:em nome de quem as consultas eram pagas. Desceu os olhos durante todo o contrato até parar no nome do remetente do dinheiro. Deu uma risada sem humor ao concluir o que já sabia, e bufou:
- Papai...
As suspeitas do detetive Daves estavam corretas, no fim das contas. O jardineiro não era o culpado. E se o jardineiro não era o assassino, o responsável estava à solta...
Capítulo 17 -
Londres; Dockland; Quinta-feira; 4:41 da tarde;
Thur caiu de costas na cama, encarando o teto mesmo que não o enxergasse. Claro que não o enxergava. Sua mente estava longe demais.
Lembrou-se do ano anterior. Lembrou-se de estranhar o fato do jardineiro ser acusado, ainda mais de ele mesmo assumir a culpa. O jardineiro sempre fora gentil com ele e Ivane. Que sentido tinha ele ter matado a garota?
Nenhum. Oh, Deus. Nenhum! E isso nunca esteve tão claro para o rapaz. Ele teria sido preso no lugar do Sr. Andrews se o mesmo não tivesse assumido a culpa. Claro. E também é claro que seu pai não ficaria nada satisfeito em pagar fiança ou ter seu sobrenome sujo. Imagina, o filho do grande dono das empresas Aguiar preso por assassinar a namorada. Se Thur não tinha imaginado isso até o momento, bom, seu pai tinha. Não só tinha imaginado como armou tudo para que essa situação desagradável não viesse realmente a acontecer. Ele sabia muito bem que a filha do jardineiro estava com problemas cardíacos, e que Andrews devia ser um pai muito dedicado. Sabia muito bem disso. Por isso fez um acordo com o homem. Esse assumiria a culpa enquanto senhor Aguiar seria o responsável financeiro por todos os tratamentos da garota, que, por sinal, eram bastante caros, e era improvável que um mero jardineiro pudesse pagá-los. Esse era o ponto em que o detetive Daves queria chegar. E Arthur o avisaria de que ele estava absolutamente correto.
E se ele mesmo não era o assassino de Ivane e o jardineiro também não, então era óbvio que o verdadeiro culpado continuava a solta. Thur sentiu uma cólera doentia se formar em sua garganta e a exteriorizou com um rugido. Um rugido de dor e ódio. Dor e ódio que ninguém mais saberia dizer a intensidade. Qual era a probabilidade de duas pessoas próximas a ele terem sido assassinadas por pessoas diferentes? Qual? O rapaz julgou que mínima, quase nula. Mas quem teria algum motivo para assassinar Ivane e a senhora Paskin? Teria até pensando na possibilidade de ser um aluno revoltado. Mas, caso fosse, ele teria ido primeiro atrás do senhor Johnson, não da Paskin. Não fazia sentido. O que ela e Ivane tinham em comum? Nada. Apenas o fato de que eram as mulheres daquela escola mais chegadas a Thur. Mas quem o odiaria tanto assim para tirá-las dele? Quem?
Seja lá quem fosse, os assassinatos giravam em torno de si mesmo. E seja lá quem fosse, não gostava de quem quer que fosse próximo a Arthur Aguiar. Ou à Ivane. Ou que soubesse alguma coisa sobre o assassinato. Talvez fosse isso. Talvez a pobre senhora Paskin tenha descoberto alguma coisa. Mas o quê? E quem seria a próxima vítima?
Os pensamentos de Thur se voltaram imediata e involuntariamente para um único rosto. O único rosto feminino pelo qual ainda nutria algum tipo de sentimento. Luinha.
Ela estava em perigo.
Londres; Highgate High School; Sexta-feira; 7:30 da manhã;
Ele estava lá desde sete horas. Desde as sete, Thur estava parado no estacionamento da escola, escorado ao seu Audi preto, apenas observando as pessoas que passavam, e, se seu esforço fosse compensado com um pouco de sorte, ver Lua chegar ao colégio. Ele precisava vê-la, vigiá-la, protegê-la. Era mais do que uma simples culpa pela morte de duas mulheres, muito mais. Era um instinto protetor o qual ele tinha se afogado, e esse instinto girava em torno dela. Era a única pessoa a qual Arthur não queria ver ferida. E por isso ficaria na escola, atento, com olhos de lince analisando a todos que pudessem ter, por uma fração de segundo, a intenção de feri-la. Não permitiria que alguém fizesse mal a Luinha. Porque, se isso acontecesse, sabia que não teria mais razões para lutar.
Quando o Civic prateado de Rod estacionou em sua vaga habitual, Thur endireitou suas costas no carro pouco antes de seguir o mais tranquilamente possível para perto de ondeLuinha estaria. A garota saiu do carro lhe lançando um olhar frágil, que foi rapidamente desviado pelo seu primo, que lhe dirigia a palavra. Arthur viu Rod e Luinha seguirem juntos para a entrada da Highgate, e não demorou, nem se incomodou, de seguir atrás dos dois como uma sombra, olhando sorrateiramente para Lua e todos que a encaravam.
- Só eu que não estou gostando desse cara andando atrás da gente? – Rodrigo sussurrou para a prima.
Lua olhou por cima dos ombros, deixando que seu olhar se encontrasse com o de Thur. Depois voltou sua cabeça para frente e olhou o primo de soslaio, rindo baixo ao ver a expressão carrancuda do menino.
- Não é como se ele estivesse nos perseguindo, Rod. Ele está andando. E atrás da gente... Mas não necessariamente ‘andando atrás da gente’.
- De qualquer forma, eu não gosto. Me processe. – murmurou, de modo a fazer a prima gargalhar.
Continuaram andando pelos corredores do colégio com o rapaz em seu encalço, quando, finalmente, tiveram que se separar ao passar em frente à sala de Rod.
Quando Luinha imitou o gesto do primo ao parar de andar para se despedir, Thur deteve seus passos imediatamente, fazendo com que Rodrigo erguesse uma sobrancelha, em desconfiança.
- Isso está ficando mais estranho do que já estava. – sussurrou à prima, para que Arthur, mesmo a alguns passos a distância, não pudesse ouvir.
- Rod, está tudo bem. Deixa de ser paranóico. – ela respondeu sem a mesma discrição.
- Te vejo na hora do almoço, baixinha. – disse antes de beijar o topo de sua testa e analisarThur dos pés a cabeça, para depois entrar na sala.
Esse, por sua vez, mantinha o olhar fixo nos Marques, sem medo de esconder sua intenção.
Lua ficou parada alguns segundos, apenas olhando pra Thur e se perguntando o que o levava a segui-la. Mas não podia dizer ao certo que ele estava a seguindo, apesar de todas as evidências indicarem que sim. Tinha medo de fazer papel de tola ao pergunta-lhe a razão, então resolveu permanecer calada e seguir seu caminho até a turma B. Como imaginava, foi seguida pelo rapaz durante todo momento, até que entrasse na sala. Até então, nada a havia surpreendido. Nada a havia surpreendido até que ele pegasse o material escolar e colocasse do seu lado.
‘Okay, tem algo errado’, ela pensou ao se ajeitar na cadeira e olhar a figura inflexível do garoto, que passava os olhos em todos como se procurasse minuciosamente alguma coisa.
Mas antes que tivesse a oportunidade de deixar uma indagação sair por sua boca, a senhora Mabel, a nova professora de literatura, entrou pela porta pedindo silêncio. Luinha se calou imediatamente, perguntando-se se o verdadeiro motivo para isso foi respeito à professora ou receio de dirigir alguma palavra a Thur.
Quase se esquecera de que estava chateada com ele. Quase. No dia anterior ele tinha provado a ela com palavras que ela não era motivo suficiente para que ele quisesse continuar vivo. Ele provou que não a amava o bastante. Amar? ‘Certo,’ Lua entrou em um consenso consigo mesma ‘eu estou ficando louca’.
Pensou em opções que a dessem alguma pista de que aquele garoto nutria amor por ela. Nada de demonstrações de afeto, nada de carinhos e nem palavras agradáveis. Nada. Por que, diabos, algo assim passaria por sua cabeça? E quem falou em amor? Amor, amor, amor.
‘Que vá para o inferno esse tal de amor’, pensou.
Mas foi no meio da aula da senhora Mabel, enquanto tentava ignorar os olhares curiosos deMel do outro lado da sala, que Luinha concluiu que aquilo estava estranho demais até mesmo para os padrões de Thur. Resolveu relevar o fato de que tinha mágoas com relação a ele para lhe dirigir a palavra de forma incisiva.
- Por que se sentou ao meu lado?
Ele apenas desviou o olhar da senhora rechonchuda para lhe dirigir uma resposta, e a fez da forma mais cordata possível:
- Não posso?
Virou-se novamente para frente, enquanto Lua sentia uma irritação repentina começar em seu peito.
- Poder, pode. – retrucou. – Mas acontece que você não senta. Quer dizer, você nunca senta do meu lado. Você senta nos fundos. Ao lado do Barry. E sei que faz isso porque ele é o único na sala que não pronuncia uma sílaba. Thur riu baixo, mesmo que ainda olhando para frente, e coçou levemente a cabeça.
- Variar faz bem.
Depois que o garoto disse isso, Luinha se sentiu intimidada em continuar uma conversa. Sabia que naquele momento não conseguiria extrair dele a resposta que queria, por mais que tentasse. Mas, talvez, ele pudesse estar dizendo a verdade. Talvez apenas quisesse sentar ao seu lado.
Claro que não. Nada com Arthur Aguiar era tão simples assim. Nada. E os meses que ela passou na Highgate serviram para que ela visse isso. Provavelmente ele pararia de persegui-la. Provavelmente era apenas a sua forma de perturbá-la... E estava conseguindo. Oh sim, se ele queria perturbá-la estava tendo êxito.
Mas Luinha resolveu deixar esses pensamentos pra lá durante todas as aulas antes do intervalo. Resolveu pensar em coisas mais leves como o primo e os amigos, ou talvez coisas nem tão leves assim quando sua mente vagava pelo assassinato da senhora Paskin ou pela gravidez de Sophia. Ao chegar a hora do recreio, no entanto, teve suas expectativas desapontadas. Viu Thur ir além do corredor onde ele sempre parecera preso no intervalo. Ele a seguiu e a conduziu com os olhos até o refeitório. Isso fez Rod ficar desconsertado na fila da cantina, extremamente desconsertado, e mica fez questão de observar isso:
- Dude, há marimbondos na sua calça ou coisa assim?
Rodrigo não censurou o amigo, como normalmente teria feito. Olhou seriamente nos olhos de mica, depois virou seu olhar para o garoto que observava Luinha se sentar a mesa em que costumavam ficar e o apontou com as sobrancelhas. Micael acompanhou o gesto do amigo, mas contrariamente a ele, abriu um sorriso de uma orelha à outra e começou a acenar de maneira esbaforida e com movimentos amplos, chamando a atenção de todos ao seu redor.
- Hey, Aguiar, aqui!
Gritou, abanando os dois braços e por fim chamando a atenção de Thur, que lhe lançou um sorriso desanimado e seguiu em sua direção. Ao momento em que o menino deu um passo para dentro do piso branco do refeitório, todos os olhares que não estavam voltados naquela cena de repente foram atiçados a participar. Inclusive o de Luinha.
Arthur Aguiar entrando no refeitório depois de mais de um ano? Ah, sim, essa era novidade. E com certeza teria uma nota sobre isso no jornal do colégio.
Ele caminhou até a fila do lanche, onde mica o olhava entusiasmado. Arregaçou a manga esquerda da camisa social, ainda infundindo os olhos nos de Luinha, com uma rápida olhada para o lado.
Rod assistia a aquela imagem com desgosto. Sentia até a pele coçar de antipatia toda vez que Thur dava um passo para perto deles. Sua irritação chegou ao ponto de grunhir algo para mica, por entre os dentes.
- Você está do meu lado ou do dele?
Micael olhou o amigo durante um momento, depois desviou seu olhar para Arthur, que já estava quase a sua frente.
- Do meu. – balançou despreocupadamente os ombros, indo em direção a ele. – E aí, mate?! Há quanto tempo não o vejo por aqui.
Thur sorriu sem graça.
- É. Já faz algum tempo...
- E a propósito, sua volta é motivo de comemoração. – mica bateu levemente em seu ombro. – Faço questão de que se sente à nossa mesa.
Arthur olhou em volta enquanto pensava sobre a proposta. Ignorou todos os olhares voltados em sua direção, apenas deixando que sua mente trabalhasse.
Borges era amigo de Marques. E Marques se sentava com a prima na hora do almoço. Logo,mica também.
‘Que oportuno’, pensou antes de sorrir sombriamente.
- Será uma honra. – respondeu.
mica alargou seu sorriso, segurando Thur pelo braço.
- Vem, vamos pegar uma bandeja pra você.
Seria eufemismo dizer que todos da escola ficaram apenas atônitos. Muitos deles perderam até a vontade de comer, depois disso. Rod, por outro lado, não parecia nada pasmo, e sim absurdamente furioso. Seu queixo estava projetado para frente, seus lábios formavam um grande bico e seu cenho estava tão franzido a ponto de unir suas sobrancelhas.
Como mica se atrevia a convidar aquele cara para sentar com eles? ‘Oh, é demais pra minha cabeça’, Rod pensou. Mas sabia que Luinha não gostaria de sair da mesa. Sabia que a prima insistiria e permaneceria lá com aquela aberração, e o melhor que poderia fazer era se manter ao seu lado, impedindo que ela fosse ferida ou se envolvesse demais.
Viu a cozinheira colocar o purê de batatas em seu prato agora já completamente inexpressivo, apesar de que por dentro, Rodrigo estava se moendo. Caminhou até a mesa onde Luinha matinha os olhos bem abertos, olhando curiosamente a fila da cantina, e se sentou ao seu lado esquerdo, apoiando o rosto na mão e a olhando.
- Nem pense em fazer algum comentário sobre isso.
- Sobre isso o quê? – ela perguntou alienada, quebrando um pedaço de biscoito com os dentes e mastigando-o. – Suas narinas estão infladas. Ops, mau sinal. – sorriu.
- mica chamou aquela... besta... pra vir almoçar com a gente.
- Aquela besta? – Luinha arqueou uma sobrancelha, dando outra mordida no biscoito. – Bem, pra você estar assim a tal besta só pode ser o... Espera. O
mica chamou o Aguiar pra almoçar com a gente?
- Sim. – Rodrigo grunhiu. – E ele aceitou.
- Sério?
Realmente, algo estava assustadoramente errado ali. Arthur não a perseguia para dentro da escola, não a acompanhava até a sala de aula, não se sentava ao seu lado e nem frequentava o refeitório. Já não o bastasse ter feito isso tudo, ele resolveu fazer de uma vez só. Mas o que, diabos, poderia estar acontecendo?
Lua deixou a mente vagar até o dia anterior. Lembrou-se do envelope que o tinha ajudado a tirar da pequena sala do hospital. Será que tinha a ver com isso? O que aquele envelope poderia ter de tão importante que o tenha feito segui-la como se fosse um cachorrinho? Um cachorrinho? Não. Não parecia indefeso como um cachorrinho. E sim incisivo como um caçador.
- ‘Ta, só preciso que você fale alguma coisa. – Rod remexeu os cabelos, depois voltou a olhá-la. – No que está pensando?
Lua olhou-o.
- Que será bom pra nós. E quando eu digo “nós”, eu incluo ele e você.
O garoto voltou a ficar carrancudo.
- “Você e ele”, Luinha. Nessa ordem.
- Não importa em qual ordem seja. Dá na mesma. Vocês dois. Será bom pra ele perder esse medo de pessoas e pra você perder esse seu preconceito estúpido. – ela elevou o timbre de voz, uma vez que já estava irritada o bastante para falar besteiras.
O que Lua não esperava era que, se estava bastante irritada, o primo estava provavelmente três vezes mais, e Rodrigo não pensou muito ao murmurar:
- Vá se fuder.
E isso foi o bastante para que a irritação que ela sentia saísse por entre seus dentes em forma de rosnado, deixando escapar a frase:
- Só se o Aguiar for comigo.
Ela sabia que isso seria a gota d’água para Rod. E estava certa. Ele se levantou sem pensar duas vezes e se dirigiu para outra mesa. Como o menino sabia que não seria bem recebido na mesa das líderes de torcida e dos playboys, escolheu a dos nerds. Menos fúteis e mais receptivos.
- Wow. O que aconteceu por aqui? – mica perguntou, alternando o olhar da Luinha aborrecida, que encarava a mesa, para Rod, não menos carrancudo e conversando com um garoto com um chapéu azul de mago na cabeça.
- Ele pirou. – Lua respondeu, finalmente levantando os olhos e dando de cara com Thur atrás de mica, fitando-a interessado. – E você também.
- Eu...
Antes que Micael completasse a frase, Arthur tomou o lado direito de Luinha no banco, aproximando-se repentinamente dela até encostar o ombro no seu e encará-la nos olhos.
- Por que ele teria pirado? – provocou. – Não me quer aqui?
Lua deixou que seus olhos ficassem entreabertos como fendas, apenas olhando o rapaz.
- A verdade é que não. Não quero. – disse ela. – Não até você me contar o que, diabos, está fazendo.
Thur abriu o pão que estava em seu prato tranquilamente, passando manteiga. E sem ao menos olhá-la, respondeu:
- Sentando ao seu lado. O que parece que eu estou fazendo?
Lua sentiu a irritação voltar como se fosse um choque.
- Parece que você está...
- Hey. – mica interrompeu, antes que ela continuasse sua resposta rude. – Eu estou completamente por fora do assunto de vocês. Podemos falar sobre algo que eu saiba?
- Como o que, mica? – Chay sorriu, chegando à mesa com a namorada. – Os lances do último jogo dos Eagles?
- Na verdade, não sei nada sobre isso. – Micael deu de ombros.
‘Ah, sim, claro!’ Lua teve um flashback espontâneo, lembrando-se que o menino tivera que ficar com Sophia na enfermaria, durante o jogo. Ela havia desmaiado e ele era seu acompanhante. É mais do que lógico que a enfermeira desse notícias dela a ele. Notícias dela e do bebê.
Isso explicava o fato dos dois estarem mais introvertidos durante esses dois dias. Não que fosse tempo o bastante para notar alterações em uma pessoa normal, mas os dois estavam realmente muito magoados, e isso qualquer um que os observasse era capaz de ver de longe.
- Como assim não sabe nada? – Melzinha também se sentou. – Onde esteve?
Lua estava prestando bastante atenção em mica no momento para perceber que ele vacilou. Sim, ela notara que ele tinha vacilado, e seria possível que contaria a razão?
- Sabe como é... – Micael espreguiçou, tentando passar impressão de que estava relaxado. – Uma bebida aqui e outra ali no Mark’s e minha consciência já era.
Arthur olhou de mica para Luinha com um ar curioso. E era um ar interessado de quem não tinha absorvido aquela desculpa do garoto, e sabia que Lua tinha conhecimento do motivo.
- Já bebendo quarta-feira à noite? – Chay arqueou as sobrancelhas. – Dude, você é um porco.
- É a vida. – mica deu uma golada em seu suco, olhando interrogativo para Lua, como se ele se perguntasse o quanto daquilo tudo ela sabia.
E ela sabia muita coisa. Mas não diria nada a ele.
- Mas, sabe? – Mel falou descontraída. – Você deu sorte, mica. Não há ninguém que possa lhe contar melhor sobre os lances do jogo do que o Thur. – olhou-o.
Arthur educadamente retribuiu o olhar de Mel e virou-o para mica.
- Tudo bem, o que quer saber? – sorriu.
Luinha pôde jurar que viu os olhos de Borges brilharem.
Claro que todos que estavam ali estranhavam o fato de Arthur estar sentado com eles. Era mais do que óbvio que a volta ao refeitório de um rapaz que não entrava lá havia mais de um ano causaria estardalhaço. Mas Chay não queria perguntar o porque, em respeito e por achar que aquilo poderia causar alguma dor a Thur. Mel não perguntaria, porque, por mais que no fundo não acreditasse que ele era um assassino, Aguiar ainda era um suspeito. Emica, bom, mica estava achando ótimo o garoto estar ali e realmente não estava interessado no motivo.
Todos tiveram uma conversa bastante agradável durante o almoço. Micael tinha muitas dúvidas sobre o jogo e as estratégias da Highgate, as quais Thur fez questão de fazer desaparecer. Chay contou um pouco sobre seu trabalho na empresa do pai, e Mel comentou sobre a nova professora.
Todos deram palpite em todos os assuntos. De menos Lua, que dava o melhor de si para permanecer calada, apenas observando. Não se sentia à vontade para conversar naquele momento. Queria apenas pensar. Pensar no que Sophia poderia ter dito a mica, como o amigo se sentia e no motivo pelo qual Thur não largava do seu pé. Bem, ele estava dirigindo a palavra a ela na maior parte do tempo, mesmo que ela não quisesse responder. Queria que ela participasse da conversa, mas, por outro lado, sentia que ela não estava confortável. De outra mesa, o loiro observava tudo com a chateação à flor da pele. Apesar de desejar a felicidade de seu amigo, era difícil ignorar seus sentimentos por Lua. Ele gostava da menina, mas teria que parar com isso se quisesse continuar bem com Thur. E ele queria. Com todo seu coração, ele queria estar bem com o melhor amigo.
Londres; Highgate High School; Sexta-feira; 4:34 da tarde;
Luinha acelerou os passos ao passar pelo campo de futebol depois de sair do ginásio para ir ao bebedouro. Não queria ser vista por dois jogadores em particular. Um porque ela sabia que tinha ferido seus sentimentos, e o outro porque desde o início das aulas a estava seguindo como uma sombra.
Passou praticamente correndo e sem olhar para o lado, como se isso adiantasse para que ela não fosse vista. Virou à esquerda no final do edifício e se deparou com o local onde ficava o bebedouro vazio.
Lua suspirou e se dirigiu até lá, apertando o botão da máquina e levando sua boca até a água. Enquanto se refrescava, ela fechou os olhos. Ninguém fora preso pelo assassinato da senhora Paskin. O colégio não conseguiu chegar ao culpado. As câmeras de segurança tinham sido sabotadas, e nenhum aluno parecia capaz de tal barbaridade. A polícia também não conseguiu ligar os fatos.
Por que um aluno faria isso? O que ele ganharia atirando na professora? Seja como fosse, esse assassinato só serviu para relembrar a todos de um outro acontecido há cerca de um ano. Teriam eles alguma ligação?
O barulho de passos sobre o concreto ao seu lado fez com que Luinha abrisse os olhos. Separou a boca do bebedouro e ergueu a cabeça, percorrendo com os olhos espantados toda a extensão do rosto de Thur.
Ele estava ali parado, observando-a, como se não tivesse nenhuma outra pretensão a não ser olhá-la.
A menina se lembrou da raiva do primo no carro enquanto a levava para casa e nas mil recomendações que ele dera a ela antes de deixá-la na porta da Highgate para a educação física.
Rod estava colérico com toda essa situação. Ele mal aguentava que o nome de Thur fosse mencionado, quanto mais o fato de ele parecer sempre estar no encalço de sua prima.
Lua analisou a postura de Arthur, não completamente relaxada, como se ele estivesse pronto para cair na briga com alguém a qualquer momento.
- Tudo bem, Aguiar. Cartas na mesa. – ela colocou as duas mãos na cintura, deixando os cotovelos altos. – Por que está me seguindo? Você não é assim. Você não faz isso. Eu sei que tem algo errado, e parece ser comigo. Mas se de fato é, você tem que me contar. O Rod está pirando, eu estou encucada e você continua aí com a mesma cara de pateta. O que você quer de mim?
Thur apenas sorriu, aproximando-se da garota.
- Já te disseram que você fala demais?
Ela juntou as sobrancelhas.
- Já, mas isso não vem ao caso. O caso é que ser perseguida é um saco, e eu exijo que você me conte o que está acontecendo ou Deus sabe do que eu sou capaz.
Arthur cruzou os braços e apoiou o corpo de lado na parede, olhando-a como se estivesse se divertido com aquela situação toda.
- Eu adoraria saber.
Luinha fez o mesmo, mas, por sua vez, bruscamente, de irritação.
- Vai à merda. Se você queria me tirar do sério está conseguindo... – ela o encarou dos pés a cabeça, pensando em algo que pudesse atingi-lo. – Você tem três segundos pra me contar antes que eu comece a gritar.
- E por que você faria isso? – ele desafiou, ainda sorrindo.
- Bem, eu não tenho motivos reais... Mas ninguém sabe. – ela deu de ombros e ele enfim entendeu. Antes que ele pudesse indagar do que ela o acusaria, Luinha sorriu maliciosamente e disse: - Tempo esgotado.
A menina mal tinha puxado o ar quando ele rapidamente se postou atrás dela e tampou sua boca com a mão.
- Tá, eu te explico. Só prometa ficar quietinha, okay? – ela sorriu e concordou com a cabeça.
Assim que ele afastou a mão de seu rosto, Luinha se virou para olhá-lo.
- E então?
- Ano passado... Bem, um homem foi preso pelo... – ele não completou, com medo de suas palavras.
Lua percebeu seu desconforto e ela mesma continuou:
- Assassinato da Ivane. Sim, sei.
- É... Ele era o jardineiro do meu pai. Robert Andrews. – fez uma pequena pausa. Luinha reconheceu o sobrenome. Ele percebeu. – Sim, ele é pai da Sally. Foi preso por assumir a culpa.
A menina se espantou. Por essa ela não esperava.
- Espera... Ele assumiu a culpa? – juntou as sobrancelhas. – Então esse mistério não estaria resolvido?
- Estaria. Se ele fosse realmente o culpado.
- Por que ele não seria?
Arthur a olhou nos olhos, repensando por alguns segundos no que estava prestes a lhe contar. Mas não tinha outro jeito. Precisava confiar na garota, assim como precisava que ela confiasse nele, e a única forma de isso acontecer era lhe contando a verdade.
- Meu pai... é um homem muito esperto. – pausou novamente. – Eu seria preso se Andrews não tivesse assumido.
Lua apertou os braços que estavam cruzados, incrédula.
- Por quê?
- Porque eu estava na cena do crime. Eu estava coberto de sangue e as digitais na arma eram minhas... – ao ouvir isso, a menina levantou as sobrancelhas. – Tudo estava contra mim. Mas não tive culpa de ter perdido a cabeça quando vi a cena, segurado a arma e abraçado Ivane enquanto... – Thur fechou os olhos por um momento, para impedir que as lágrimas rolassem, com a lembrança.
- Ela morria? – Lua arriscou, segurando o ombro do rapaz.
- De qualquer forma, - ele continuou, engolindo o choro e voltando a encará-la. – meu pai fez um acordo com Robert, pra que ele assumisse a culpa. A empresa Aguiar é quem paga as despesas das consultas e dos tratamentos da Sally, a filha mais nova do jardineiro, que nasceu com graves problemas cardíacos. Robert Andrews não é o assassino.
Lua relaxou os músculos, desentrelaçando os braços e olhando assombrada para ele.
- E o verdadeiro está à solta. – ela disse, escorando as costas na parede. Arthur balançou a cabeça, assentindo, depois encostou-se ao seu lado.
- Tenho uma forte convicção de que o assassino de Ivane e da senhora Paskin sejam a mesma pessoa.
- Mas que ligação há entre elas? Quero dizer... O que uma tem a ver com a outra? – Luinha estava completamente confusa. - Eu não consigo...
- Eu. – disse ele.
- Como?
- A ligação entre as duas. – Thur olhou-a fixamente. – Sou eu. As duas eram as mulheres mais próximas a mim, e agora estão mortas.
Lua encarou os olhos de Arthur por um largo momento, sem pronunciar uma sílaba, apenas sentindo as oscilações de seu próprio coração.
- E quem você acha que pode ter sido? – perguntou inocentemente.
- Não faço ideia. Mas com certeza é alguém que tem prazer em me pôr pra baixo. Alguém que se felicita com o meu sofrimento... E me odeia.
- Ou odeia o que você ama. – ela sugeriu.
Ele desencostou-se da parede de concreto, ficando de frente para Luinha e segurando seus ombros com as duas mãos.
- Quando seu primo disse que você deveria se afastar de mim, ele estava falando sério. – aproximou um pouco seus rostos e prendeu o olhar da garota no seu. – Você deveria ter ficado o mais longe de mim o possível.
- E agora não devo mais? – Lua abaixou o tom de voz.
- Não. – ele respondeu. – Agora eu não quero ficar longe de você.
Por mais que não fosse a hora adequada, Luinha sorriu. Um sorriso sincero e que deixava claro o que o seu coração transbordava: felicidade e ternura. A garota esticou as mãos até o peito de Thur, trilhando um caminho carinhoso até sua nuca. Ele apenas a observou, com a bochecha mais corada.
- Tenho certeza de que o Duan quebraria minha cara por isso. – ele riu baixo, descendo as mãos do ombro da menina para sua cintura e colando a testa na dela.
- Acredito que não. – Luinha respondeu. Ao ver a expressão desentendida de Thur, continuou: - Terminamos ontem...
Ele sorriu.
- Então ele não vai me matar. – olhou a boca da menina, forçando-a também a olhar a sua.
- Pelo quê? – ela arriscou.
E assim que Thur encostou a lateral de seu nariz no dela, sentindo o lábio superior deLuinha roçar no seu, ouviram umas risadas próximas e se afastaram imediatamente.
Arthur tomou Luinha pela mão e seguiu com ela até o outro lado do ginásio.
Lua se sentia estúpida por estar magoada com ele no dia anterior e quase implorar por um beijo seu naquele momento.
Quem era ela e o que tinha feito com a velha Luinha?
- O ponto que eu queria chegar era que... – ele limpou a garganta, prendendo-a contra a parede novamente. – Seguindo esse raciocínio, você está em perigo. E eu não vou permitir que alguém encoste um dedo em você.
- E essa é a razão da perseguição?
- Sim. – ele concordou. – Eu posso protegê-la, mas você precisa me ajudar.
- Como?
- Tem que ficar perto de mim pra que eu possa impedir que alguma coisa aconteça. E precisa me contar se você percebeu algo estranho, ou alguém estranho perto de você.
- Eu...
Luinha comprimiu os lábios em uma linha fina, pensando no tempo em que esteve na Inglaterra e nas pessoas e situações que pudessem tê-la intimidado. Deixou as lembranças abertas, passando por todos os seus momentos na Highgate e citando lentamente paraThur os nomes das pessoas que ela considerava... Suspeitas.
- Scott... Bennet... – disse ela.
A feição de Arthur ficou furiosa.
- Se aqueles canalhas tiverem encostado um dedo em...
Lua colocou o indicador nos lábios dele, impedindo-o de continuar a fala.
- Eles não encostaram. – tranquilizou-o. – Apenas me olham de uma forma estranha, só isso. – ela ficou um momento em silêncio, olhando-o e formulando o que ia falar. Tinha outras suspeitas, claro. Mas não se decidia se as suspeitas eram reais ou apenas para irritar Thur, por ciúmes. De qualquer maneira, precisava falá-las. Não é isso o que ele tinha pedido? Confiança? – Kimberly... Brittany... Elas nunca me fizeram nada, mas... – interrompeu-se, pensando em outro assunto. – Espera. Se o assassino vai atrás das pessoas mais próximas a você, não significa que ele iria atrás da Brittany primeiro? Ou do Duan?
- A Brittany é ninguém pra mim. Qualquer um que me conheça sabe disso. – ele respondeu. – E quanto ao Duan... Bem, até agora só as mulheres foram feridas. Duvido que isso mude. Além do mais, creio que ele sabe se cuidar...
- Espero que sim. – ela respondeu com sincera preocupação.
- O que mais?
Ela forçou a mente, procurando por qualquer coisa incomum pela qual tivesse passado. ‘Pensa, Luinha. Tem alguma coisa...’ ela dizia a si mesma.
- Eu... Não consigo me lembrar de mais nada no momento. Mas qualquer coisa pode deixar que...
- Anota meu número. – ele tirou o celular do bolso. – E me passa o seu. Qualquer coisa me ligue, a qualquer hora, esteja onde estiver.
Ela consentiu.
Londres; Oxford Street; Sexta-feira; 7:30 da noite;
Mas foi naquela noite, sentada na cama digitando um e-mail para a mãe, que Luinha se lembrou de outra coisa estranha pela qual estava passando. Frequentemente, quando estava em seu quarto, sentia como se estivesse sendo observada. Em algum lugar próximo a sua janela, sentia que alguém estava analisando seus passos.
Podia ser estúpido, mas era algo que a incomodava, e no dia seguinte mesmo seria encarregada de dizer isso a Thur.
Lua escutou duas batidas na porta do quarto e ergueu os olhos do laptop, observando Rod escorado no batente, como ele tipicamente fazia.
- Eu... – começou a dizer embaraçado. – Luinha, olha... Me desculpe pelo que aconteceu no refeitório. Você sabe que aquela não foi minha intenção. Eu estava nervoso e o mica tinha conseguido piorar tudo, então... Mil desculpas.
Ela balançou levemente a cabeça de um lado para o outro e sorriu.
- Tudo bem, molengo. Eu sei que você não teve a intenção. Todos estavam muito estressados lá, e nem eu devia ter dito o que eu disse. Deus, imagina se alguém tivesse me escutado! – tampou a boca com as mãos, corada. – Com que cara eu ficaria? Eu só disse aquilo pra te irritar...
Ele adentrou o quarto e se sentou na cama, suspirando pesadamente.
- Mas sei que teve um pouco de verdade nisso, baixinha. – o semblante da garota ficou interrogativo. – Sei que nutre sentimentos por ele. Eu sei disso. Mas eu não me conformo. Não consigo estar bem com uma coisa dessas...
- Rod, eu sei que você quer cuidar de mim, mas quero que saiba que ele também. – ela segurou as mãos do primo, olhando-o e sendo cautelosa com as palavras. – Ele não é um assassino.
- Você não sabe como todas as evidências estão contra ele... – Rodrigo retrucou.
- Acredite, eu sei. Sei que ele estava no local do crime, sei que suas digitais estavam na arma e ele estava coberto de sangue. Mas Rod, ele não teria assassinado a própria namorada se fosse pra sofrer por isso a vida toda.
- Ele pode ter se arrependido. O que não faz dele menos perigoso...
- Ele investiga a morte dela! – Lua gritou. – O Thur não é idiota de gastar seu tempo e dinheiro para descobrir algo que ele mesmo causou.
- O Aguiar pode estar fazendo isso pra te enganar.
- E o mica pode ser um duende. – ela rebateu. – Tudo é possível, Rod, mas sei que ele não é imbecil.
O menino se calou momentaneamente.
- Você confia realmente nele, não é?
- Sim. – ela respondeu decidida.
Rod olhou-a nos olhos durante vários segundos, depois levou sua mão para acariciar o rosto da garota.
- Se cuida, tá? – ele murmurou.
- Eu sempre me cuido.
E assim que ele saiu do quarto e fechou a porta, ela se deitou no travesseiro e observou o teto do quarto, apenas pensando nos acontecimentos dos últimos meses. Permaneceu assim minutos, até que ouviu o celular vibrando no criado-mudo de madeira. Estendeu o braço um tanto entediada, mas sua expressão de tédio foi logo substituída por uma de surpresa, ao ler o nome de quem a chamava na tela.
- Alô? – sua voz saiu falha.
- Luinha? – Thur perguntou do outro lado da linha. – Como você está?
- Eu estou bem, Aguiar. – ela riu baixo, rolou até ficar de bruços no colchão e abraçar o travesseiro. – Não é como se eu estivesse com alguma enfermidade séria ou coisa assim.
- Tem razão, é pior. – ele concordou. – Pode tirar sua vida em menos de um segundo e sem aviso.
- Otimismo, bom dia. – ela rolou os olhos e o rapaz gargalhou. Ficaram alguns segundos em silêncio, até que ela voltou a falar: - Algum motivo especial para ter me ligado?
- Na verdade, sim.
Ela esperou por mais alguns segundos que ele completasse a sua fala. Como isso não aconteceu, ela se viu obrigada a perguntar:
- E qual é?
- Só... Mantenha-se falando. – Thur suspirou. – Se eu continuar ouvindo a sua voz, saberei que está viva.
- Eu estou viva. – fez uma pausa menos demorada do que as demais. – Sobre o que quer ouvir?
- Tudo. Só fale.
- Senão o quê? – ela perguntou divertida.
- Senão eu não conseguirei dormir, pensando que algo possa estar te acontecendo.
- Tudo bem. Não quero que você esteja com olheiras amanhã. – deu de ombros. – Hm, por onde eu devo começar?
- No que está pensando?
- Que isso será mais estranho do que já está sendo... Sabe, quando as pessoas me dão muita liberdade pra falar eu falo demais.
- Até quando elas não dão...
- Cala a boca, Thur. – Luinha riu, seguida por ele.
Ficaram no telefone durante um bom tempo, até que finalmente, a garota precisou desligar para tomar banho. Mas antes de desligar, Luinha teve o bom senso de se lembrar de lhe dizer sobre a sensação que tinha, de estar sendo observada. A princípio Thur ficou taciturno, mas depois, em cada palavra que pronunciava, era possível perceber certa raiva e preocupação. Ficou decidido então, depois de ele muito insistir, que passaria a noite de sábado, a próxima, com o carro estacionado na frente da casa dos Marques, para garantir que nada pudesse lhe acontecer.
Lua achava toda a situação uma besteira, mas Thur não parecia disposto a querer brincar com sua segurança, e repetiu duas vezes, durante o tempo em que falavam, que seria melhor prevenir do que remediar. Se tivesse como remediar.
Enquanto discutiam isso, também ficou decidido que Rod e o tio seriam avisados e a aprovação deles seria necessária. Lua ficou relutante ao ouvir essas palavras de Arthur, pois sabia que nenhum dos dois com quem morava facilitaria a boa vontade do menino.
- Preciso da permissão deles. – ele falou.
- Deixa de ser teimoso, já disse que não vai ser fácil convencer os dois. Se você realmente estiver disposto a vir, o que eu também não acho uma boa ideia, é melhor que seja sem o conhecimento deles.
- Com certeza irão estranhar o Audi preto na porta da casa a noite inteira. Não os culparia se chamassem a polícia...
- Você não vai ficar aqui a noite inteira. – ela confrontou. – Apenas algum tempo. Se não acontecer nada, você vai embora.
- Eu insisto.
- Você sempre insiste. – ela rolou os olhos. – Que seja, Aguiar. Eu falo. Mas se eles não concordarem, o que tem mais de noventa por cento de chance de acontecer, lembre-se de que foi avisado.
- Prefiro correr esse risco.
- Tenho que ir, Thur... – ela olhou a hora no relógio, vendo que já tinha se passado aproximadamente uma hora desde o início da conversa.
- Qualquer coisa, já sabe a quem ligar. – ele se calou por um tempo. – Mas se eu não estiver por perto, recorra ao Rodrigo. Sei que ele só quer o seu bem e faria tudo para protegê-la.
Ela encarou o chão do quarto enquanto se sentava na cama, pensando sobre o que ele acabara de falar.
- Posso te fazer uma pergunta? – ela disse. – Quer dizer, outra...
- À vontade.
- Por que está fazendo isso? – sua pergunta foi coerente com o que sentia. – Digo, o que você ganha me protegendo? Por que faz tanta questão?
E isso bastou para que ele se calasse. Arthur ficou em silêncio, fazendo com que Luinha procurasse por qualquer sinal de que ele não havia desligado, do outro lado da linha.
- Por que... – ele enfim se pronunciou. – Por que fora você, eu não tenho mais nada a perder.
- Ah. – foi tudo o que ela conseguiu responder.
- Bons sonhos, minha Luinha. – ele sussurrou, antes de desligar o telefone.
- Bons sonhos, Thur. – Lua falou alienada, colocando o celular de volta no criado-mudo.
Seguiu até o banheiro do corredor, e lá ficou durante quase uma hora, embaixo da ducha quente. Esperava que a água daquele banho pudesse levar consigo todos os seus problemas. Queria que a água do banho pudesse lavar a sua alma, e torná-la imune a todos os males. Mas ela sabia que isso não seria possível.
Londres; Oxford Street; Sábado; 6:12 da noite;
- O quê?! – Rod gritou. – Como assim esse cara vai passar a noite toda aí fora? Luinha, você não percebe que só está atraindo mais perigo pra perto de você?
- Eu não estou atraindo nada. Se há alguma coisa que eu queira com isso é a minha proteção, ao contrário de você. Por que não pode concordar com algo tão simples?
Rod levou as mãos ao cabelo, chacoalhando-o enquanto se levantava de um dos sofás azuis e começava a seguir pela sala de um lado para o outro. O tio, que estava sentado ao seu lado, observava a sobrinha inexpressivo. Essa, por sua vez, estava sentada no outro sofá, com as duas mãos no colo e ansiosa pela reação do tio John, porque a de Rod ela já sabia de cor.
- Pai, fale alguma coisa! – Rodrigo pediu quase em desespero. – Fale algo que a faça desistir dessa sandice!
- Eu já sei o seu ponto de vista sobre a história, filho. – o homem falou sério. – Agora, por favor, faça silêncio para que eu possa escutar o que sua prima tem a dizer.
Rod se calou extremamente contrariado, sentando-se novamente no sofá e cruzando os braços, como uma criança birrenta.
- Obrigada pela palavra, tio John. – ela suspirou. – Isso, ao contrário do que o molengo pensa, não é um plano ardiloso dele pra me assassinar ou coisa parecida. A prova é que eu mesma o convidei para passar a noite lá fora. Ele se ofereceu pra me proteger, e eu acho que o mínimo que eu devo a ele, uma vez que ele já salvou minha vida, é confiança. Se ele me quisesse morta, teria deixado o carro passar por cima de mim, no início do ano. Mas parece que qualquer ato bom que ele faça é completamente ignorado pelo Rod!
- Porque ele é um assassino! – ele voltou a gritar, ficando de pé e projetando sua figura na direção da prima. Gesto que ela repetiu, ao respondê-lo.
- Ele é uma vítima!
- Na verdade, - tio John interrompeu-os, com a voz constante e pigarreando. – ele é inocente até que se prove o contrário.
- Mas, pai...
- Se isso o que a Lua falou é verdade, ela pode estar correndo perigo embaixo do nosso próprio teto. Precisamos de alguém para nos tirar essa dúvida, ou para tomar uma providência logo de uma vez.
- Por que simplesmente não chamamos a polícia?
- Com que pretexto, molengo? “Ah, polícia, por favor, mande um carro para passar a noite na porta da minha casa. Estou com a impressão de que estou sendo observada”. – Luinha afetou a voz. - Quem eu seria se mandasse a polícia se preocupar com uma impressão minha enquanto professoras e colegiais estão sendo assassinadas? – ela apontou o dedo no rosto de Rod, que não fez nada além de bufar.
- Acho que segundo a democracia, - tio John voltou a falar, sem perder seu timbre tranquilo. – são dois “sim” contra um “não”. Desculpe, filho, mas acho que dessa vez você perdeu.
Rodrigo até pensou em retrucar alguma coisa rude, mas se deteve antes que o fizesse. Deu um rosnado de raiva e subiu rapidamente as escadas, socando o pé contra cada degrau para deixar claro que estava bastante aborrecido.
- Ele supera. – o tio disse antes de também se levantar do sofá, vendo a expressão preocupada de Luinha.
- É o que eu espero... – ela abraçou o próprio corpo.
O tio observou-a novamente, sorrindo.
- Acho que deve falar com ele. Sabe, o Rod se preocupa muito com você. É comum que esteja com ciúmes desse garoto.
- Mas nada pode substituir o amor que eu sinto pelo Rod, tio. – Lua murmurou, sentindo algumas lágrimas surgirem em seus olhos.
- Será que ele sabe disso?
Assim que o tio se afastou, Luinha ficou alguns minutos na sala, imóvel, pensando em tudo aquilo. Seria possível que o primo acreditava que ela amava mais a Thur do que a ele? Será que o motivo de tudo aquilo era ciúmes?
Fosse como fosse, ela não queria estar de mal do menino. Ele representava muito pra ela. Um irmão mais velho o qual ela considerava com todo coração. E esse motivo foi o bastante para fazê-la deixar o orgulho de lado e subir as escadas, até o quarto do rapaz.
Bateu duas vezes na porta cor de marfim, esperando alguma resposta. Como não obteve, girou a maçaneta e se encontrou com uma cena que ela nunca imaginaria.
Por mais que o primo estivesse de costas pra ela, encarando a janela do lado oposto a porta, ela podia perceber pelos movimentos de seus ombros que ele estava... Chorando.
- Vá embora, Luinha. – ele pediu, com a voz alterada pelos soluços.
O interior dela foi completamente despedaçado ao ver aquilo. Foi como se alguma parte de seu cérebro tivesse sido desligada do corpo, pois ela não conseguia pensar em mais nada. Não. Não conseguia pensar. Só sentir. E sentia que seu coração estava em farelos, e tudo o que estava dentro dele agora estava saindo dela, através de seus olhos.
- Oh, meu Deus. – ela disse, colocando a mão na boca e fechando a porta atrás de si, após entrar no quarto. – Oh, meu Deus, não. – ela repetiu.
Rod não podia estar chorando. Não podia! Aquele não era o mesmo exemplo de bravura que ela via desde pequena. Por que ele estava assim? Ah claro, ela sabia por que ele estava assim. Ela tinha causado aquilo. Ela.
O menino virou-se na cama, ficando de frente para Lua, que soluçava alto por pensar em tudo o que o primo poderia estar sentindo. Ao ver o rosto dele vermelho, os soluços da garota ficaram mais frequentes.
- Ah, não, Luinha. – ele rolou os olhos. – O que você está fazendo agora?
- Chorando, não está vendo? – resmungou, tampando o rosto com as mãos.
Ela ouviu um barulho vindo da mola da cama, como se ele remexido, ou se levantado. Mas ela não queria nem olhar. Apenas queria permanecer ali, com os olhos tampados, enquanto chorava.
- Shiu... – a voz dele pareceu mais próxima do que ela imaginava, e antes que ela tivesse tempo de pensar em alguma coisa, ele já estava a abraçando. – Por que está chorando, meu bem?
Ela o abraçou por baixo dos braços, virando o rosto em seu ombro.
- Por que você está chorando. Você nunca chora. E eu sei que foi por minha culpa...
- Óbvio que não. Se há um motivo pra eu estar chorando, sou eu mesmo. – ele acariciou os cabelos escuros da menina, beijando o topo de sua cabeça. – Estou chorando porque não sei controlar meus sentimentos. Estou chorando porque estou preocupado com você. Estou chorando porque eu me sinto impotente vendo você confiar no meu único suspeito. Se ele é o meu único suspeito e não é o culpado, então deverei te proteger de quem? Quem eu devo manter longe de você? Isso me fez chorar. – ele fechou os olhos, sentindo-a se acalmar em seus braços. – O que eu poderei fazer pra continuar sendo o herói da minha baixinha...
- Você sempre será meu herói, molengo. Não importa o que você faça.
- Mas eu não me sinto assim. Sinto que estou sendo substituído... Pelo Aguiar! – falou como se estivesse incrédulo. – Ele não pode chegar de repente e sair tomando conta do pedaço... Eu te amei primeiro!
- E eu a você. – Luinha afastou o rosto de seu ombro, para mirá-lo nos olhos. – Sua parte no meu amor nunca será alterada por ninguém. Nem por você mesmo.
- E isso significa que eu terei que confiar nele?
- Estará me fazendo um favor. – ela sorriu.
Um sorriso tinha começado a ser formar no rosto de Rod, quando de repente ele se lembrou de um detalhe que fez sua face ficar rabugenta. A prima estranhou.
- Se alguma coisa, qualquer coisa, - ele dizia em voz ameaçadora. – acontecer a você... Serei eu a tirar a vida dele com as próprias mãos. Eu confiarei no Aguiar, mas com essa condição. Estamos entendidos assim?
- Sim, senhor, capitão! – ela alargou o sorriso.
Ele a soltou e voltou a se sentar na cama, batendo de leve, duas vezes, no espaço ao seu lado.
- Agora vem cá e me conta que história é essa de xeretar a escola toda com a Melzinha. – ele riu baixo.
Lua não hesitou em se jogar ao lado do primo na cama, e lá ficaram conversando sobre assuntos banais durante um bom tempo, até que a campainha tocasse.
- Pode deixar que eu atendo. – Rodrigo sentou-se na cama, aparentando má vontade.
- Não exigiria isso de você. – Luinha disse também se sentando.
- Eu faço questão. – ele deu de ombros. – É um novo passo pra mim, certo?
Londres; Oxford Street; Sábado; 8:31 da noite;
- Há quanto tempo ele está lá fora? – tio John perguntou de braços cruzados, em frente à janela da sala.
Pelo vidro podia observar Arthur encostado ao Audi preto, brincando com um cigarro entre os dedos e atento a qualquer movimento suspeito que pudesse ocorrer em volta da casa.
- Já tem bastante tempo. – Rod respondeu assumindo a posição do pai.
- Onde está a Luinha?
- Tomando banho. Nesses últimos dias ela tem estado muito tensa... – o rapaz suspirou, lembrando-se das semanas anteriores.
Tio John apenas o encarou durante um momento, depois caminhou em silêncio até um dos sofás e acendeu o cachimbo que estava em sua boca. Rod sempre considerava essa ação do pai como sendo negativa e positiva ao mesmo tempo. Negativa porque, sempre que o pai fumava, significava que ele estava nervoso o bastante pra apelar ao cigarro para se acalmar. E positiva porque, geralmente, ele se acalmava.
Respirou fundo transferindo sua mente para a prima no segundo andar. Sentia que esse teria sido um pequeno passo para primos normais, mas um grande salto para Rod e Luinha. É, um grande salto. O fato de saber que tinham uma confiança cega um no outro e que, por mais que ela se interessasse por outro rapaz, ele nunca seria substituído, levava o garoto quase ao estado de êxtase.
A mesma sensação de felicidade tinha Lua, no andar de cima. Enquanto tirava o excesso de shampoo do cabelo, pensava sobre Rod e Thur. Enfim o primo tinha resolvido colaborar com o menino, e esse não tinha objeção nenhuma contra ele. Estava perfeito. Eles finalmente tinham se entendido.
A empolgação que isso gerava nela era motivo de estranheza para a mesma. O que tinha demais nos dois se entenderem? Quer dizer, era só o Rod. E só o Thur. O que poderia ter demais numa relação agradável entre os dois? O consentimento do primo? Mas espera... Consentimento pra quê? Ela suspirou profundamente, fechando o registro do chuveiro e caminhando pra fora do box enquanto se enrolava com a toalha de banho. Caminhou através da onda de vapor até a pia, limpando com uma das mãos o espelho para que pudesse se observar.
Ela admirou sua imagem no espelho. Mirou suas feições com uma espécie de curiosidade e desgosto. Sempre se achara diferente das demais, e agora, mal conseguia olhar para o próprio rosto sem se sentir tão... Tão desoriginal.
Lua sabia que para grande parte do colégio ela não passava da imagem mórbida de um fantasma. Sabia que para muitos ali ela não passava de uma lembrança ambulante. E era exatamente essa lembrança que tanto perturbava os outros ao seu redor. Perturbava Thur por ser a imagem viva de um grande amor já enterrado. Perturbava Melzinha e Sop por representar a memória de uma amizade perdida. Aos demais, ela simplesmente relembrava que eram todos atores daquele grande palco chamado Highgate, que tivera um tão trágico desfecho a cerca de um ano. O engraçado era que ninguém queria saber o próximo ato. O temiam assim como temiam um novo desfecho. Mas o que não entendiam era que, para que o final da peça acontecesse, era necessário um clímax.
A menina escovou os dentes numa tentativa ainda maior de se limpar. Tinha uma estranha necessidade de se sentir limpa, de se sentir purificada. O motivo de estar se sentindo suja? Nem ela mesma sabia. Aliás, nem a própria Luinha sabia de muita coisa a seu respeito desde que chegara a Londres.
Colocou suas roupas íntimas e, ainda enrolada na toalha, abriu a porta do banheiro. Olhou para os lados certificando-se de que nem Rod nem o tio estavam por lá e caminhou pelo corredor, sentindo o clima mais fresco contra seus ombros e bochechas até chegar ao quarto e fechar a porta.
Enfim sós.
Ela riu pela estupidez de seu subconsciente ter projetado uma frase assim. Logo do nada. Do nada...
Já se preparava para desenrolar a toalha e vestir uma roupa larga quando seus olhos foram atraídos para além da janela. Atraídos de encontro a outros olhos. Olhos negros que brilhavam na noite. Sim, ela via alguém. Espionando-a por entre as folhas da árvore.
Não eram olhos opacos como os de Thur. Esses olhos faiscavam. Faiscavam tanto que chegavam a dar medo... E deram. Deram porque o que uma pessoa estaria fazendo a espionando? Espionando seu quarto? Espionando uma garota tão parecida com Ivane no meio a um mar de assassinatos e mistérios?
Nada.
A menos que... A menos que a suspeita de Thur estivesse certa, e aquele fosse o assassino.
Luinha tentou mover algum músculo sem sucesso, só então parando pra perceber o quanto eles estavam gelados. O quanto ela estava imóvel, tensa. Continuou encarando o brilho sombrio daquele olhar até que, inconscientemente, gritou.
Simplesmente agarrou-se a sua toalha e... Gritou. Gritou como nunca antes. Algum lado dela, o consciente pelo menos, sabia que se ela gritasse, a “cavalaria” viria a seu resgate. Ela não podia morrer. Ela não queria morrer. Não agora. Principalmente agora.
Como se defenderia? Bateria no assassino? E se ele tivesse uma arma? Claro que ele tinha uma arma... Todo assassino decente tinha uma arma.
E foi então que ele fez algo que ela nunca imaginaria. Assim que seu grito agudo começou a ser proferido, a pessoa apoiada na árvore... Caiu. Por susto, surpresa, estratégia... Fosse como fosse, quem quer que estivesse lá foi parar ao chão. E Luinha começou a duvidar que aquilo fizesse parte de alguma artimanha assim que ouviu o baque nem um pouco delicado na grama do jardim.
Ao ver um rapaz despencar da árvore ao lado da casa, Arthur se moveu rapidamente. Correu até ele e, sem que esse tivesse tempo pra se recompor, imobilizou-o com uma chave de braço.
Como aquele garoto tinha conseguido subir na árvore sem ser detectado? Ele estaria lá há muito tempo? Aguiar não conseguia pensar em hipótese melhor para explicar. Ele estivera observando a casa o tempo todo e nenhum movimento suspeito ocorrera ali perto.
Mas o que queria aquele garoto, qual a sua intenção em vigiar a casa dos Marques por tanto tempo?
Ele não prestava. Claro que não. Ele poderia ferir Luinha.
- Quem é você? – rugiu. Thur apenas observou o menino magrelo se contorcer, antes de sua visão, que estava embaçada pela raiva, clarear.
Era um menino amarelo de aparência esquelética. Cabelos mel grandes o suficiente pra cobrir parte de seus olhos, que eram escondidos por um grande óculos redondo.
Thur já tinha visto esse menino em algum lugar...
Estaria preocupado em indagar 'onde' se uma câmera não tivesse caído do bolso do infeliz. Colocou-se por cima dele – que gemia de dor – para que pudesse alcançar o objeto sem que o mesmo escapasse.
Segurou a câmera entre os dedos, passando rapidamente as fotos que nela existiam.Luinha, Luinha, Luinha, Luinha...
Aquela câmera mostrava fotos de Lua de ângulos e horas diferentes. Mostrava-a de pijamas, com roupas íntimas, arrumada para a aula, arrumada para sair, conversando com Rod... Thur ficou tão concentrado em ver “Luinha” nas fotos que mal percebeu quando, de uma hora pra outra no meio delas, a garota de cabelos escuros passou a ter cabelos claros.
Só parou de avançar as imagens quando seus olhos se fixaram em um detalhe diferente: a camisola. Uma camisola pequena, simples e cor-de-rosa. Conhecia aquela roupa.
Instantaneamente seus olhos seguiram para a cor do cabelo da menina. Aquela não era mais Lua. Era Ivane.
- Quem é você? – Arthur repetiu, agora estático, olhando para o garoto que ainda tentava inutilmente se debater.
E foi então que a ficha de Thur caiu. Foi exatamente com aquela roupa que Ivane fora assassinada. Aquele poderia muito bem ser...
Tomado pela cólera, soltou violentamente a câmera e apertou as mãos contra o pescoço do menino.
- QUEM. É. VOCÊ? – repetiu enraivecido.
Enquanto isso, no andar de cima da casa, Rod entrava num rompante no quarto de Luinha. Correra o mais rápido que pôde até o quarto da prima, depois de ouvir seu grito. Assim que abriu bruscamente a porta, deparou-se com uma garota abismada encarando a janela. Seus músculos tensos chegavam ao ponto de tremer.
- B... – ele começou a dizer, assustado com a fraqueza de sua própria voz. – Baixinha?
- Rod...? – ela sussurrou de volta, virando seus olhos arregalados em direção ao mesmo. – Tinha... Um cara. Um cara na árvore. – seus lábios tremeram.
A menina nunca lhe parecera tão indefesa. Parecia que o pequeno corpo dela pedia por ajuda. Alguém como ela nunca conseguiria se defender sozinha. Ainda mais de um psicopata.
Movido pelo medo de perder aquela garota, Rod agiu rapidamente em sua direção, ignorando o fato de ela ainda prender uma toalha contra o corpo. Abraçou-a forte, de modo a molhar sua camisa com os cabelos longos e encharcados da menina.
Através de sua blusa e do pano da toalha, o rapaz podia sentir perfeitamente bem que o coração de Luinha batia tão forte quanto o seu. Sua adrenalina era tamanha que não aguentou ficar muito tempo parado apenas naquele abraço. Segurou-a pelos ombros, afastando-a, e ergueu o queixo da prima até que seus olhos se encontrassem na mesma altura.
- Nunca mais me passe esse susto, Luinha. – falou com a voz esgotada. – Nunca mais.
- Acredite, eu não pretendo. – ela sorriu.
Como ela podia sorrir? Rod pensava. Como, depois de tudo pelo que ela passou e ainda estava passando, aquela menina poderia sequer pensar em sorrir?
Como ele poderia cogitar a hipótese de sobreviver sem poder assistir àquele sorriso? Era impossível. Era viciante. Assistir à formação daquele sorriso era simplesmente viciante.
Ele sabia que nunca mais conseguiria ficar tanto tempo assim longe de sua baixinha. Ela era dele e de ninguém mais.
- Minha Luinha. – ele sussurrou, antes de espalmar a mão direita delicadamente na bochecha da garota e puxá-la para um beijo.
Um beijo. Simples. Lábios, línguas, saliva e muita, muita confusão envolvida.
Lua permitiu a passagem da língua de Rod no susto. Não esperava por aquilo. Céus, nem Deus esperava por aquilo!
Rodrigo continuava movendo seus lábios com toda concentração, explorando cada centímetro da boca da menina. Luinha retribuía ainda incerta. Suas mãos, no reflexo, abraçaram o pescoço do primo, e seus olhos permaneciam fechados. Mas aquilo era realmente o que ela queria?
Quando Rod intensificou os movimentos de sua língua e apertou-a pela cintura, de modo a levantar a sua toalha, Lua soube que aquilo estava indo longe demais.
Partiu o beijo ainda ofegante, olhando um tanto surpresa para o rapaz.
- Por favor, não pare agora, Luinha. – Rod disse ainda com os olhos fechados, mas suplicante. – Porque se nós pararmos agora, explicações terão que ser dadas.
Ela ficou o encarando por um tempo, ainda pensando no que fazer ou dizer. “Explicações terão que ser dadas”. E se ela não quisesse essa explicação? Iria pedir para que ele fosse embora? Como poderia fazer isso com seu molengo?
Mas ela o amava, não amava? Então talvez fosse aquilo o que ela queria...
Não. Ela o amava, sim. Mas como um irmão.
Sentiu-se mais estranha do que em todos os momentos em que esteve na Inglaterra, o que, ela sabia, não era pouca coisa. Como um simples beijo poderia gerar aquilo nela? Mas claro, não era um beijo qualquer. Era um beijo com o Rod, o molengo, o herói de sua infância. Era um beijo com seu irmão. Podia ser mais esquisito que isso?
Hm...
Conhecendo a Highgate... Podia. Mas ela duvidava.
Mirou-o, que agora a olhava confuso.
Como ela amava o rosto dele! Representava tanta coisa. Representava tudo. Representava seu porto seguro, seu canto seco na chuva, seu momento de paz no meio da loucura. Representava o seu refúgio. Ele era seu refúgio. Seu primo, irmão, melhor amigo. Nenhum outro amor ou paixão do mundo, não importando o tamanho que fosse, poderia substituir aquilo.
Ficou na ponta dos pés aproximando novamente seus lábios dos de Rod. Assim que a viu fazer isso, ele fechou os olhos, na expectativa de continuar de onde pararam, mas só o que recebeu em resposta foi um selinho carinhoso.
- Rod, eu... – ela começou a falar, pouco antes de ouvir uma sirene se aproximar da casa.
- Pai! – Rodrigo se lembrou repentinamente. Soltou a prima num pulo, seguindo apressado em direção a porta.
Ela o olhava com um olhar de "sinto muito". Ele percebera. Não suportaria essa rejeição. Não suportaria a rejeição de Lua. Como esconderia sua frustração?
Não esconderia. Não conseguiria.
Então preferiu fugir.
– Ele ficou de chamar a polícia. Deve ter sido alguma coisa. – ele explicou.
Já ia se impulsionando para fora do quarto pelo constrangimento, quando Luinha o chamou.Rod parou de andar repentinamente e inclinou a cabeça para o lado. Ela tinha o direito de se pronunciar, não tinha?
- Eu te amo. – ela disse.
- Mas não como Rod. Você me ama como molengo.
- E você me ama como sua baixinha. – Lua respondeu levemente, apesar de que com uma veemência assustadora no tom de voz.
- Desculpe. Você foi meu primeiro amor. Acho que nunca superei realmente... – E ao terminar de dizer isso, ele saiu do quarto cabisbaixo, deixando-a somente com seus pensamentos.
Com seus pensamentos e aquela sensação de que tinha que saber o que acontecera no andar de baixo. Por um momento quase tinha se esquecido de Thur... Quase.
Colocou um short jeans, um tênis qualquer e desceu apressada as escadas, ainda ajeitando-se na sua blusa cinza do Mickey favorita.
Enquanto Luinha se arrumava, do lado de fora, o menino magrelo tentava balbuciar coisas desconexas que justificassem a espionagem, na esperança que Arthur o deixasse ir embora.
- Sou eu. Gerald. Highgate. Me solte por favor. – sua voz saia estrangulada.
Claro que Thur o conhecia. Ele só podia mesmo ser da Highgate. Arthur deu uma risada seca com isso, que apesar de ter sido com o intuito de debochar de si mesmo, não o fez perder nem um por cento da raiva.
- O que você está fazendo aqui? – perguntou voltando a sua aparência séria e a apertar o pescoço fino de Gerald. – Por que tirou essas fotos? Qual o seu interesse na Iv?... Qual o seu interesse na Luinha?
- Eu...
Mas antes que ele pudesse completar a sua frase, os policiais chegaram, pedindo para queThur se afastasse do garoto de forma que pudessem prendê-lo.
- Aguiar! – Rod gritou, descendo as escadas da varanda da casa e aproximando-se.
Arthur virou seus olhos foscos para ele, assim que saiu de cima do menino, certificando-se de que esse não teria para onde fugir. Antes de se voltar totalmente para Rod, pôde observar a figura de tio John de longe, apenas observando e relatando algo a mais dois policiais.
- Marques. – respondeu.
- O que... Como... Quem era ele? – apontou com as sobrancelhas para o magrelo que estava sendo algemado.
Quem era ele?
Thur se perguntava a mesma coisa. O que aquele menino poderia querer com aquelas fotos? O que ele saberia sobre o assassinato de Ivane? Ele sabia de alguma coisa? Ele tinha sido o culpado?
Eram mil perguntas formando-se em sua cabeça ao mesmo tempo, tantas que não hesitou em correr até um dos homens que conduziam Gerald para a viatura e pedir para trocar uma palavra com o mesmo. Com a ação de Arthur, Rodrigo entendeu muito bem sua resposta.
Thur queria saber aquilo tanto quanto ele. Ou mais.
Parou para admirar o menino por alguns instantes. Rod nunca tinha se permitido realmenteolhar para Arthur. E, sabe? Até que ele não era tão ruim quanto parecia.
Sua expressão de raiva e indignação com o menino de joelhos ossudos dizia o quanto ele se preocupava. E sua expressão enquanto via Luinha descer as escadas da casa gritava que ela era a única que tirava seu sono à noite.
‘Afinal, somos tão diferentes e tão parecidos, não é, Aguiar? Ele pensou, sorrindo para o rosto revoltado de Lua quando o rapaz provavelmente a mandou se afastar do preso.
Rodrigo sabia que podia ser até aquele que recolhia as lágrimas da garota, mas nunca seria o causador delas. Não por querer fazê-la sofrer, mas sim por não conseguir fazê-la sentir. Não a esse ponto. Não a ponto de chorar de amor.
Chegou a um lugar que teria que abandonar as suas suspeitas. Não poderia culpar Thur para sempre. Não poderia culpá-lo por ser o objeto do afeto de sua baixinha. Não poderia culpá-lo por um crime que, no fundo sempre soube, ele nunca cometeu.
E então se aproximou de ambos e de seu pai, que assistiam o carro policial ir embora, com uma estranha satisfação no peito. Aonde quer que Luinha estivesse, ela estaria feliz. Ela sabia se cuidar. E o sorriso em seu rosto só reafirmava isso.
- Você acha que eu sou o que, hein? Alguma donzela indefesa? – ela perguntou grosseiramente para Aguiar.
- É exatamente isso o que você é. – ele respondeu no mesmo tom.
- Pois fique sabendo que eu sei muito bem cuidar de mim mesma...
- Ah claro, então eu perdi minha noite vindo aqui!
- Eu disse pra não vir...
- Não importa o que você me diga, eu não vou parar de te proteger por causa disso. – ele cruzou os braços.
- Não estou pedindo para que pare, só pra que não exagere. – tomou fôlego. - Eu. Não. Sou. Mais. Criança.
E então no meio dessa discussão, Rod riu. Só riu. Riu satisfeito, porque no meio daquela briga e de outras que viessem a acontecer, existiam mais sentimentos do que os olhos poderiam conter. E foi entendendo isso que, naquela noite, dormiu sossegado.
Créditos a Lan
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