domingo, 18 de março de 2012

Ópera:Capítulo 4

Não existe nada de completamente errado no mundo, mesmo um relógio parado, consegue estar certo duas vezes por dia.Paulo Coelho

Londres; Highgate High School; Terça-feira; 9:43 da manhã;

- Bem, classe... – ela dizia andando de um lado pro outro na frente do quadro. – Como todos vocês sabem, hoje é o dia do sorteio das duplas pros trabalhos desse ano. Elas já foram sorteadas por mim. Só falta mostrá-las a vocês.
- Trabalhos desse ano? – Lua cochichou pra Mel. – Todos? Pensei que fosse só de literatura.
- São todos. Mas o principal é o de literatura, da senhora Paskin mesmo. – balançou os ombros. – Todo ano fazemos o trabalho sobre um autor diferente.
- Vincent e William. – começou a pronunciar os nomes.
- Tomara que eu saia com você. – cruzou os dedos, fazendo a amiga sorrir.
- Também queria sair com você, mas isso é difícil. A sala tem quarenta alunos. – fez careta.
- Droga.
- Johnatan e Avril; Evelin e Mel...
- Adeus amiga. – Melzinha deu um suspiro derrotado. – Vou ter que fazer com a insossa da Evelin.
- Lua e... – senhora Paskin olhou-a por cima dos óculos, dando um pigarro em seguida. Sabia como prová-los que o rapaz não era o culpado, ou pelo menos, dar uma chance ao mesmo. Talvez uma pequena trapaça fosse inofensiva... – Arthur.
A menina sentiu o coração descompassar olhando em direção a porta e observando o garoto com os lábios semiabertos, que fitava a professora como se estivesse surpreso. Fingiu não perceber que todos os alunos da sala se entreolharam.
O rapaz virou os olhos pra ela repentinamente, fazendo-a engolir a seco e virar-se pra mulher de roupas escuras, na frente da turma.

Londres; Civic prateado;Terça-feira; 3:25 da tarde;

- O QUÊ? – Rod gritou, deixando o espanto subir-lhe a cabeça. – Você? Dupla com aquele cara? NUNCA.
- Ele salvou a minha vida, Rod. Por que não pode acreditar que ele é uma boa pessoa? – cruzou os braços.
- Ele... Ele não é. Pode até ser que ele tenha salvado a sua vida. Mas isso foi algo inédito. Ele não...
- Admita que você não tem argumentos.
- Ok, não tenho. Mas e daí? Eu não quero você junto dele.
- Por que não?
- Porque não. – focou na direção. Lua respirou fundo, tentando se acalmar. Ela era tratada como uma criança que tinha que ficar alheia aos assuntos, afinal.
– Desculpa. Eu sei que não é justo com você.
- Que bom que sabe.
- Mas tente entender, Luinha. Eu só quero o seu bem. – franziu o queixo. A garota segurou seu ombro.
- Então me deixe ser independente. Começando por eu fazer dupla com ele. – o primo apertou mais sua mão no volante.
- Ok. Mas qualquer encontro de dupla será lá em casa, e sob minha supervisão. – decretou.

Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 11:57 da manhã;

- Cara, eu amo melancia. – Chay comentou enchendo a boca, na hora do intervalo.
- Onde você achou melancia no cardápio? – a namorada olhou-o interessada. As pessoas de sempre estavam à mesa: Rod, mica, Luinha, Chay e Mel.
- Eu trouxe de casa.
- Não sabia que podia trazer comida de casa. – Lua disse, apoiando o cotovelo na mesa.
- Não é proibido.
- Eu já contei a piada do bêbado no cemitério? – mica perguntou.
- Estava demorando... – Rod resmungou.
Enquanto os amigos prestavam atenção na piada, a garota passou os olhos por todas as pessoas no refeitório: A mesa das líderes de torcida, onde a ex-namorada de mica estava sentada; a mesa dos jogadores de futebol, onde estavam Scott e Bennet; a mesa de alguns rapazes descolados, que estavam sentados com duas meninas com a saia curtíssima. Tudo parecia estar em seu devido lugar. Menos uma pessoa...
- Melzinha. – chamou baixo. A menina olhou-a. – Er... Todos os alunos não deveriam passar o intervalo no refeitório? – Mel passou o olhar devagar por todos, virando-se novamente praLuinha.
Ele passa o intervalo no corredor, se é o que quer saber. – balançou os ombros, apesar de séria.
Lua endireitou o corpo na cadeira, vendo os três amigos disputarem quem comia mais depressa.

- Ok. Chega de comer. Temos aula do senhor Walker agora. Ele detesta que cheguem atrasados. – Mel disse puxando o braço da garota, que ainda enchia a boca com um pedaço de torta.
- Está tão boa. – fez bico.
- Sério. Até os meninos já foram embora! Isso é um péssimo sinal. – brincou.
- Vamos, então.
Saíram do refeitório subindo as escadas pro terceiro andar rapidamente.
Quando estava prestes a terminá-las, onde Mel a esperava, Luinha chocou seu ombro contra o de outra pessoa, que descia.
- Desculpe. – disse encarando os olhos verdes do garoto, que retribuiu o olhar com uma espécie de felicidade, espanto e horror ao mesmo tempo.
- T-tudo bem. – juntou as sobrancelhas. – A culpa foi... – perdeu a respiração por uns instantes. – Minha.
- Tchau, então. – deu um sorriso amarelo, voltando a subir as escadas e parando por fim, no último andar.
- Espera! – ele gritou. – Quem é você?
- Eu? – apontou pra si mesma. A amiga alternava o olhar dela para o menino loiro, que consentiu. – Lua Marques.
- Lua... – repetiu, com a voz baixa. – Meu nome é Duan Adams. Prazer. – sorriu amigavelmente, depois virou seu olhar pra garota ao lado. – Ei, Melzinha, como vai?
- Muito bem, Duan. – respondeu. – Vamos, Luinha. O senhor Walker...

Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 8:02 da noite;

- Luinha do céu, você entrou em coma ou o que? – Rod perguntou do batente da porta, fazendo a garota abrir os olhos pesados e olhá-lo. – Está dormindo desde que voltamos da escola...
- Já vou levantar, molengo. Um segundo. – balbuciou.
Tinha sonhado com Nick. Ela sabia que sim.
Ainda podia sentir seu toque nos sonhos, seu cheiro, ver os detalhes do seu rosto. É, talvez ela ainda o amasse. No fundo. Mas nada a faria desistir do sonho de ir pra Inglaterra. Nada.
Sentou-se na cama examinando o quarto. Quase do tamanho do seu, no Brasil. O armário de carvalho, o piso de carpete. Aconchegante.
Apoiou-se pra levantar, sentindo um ponto dolorido no braço esquerdo: onde Aguiar tinha puxado-a, impedindo que fosse atropelada.
Aguiar. Outra pessoa que a intrigava. Era um garoto estranho, apesar de lindo. Aos seus olhos, e acreditava que aos de todos, parecia ser perigoso e misterioso ao mesmo tempo. O tipo de cara que oferece riscos. Estilo bad boy. Isso a atraía nele. Aliás, o que ele tinha que não a atraia? Seus cabelos organizadamente bagunçados, sua pele um pouco pálida, boca rosada e os olhos. Olhos frios de um atirador. Foscos. Sombrios. Atraentes.
Expirou passando a mão direita de leve no braço dolorido. Ela não o tinha agradecido devidamente. Devia sua vida a ele. Mas o que fazer para demonstrar sua gratidão?

- Tio John? – gritou da cozinha. O senhor assistia futebol com o filho, na sala. – Onde tem farinha?
- Farinha, Luinha? – Rod perguntou confuso.
- No segundo armário, querida.
- Pra quê? – o primo voltou a perguntar.
- E a batedeira?

Londres; Highgate High School; Quinta-feira; 11:54 da manhã;

- Luinha, posso te fazer uma pergunta? – Mel disse observando-a, a caminho do refeitório. A garota assentiu. – O que tem nessa trouxa que você está carregando pra lá e pra cá desde o início das aulas?
- Ah. Isso é... Nada. – balançou os ombros. – Melzinha, você pode ir na frente? Estou apertada pra ir ao banheiro. – apontou pra placa do feminino, quando passaram por ele.
- Claro, então te espero na mesa.
- Não repare se eu demorar. Eu estou nos dias. Sabe como é. - fez careta.
- Pior é que sei. Não se preocupe. Quando eu menstruo fico horas agonizando de cólica, eu entendo. – mandou um beijo no ar, continuando seu caminho.
Lua acompanhou-a com os olhos até que ela virasse o corredor, depois deu de costas e subiu novamente a escada pro terceiro andar.

Estava escorado na parede, como sempre. Olhava o teto como se pudesse ver alguma coisa de interessante.

“– Por que você tanto olha pra cima? – ela perguntou, curiosa.
- Algum problema com eu olhar pra cima? – juntou as sobrancelhas. Estavam sentados na grama do parque Russel. A garota estava encaixada entre suas pernas, e ele afagava-lhe os braços.
- Não. Mas é uma mania esquisita.
- Mania esquisita é você ficar reparando em tudo que eu faço, Iv. – brincou, dando-lhe um beijo na bochecha.
- Que culpa eu tenho? Eu gosto de te observar.”


Deu um sorriso leve, fechando os olhos.
Depois de um tempo apenas tentando relembrar todos os detalhes daquela lembrança, ouviu passos aproximando-se no corredor. Provavelmente Scott, procurando por uma nova surra. Tentou não se incomodar, e manter-se com os olhos cerrados.
Quando chegaram ao seu lado, os passos cessaram. Sem socos. Sem chutes. Sem provocações... Suaves demais pra ser de um zagueiro brutamontes.
Abriu os olhos mirando seu lado esquerdo de rabo de olho e sentindo o coração acelerar.
O que ela estava fazendo ali? Droga.
- Bom dia. – deu um sorriso que ia de uma orelha a outra.
Ele ficou calado, apenas mantendo-a em foco.
- Eu sei que você não costuma a ter companhia na hora do intervalo. – encostou-se na parede ao seu lado. – Não sei se é porque você não gosta, ou porque você tem medo de se relacionar. – ‘Medo de me relacionar? Hunf’, pensou em deboche. – Mas de qualquer forma, se não se importar, quero te acompanhar no intervalo de hoje. Fiz até um bolo de chocolate pra você, em agradecimento por ter salvado minha vida. – estendeu a trouxa azul. Ele olhou a vasilha, depois subindo para sua mão que a segurava, seu braço, seu pescoço, até chegar ao rosto delicado.
- Não preciso disso. – respondeu seco.
O sorriso de Luinha foi se desfazendo aos poucos, recolhendo a mão estendida e juntando-a ao peito.
- Me desculpe. – respondeu baixo e rouca. – Eu vou embora.
Thur observou a garota virar de costas e se afastar, passando as mãos pelos cabelos com o peito carregado. Merda. Por que ela fazia isso com ele?
- Hey, você. – disse mais alto. – Espera. – a menina acelerou os passos, ignorando-o. – Espera. – começou a segui-la.
Quando por fim estava perto o bastante, segurou seu ombro. Ela virou-se a contragosto, olhando-o magoada.
- Eu não... – deu um pigarro, olhando-a nos olhos. – Eu não quis dizer isso. Me desculpe.
Lua encarou-o. Seus olhos de atirador estavam sinceros, apesar de receosos. Talvez ele realmente tivesse um motivo pra ser tão fechado. Do que adiantaria ficar brava com ele?
- Tudo bem.
- P-pode... – coçou a nuca, incomodado. – Pode passar o intervalo comigo. Se quiser...
- Vai aceitar o bolo? – arqueou uma sobrancelha. Thur estendeu a mão pra ela, que sorriu em seguida.

- Você não vai falar nada? – Luinha perguntou sentada no corredor, ao lado do garoto que colocava um pedaço do bolo de chocolate na boca.
- O bolo está bom. – respondeu com a expressão neutra.
- Mais nada?
- Não tenho nada a dizer. – um breve silêncio instalou-se entre os dois.
- Mas eu tenho. – ela balançou os ombros. – Eu sou brasileira, sabe. – ‘Brasileira?’– Então eu tomei um choque quando vim pra essa escola. Não que seja muito diferente das escolas no Brasil, mas as pessoas me olham torto. Até cheguei a pensar que fosse o jeito britânico de se olhar pros outros, mas não. – abraçou os joelhos. – E sabe o que é o mais estranho? –Thur olhou-a seriamente, acompanhando o raciocínio. – É que eu tenho a impressão que tudo isso está relacionado a você...
Soltou o pedaço de bolo dentro da vasilha, olhando para a parede a sua frente. Expirou devagar e inaudivelmente, deixando seus braços caírem de forma que encostasse a vasilha no chão. Lua também estava parada ao seu lado, e pareceu não ter nenhuma reação.
Ninguém tinha dito a ela. Deu uma risada baixa e seca.
- Não te falaram nada sobre mim? – quebrou o silêncio.
- Apenas que era pra eu ficar longe de você. – pigarreou, vendo o menino expirar depressa com um sorriso de deboche na face e virar o rosto pro outro lado. – Me desculpe, eu não quis dizer isso.
- E por que não obedeceu? – perguntou-a baixo.
- Porque... você salvou a minha vida. Não é uma má pessoa. Eu acho. – juntou as sobrancelhas, olhando os joelhos.
- Ninguém te garante.
- Você não está fazendo nada ruim agora, está? – ele riu seco.
- Você não sabe nada sobre mim.
- Que tal começar a me contar? – propôs com um sorriso doce nos lábios.
- Tenho mais o que fazer do que falar sobre a merda da minha vida. – levantou-se.
- Okay. – ela balançou os ombros. – Pelo menos me diz: Qual é o nome da sua banda?
- Quê?
- Aquela que tocou no pub... No Mark’s. – levantou o queixo para olhá-lo.
- The Lumps. – cruzou os braços, voltando a olhar a parede.
- Nome curioso. – disse, vendo-o bufar. – Você não é mau, Arthur. – comentou, apoiando-se nos joelhos para levantar-se. – É apenas solitário. – Sorriu leve pra ele, antes de dar as costas e voltar pra escada. Thur acompanhou-a com os olhos até que a mesma desaparecesse de vista. Seu corpo estava mais quente. Era como se tivesse recuperado um pouco da vida que lhe fora roubada. Mas a que se devia isso?
- Luinha! – o primo gritou novamente com a boca cheia, da mesa de sempre. Chay e mica disputavam na queda de braço, Mel ria histericamente de tudo.
Aproximou-se com um sorriso frouxo.
- Demorou. Onde você estava?
- Problemas femininos...
- Argh! Não entre em detalhes, por favor. – fez careta, fazendo com que a prima risse. 





                                                                                                                  Escrita por : Lan

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