"Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos
a um elogio."
Sigmund Freud
Sigmund Freud
Londres; Greenwich; Terça-feira; 7:04 da noite;
- Melzinha, eu não sei. – Sophia disse angustiada. – A Iv não quis me contar.
- Mas você não se lembra de nada sobre o dia? Não tem nenhuma pista? – a garota insistiu.
- Eu lembro que... – a primeira ficou pensativa durante alguns segundos. – Eu a encontrei chorando muito no quarto...
- Você sabe quando?
- Eu cheguei tarde em casa. Estava escuro e você não estava lá. – apontou pro cômodo com as sobrancelhas. – Provavelmente devia estar com o Chay. Eu estava com o mica. – falou mais baixo. – Achei que a Ivane estaria com o Thur também. Mas não. Eu a encontrei aos prantos no quarto... Ela estava vestindo o uniforme número dois, da torcida. – voltava à lembrança aos poucos.
Os uniformes da torcida eram divididos em um, dois e três. Eram modelos diferentes. O número dois, o qual Ivane usava no dia, era azul e preto, tão curto quanto os outros. Sophia se lembrava bem desse detalhe.
- Ela estava usando-o porque, se me lembro bem... – estreitou os olhos. – Mais cedo houve um jogo de futebol entre os Eagles e os Tigers...
- Da Drayton High School. – Mel completou, voltando ao primeiro flashback. – Quando aconteceu o jogo? Em que dia da semana?
- Talvez terça ou quarta. – mordeu levemente o lábio inferior. – Os Eagles ganharam. Último gol do Thur.
- Como você se lembra disso e não se lembra do dia? – estava impaciente.
- Porque os Eagles foram classificados pra final, nesse jogo. – fez uma pausa. – Desculpa,Melzinha. mica ficou animado com isso, por isso eu lembro. Eu não sabia que ia precisar lembrar disso algum dia.
- Tudo bem, Sop. A culpa não é sua... Você pelo menos se lembra de alguma coisa que ela tenha dito?
- Quando eu entrei no quarto ela estava ajoelhada, com a cabeça encostada na cama. Chorava alto e gritava algumas palavras sem sentido... Acho que ela gritou algo como... –Sophia juntou as sobrancelhas, repensando no que estava prestes a dizer. – “Ele me paga”. Tentei perguntá-la se ela queria alguma coisa, mas a Ivane não estava pra papo.
- Você foi dormir, depois?
- Acho que eu fui ao banheiro me trocar. Quando voltei, ela tinha saído.
- Pra onde?
- Não faço idéia. – a garota sentiu os olhos queimarem. Culpava mentalmente sua falta de atenção. Merda. – Eu tentei ligar no seu celular. Ela tinha deixado em casa. Preferi aguardar.
- E como ela chegou no dia seguinte?
- Ela chegou... – colocou o indicador no queixo. – Parecia que estava de ressaca. Com os olhos um pouco mais arregalados. Ainda estava com o uniforme da torcida.
- Vou procurar saber com o treinador Stevens o dia do jogo. – Mel respirou fundo.
Londres; Terça-feira; 7:21 da noite;
- O que você quer? – Duan perguntou grosseiro ao homem escorado na parede de um viaduto. Ele era magro e vestia um terno preto.
O loiro saía apressado do carro, dando passos pesados até a figura ali parada. Olhava-a com desprezo.
- Um carro novo. – ele sorriu. – Me cansei do meu.
- Olha aqui, seu idiota. – o rapaz segurou-o pega gola da camisa. – Eu já paguei o que você queria. Não abuse, senão...
- Senão o que, playboy? – deu uma risada de deboche. – Esqueceu do que eu tenho em mãos?
Duan olhou-o com raiva durante alguns segundos e soltou-lhe a camisa.
- Quanto você quer?
Londres; Dockland; Terça-feira; 10:32 da noite;
Arthur caiu na cama após tomar uma chuveirada quente e demorada. Estava com a toalha de banho ainda enrolada a cintura. Esperava o corpo esfriar.
Spike o olhava um pouco cansado. Tinham passeado por vários quarteirões, coisa que não faziam há muito tempo. O dono estava animado com alguma coisa, o cão podia perceber.
Thur fixou seus olhos no teto, respirando profundamente e deixando a mente rolar.
“- Tira o cinto. – disse por entre os dentes. Seus corpos estavam insuportavelmente próximos. Insuportavelmente colados.
- Você não consegue me obrigar, Arthur. – a garota deu uma gargalhada.”
Merda. Merda. Merda! Por que não conseguia obrigá-la? Uma coisa tão simples, tão banal. Facilmente teria dado esse susto em outra menina. Mas por que não nela? O que Lua tinha? O que Lua era? Por que não conseguia esquecê-la?
- Merda de garota. – virou-se para o lado, encarando seu criado mudo e dando de cara com um envelope surrado. Olhou-o por alguns instantes, estendendo sua mão para puxá-lo pra si.
Seus dedos tremeram ao abri-lo. Vacilou. Esperou até ter um pouco mais de coragem e fôlego para tentar novamente puxar seu conteúdo pra fora.
Observou o que o envelope guardava com o olhar mais arregalado, sentando-se na cama. Seus olhos ficaram quentes e seu coração bombeou acelerado, apesar de fraco. Sentia um embrulho forte no estômago ao olhar aquilo. Uma dor imensurável.
Começou a chorar compulsivamente, sendo interrompido por uma forte pressão na altura do diafragma e correndo pro banheiro, vomitando no vaso sanitário.
- Preferia estar morto! – gritou com a voz embargada pelos sentimentos. O cachorro o observava com pena, da porta. Thur olhou o livro vermelho na pia, dando uma risada baixa e triste. – “Acompanharei a ti em teu sono de morte”. – limpou a boca com as costas das mãos. Levantou a coluna que havia curvado em direção ao vaso e andou acelerado pra cozinha, onde abriu uma gaveta violentamente. Seus olhos se iluminaram com a lâmina afiada de uma faca. – “Serei a tua bainha”. – citou passagens de Romeu e Julieta, segurando o objeto de frente para o peito.
“- Você não é mal, Thur.”
“- Me mostre do que é capaz, Aguiar, e talvez, bem talvez, eu tenha medo de você. - ela gargalhou satisfeita. Mantinha um sorriso no rosto. O sorriso mais aconchegante que ele tinha visto até hoje. Nem Ivane fora capaz de reconfortá-lo tanto ao sorrir... Nem Ivane..."
Sentiu os dedos tremerem desvairadamente, permitindo que a faca escorregasse e caísse no chão.
- MERDA. – gritou. – O QUE É ESSA MENINA? – colocou as mãos nos cabelos. As lágrimas ainda rolavam quentes por sua bochecha. – Por que ela me perturba tanto? – seus olhos se encheram novamente com a lâmina, esticando a mão para voltar a segurá-la. – Eu não posso morrer agora, Iv. Não agora. – sua voz estava inconstante. Talvez se estivesse acompanhado no apartamento, apenas ele mesmo entenderia o que murmurava. – Eu te fiz uma promessa. Não posso ir ao seu encontro sem cumpri-la...
Londres; Oxford Street; Quarta-feira; 5:57 da manhã;
“Jogava uma bola vermelha para a pequena garota de cabelos loiros e enrolados. Ela sorria largamente. O dia estava ensolarado. Nada poderia dar errado...
Ela mandou a bola de volta dando uma risada melodiosa. Luinha segurou-a.
- Pega a bola, hein? – dirigiu-se a menina, que concordou com a cabeça. – Lá vai! – mandou-a um pouco mais forte, para que ela não pegasse. A brincadeira ficava sem graça se ninguém deixasse o objeto cair. Teriam que ser mais competitivas.
A bola voou longe, fazendo a menininha olhá-la e em seguida gritar pra Lua, com uma expressão doce:
- Tudo bem, maninha. Eu vou pegar!
De repente, o sonho ficou escuro...”
- LILY! – gritou abrindo os olhos e sentando-se imediatamente na cama. Estava ofegante e suava frio.
A garota estava com o nariz entupido. Tinha chorado durante o sono.
'Foi um sonho...’ Pensou aliviada.
- Luinha! – Rod adentrou o quarto apavorado, tropicando antes de se sentar na frente da prima e segurar-lhe os ombros. – O que foi? – o garoto usava uma calça de pijama preta com a blusa azul. Seus cabelos estavam bagunçados.
- Eu tive aquele sonho de novo. A Lily, ela... – falava depressa, sendo interrompida por um soluço.
- Shhh, calma. – abraçou a prima apertado, segurando sua cabeça cuidadosamente, porém firme, contra seu ombro. Podia sentir o choro dela molhar sua blusa.
Ele fechou os olhos durante um momento. Respirou fundo enquanto seu coração amolecia. Droga. Por que as coisas tinham que ser daquela forma? Por que Luinha tinha que ter passado por isso? Por que ela não emendava de uma vez e se afastava de Thur? Não tinha medo de sofrer novamente?
A garota murmurava seu nome baixinho, entre soluços e gemidos. Rod sentia-se mais impotente a cada vez que ela fazia isso.
- Calma, minha baixinha. – sussurrou, afagando seus cabelos. – Eu estou aqui.
Luinha apertou as mãos na blusa do rapaz, com o coração ainda acelerado pelo sonho. Talvez aquelas lembranças ruins tivessem sido estimuladas pelos acontecimentos da noite anterior. Pela sua conversa com Avril.
De uma hora pra outra as lágrimas que surgiam não estavam mais relacionadas à pequena menina. Seu choro tomou uma altura mais elevada.
Londres; Greenwich; Quarta-feira; 7:20 da manhã;
- Sop! – ouviu Melzinha chamá-la. Estava dentro do banheiro, olhando trêmula para seu reflexo no espelho. Seus olhos estavam circulados de vermelho e o chão lhe parecia escapar.
Amaldiçoava-se pelo dia que tinha tido a idéia de deixar sua casa, tão bem localizada ao sul do país, para estudar na Highgate. Mas seus pais tinham aprovado a idéia, afinal, era a capital, e tinham toda condição financeira pra arcar com os gastos. Droga. Agora estava nessa.
- Chay já chegou. – a amiga gritou novamente, mas sua voz parecia mais próxima. Mel colocou a cabeça pra dentro do banheiro, observando a garota apertar os olhos com força, escorada sobre a pia.
- Pode ir, Melzinha. Depois pego um táxi. Estou passando mal. – respirou profundamente.
Mel olhou-a preocupada, durante alguns instantes. Depois, entendendo que a menina precisava de um tempo sozinha, assentiu.
- Melhoras, hein?
Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 7:50 da manhã;
- Desculpe se chegamos mais tarde, molengo. – Luinha disse ainda sentada no banco do carona, enrolando nervosamente uma mecha de cabelo com a ponta do dedo.
Teve que passar de leve um lápis preto em torno dos olhos, pra esconder o inchaço causado pelo choro compulsivo.
Rod estava em uma posição mais rígida do que de costume, tirando seu cinto de segurança. Seu cenho franzido indicava preocupação.
- Baixinha... - começou a falar, mas se interrompeu durante alguns segundos. – Tem certeza de que é só a história do sonho que está te incomodando?
Ela engoliu a seco, mordendo o lábio inferior.
- Não quer falar sobre isso?
- Desculpe, Rod, mas eu... – sentiu os olhos queimarem com as lágrimas que estavam se formando novamente.
- Não se force. – abraçou-a de lado. – Vamos. O sinal vai tocar.
Clic. Clic. Clic.
O barulho da máquina fotográfica fez o garoto da pele um tanto amarela e aparência doente dar um largo sorriso. Fotografava um casal que saía de um carro prateado. Mais especificamente, a menina que saia do veículo: Cabelos longos, um belo sorriso e ondas perfeitas nas quais adoraria se afogar. Ela não tinha ido embora. Ele sabia.
- Molengo, pode ir na frente, preciso conferir onde está minha agenda. – parou apoiando a mochila na cintura e abrindo-a.
- Esqueceu os horários? – o primo perguntou um pouco mais leve.
- Esqueci.
- Já sabe o caminho, certo? – arqueou uma sobrancelha.
- Claro. Não se preocupe. – sorriu amarela. O rapaz se curvou pra beijá-la carinhosamente na testa. Seguiu pela calçada no pátio do colégio, rodeada por grama, até as escadas da entrada principal.
Luinha abriu a mochila desajeitadamente, de forma que o pequeno caderno – a agenda – caísse no chão. Soltou um longo suspiro enquanto abaixava-se para pegá-la. Quando começou a voltar a coluna para o lugar, passou os olhos rápida e significativamente a sua volta, fixando-se em um local.
Estreitou os olhos pra poder enxergar melhor. Uma pessoa estava encolhida atrás da escada. Uma pessoa... Que ela conhecia...
Sophia abraçava forte o joelho, enquanto tentava fazer a respiração “cachorrinho”. Seu rosto estava completamente vermelho, seu corpo mole e as lágrimas descontroladas.
Espremia-se contra a parede, tentando ao máximo não ser vista por ninguém. Provavelmente não seria. Nenhum dos alunos costumava chegar tarde na Highgate... Nenhum que se lembrasse.
‘Merda! Por que isso agora? O que eu fiz pra merecer?’ Perguntava-se mentalmente, sentindo falta de ar pela rapidez a qual respirava. Apertou as mãos contra os olhos, desejando mais do que tudo que desaparecesse dali.
- Está tudo bem? – ouviu uma voz serena perguntar. Sophia engasgou com o susto e o choro, virando seu olhar arregalado para uma garota a sua frente.
Cerrou os lábios numa linha, com uma mistura de vergonha e desaprovação. – Você é a amiga da Melzinha, certo? – a menina sentou-se tranquilamente ao seu lado.
Os olhos de Sophia ainda estavam alagados pelo choro, seu corpo inteiro tremia.
- P-por favor. – disse fechando os olhos e respirando fundo. – Não conte a ninguém que me viu aqui.
- Já não estava pretendendo fazer isso mesmo. – Luinha deu de ombros, ajeitando as costas no concreto cinza da escada. – Só achei que talvez você quisesse um ombro pra chorar.
Sop olhou-a durante alguns segundos, sendo consumida pelos sentimentos e enterrando seu rosto no ombro de Lua. Começou a chorar alto. Nada a impediria de expelir aquela dor que sentia no peito.
- Shhh... – a menina abraçou-a pelo lado, reconfortando-a. – Vai dar tudo certo.
- Não, não vai. – devolveu um pouco esganiçada, gemendo com a tristeza.
- Como pode saber?
- Como você pode saber? – tirou o rosto de cima do ombro da garota. – Você nem me conhece.
- Mas eu conheço alguém que a ama muito. – Lua ainda não havia perdido seu tom tranqüilo. Apesar de também estar entupida de problemas e sofrimentos, compreendia que o desespero maior agora era da menina sentada ao seu lado. – E não há como tudo ser ruim quando temos alguém que nos ama. O mundo fica... Melhor...
- Desculpe-me, moça. – Sophia riu irônica. – Mas ainda não encontrei esse alguém. Provavelmente nunca mais vou encontrar. – cuspiu as palavras, com raiva.
- Óbvio que vai. Nem está tão difícil de achá-lo quanto você pensa. – Lua olhou através da garota, para um rapaz que chegava atrasado, desajeitado. Seu cabelo estava bagunçado, a gravata frouxa e corria desengonçadamente. Seu rosto pálido e assustado a reconfortava. Apesar do pouco tempo que estava na escola, já podia considerá-lo um amigo. Como o menino realmente era.
Apontou-o pra Sophia com o queixo. Ela virou seu rosto devagar, para ver a quem se referia.
mica.
- Está louca. – deu outra risada um tanto histérica, enquanto o rapaz entrava na escola sem as perceber ali. – Ele seria a última pessoa do mundo que me amaria.
- Não é o que parece. – sorriu levemente. – E eu sei que não é assim.
- Você não sabe de nada sobre mim. – Sophia respondeu grosseira. Depois engoliu a fala, arrependendo-se de como tinha saído seu tom. – Me desculpe. Mas você nem sabe meu nome.
- E qual é? – ainda espelhava paz.
- Sophia. – disse sem graça. – E o seu é Lua. – completou.
- Não sabia que era famosa assim. – Luinha disse numa tentativa de bom humor, mas ela sabia muito bem que seu estado de espírito era incapaz de acompanhar sua tentativa.
- Mel fala muito de você. – observou a paisagem a sua frente, passando os olhos devagar pelas quadras e pelo ginásio poliesportivo.
- Ela sabe o motivo do seu choro?
- Ninguém sabe. – Sophia apoiou-se nos calcanhares, impulsionando-os e ficando de pé rapidamente.
Com a rapidez de seus movimentos, seu estômago embrulhou e sua vista escureceu-se, fazendo-a perder o equilíbrio. Prendeu a respiração, já prevendo que se chocaria fortemente contra o chão, mas antes que isso acontecesse, sentiu dois braços firmes mantendo-a de pé.
- Eu sei que você está chateada, mas vamos com calma, ok? – Luinha disse com o cenho franzido de preocupação, segurando a garota pelo braço.
Sophia olhou-a agradecida e suplicante ao mesmo tempo. Seus olhos ainda estavam lustrosos e as pernas moles. Seu estômago embrulhou ainda mais ao ver a expressão do rosto de Lua. Tão pura, tão lisa, tão... Familiar. Sentiu o diafragma se contrair.
- Meu Deus. – Luinha disse falha, ao ver a garota se curvar pra frente. – Vamos procurar um banheiro. Urgente.
Apoiou-a com o braço, andando apressadamente até o banheiro do ginásio. A senhora Campbell as deteria se tentassem entrar pela porta da frente, e ao invés de ir ao banheiro, teriam que responder ao atraso na diretoria.
Os passos de Sop e Luinha estavam sincronizados enquanto pisavam na grama. Uma das garotas estava com a expressão séria e um tanto aflita. A outra empalidecida e assustada.
Rod e Chay levantaram-se de suas carteiras quando foi dada a permissão do professor. Naquele dia teriam uma palestra qualquer na sala de vídeo.
Já esperavam que fossem duas horas desperdiçadas com um assunto maçante que viam desde o primário. Algo como: “Aquecimento Global” ou um Power Point mal feito com o título “Não Use Drogas”. Será que os professores nunca se dariam conta que eles lecionavam na Highgate? Será que nunca se dariam conta de que palestras azucrinantes repetindo sempre as mesmas coisas: ‘Não fume’, ‘Não use sacolas de plástico’, ‘Não use drogas’ e ‘Não se envolvam com marginais’, simplesmente nunca seriam realmente eficazes com os alunos daquela escola?
- Estou pensando em roubar a Melzinha esse final de semana. – Chay disse abrindo um sorriso discreto, enquanto seguiam a massa de alunos pelo corredor. Senhor Walker estava logo atrás deles.
- E deixar a Sop sozinha no apartamento? – Rod e Chay sentiram alguém os abraçar por trás. Pela grossura nem tão fina dos braços e o cheiro de desodorante que se espalhou pelo ambiente, concluíram de quem se tratava. – Show.
- De onde você surgiu, peste? – Chay resmungou, empurrando o braço do amigo.
- Se quiser eu explico. – mica limpou a garganta. – Um belo dia papai e mamãe não tinham nada de bom pra ver na televisão. Então resolveram fazer algo que não vai ser muito diferente do que você aprontará com a Melzinha esse final de semana...
- Era pra ser uma piada? – Rod estreitou os olhos.
- Não teve graça? – os dois rapazes rolaram os olhos. – Ok, eu digo de onde surgi: A palestra hoje é pra turma C e D.
- Aumentaram a zona de tortura, é? – Rod disse rabugento, depois olhando para os dois amigos um pouco avoados. – Droga, gente. – protestou. – Detesto quando vocês arrumam algo realmente interessante pra fazer no final de semana. Eu fico me sentindo meio...
- Encalhado? – mica sugeriu.
- Em palavras grosseiras – ressaltou. –, sim.
- Você tem a Lua vinte e quatro horas por dia dentro de casa. – Chay comentou. – Não sei do que está reclamando.
- É, dude. – mica balançou a cabeça afirmativamente. – Aproveita pra já dar aquele ‘approach’.
- Deixem de ser ridículos. – impacientou-se. – A Luinha pode ser o quão gata e gostosa Deus quiser, mas ela é minha prima mais nova.
- Eu já peguei minha prima. – Micael deu um sorriso pervertido.
- O que não significa que eu vá pegar a minha. Além do mais... A Luinha tem namorado, e eu não pareço ser o tipo dela. – suspirou, colocando as duas mãos nos bolsos.
- Então quem é? – Chay perguntou.
A porta de uma das salas mais a frente abriu-se devagar, e logo um garoto com a silhueta conhecida saiu por ela. Seus ombros largos e olhos opacos faziam alguma parte do cérebro de Rod entrar em estado de alerta. Ele não prestava.
Thur olhou os três rapazes que andavam pelo corredor de relance. Estava como sempre: Mangas arregaçadas, gravata frouxa, cabelo bagunçado. Soltou um suspiro pesado ao sentir a expressão de cada um dos garotos sobre si: Rod desconfiado e com a feição um tanto colérica, mica sorrindo largamente, como se o cumprimentasse, e Chay inexpressivo, nem contra, nem a favor de sua presença.
- Ele. – Rodrigo rosnou quase imperceptivelmente, pouco depois de já terem passado porArthur.
- Não vejo muito problema com isso. – Micael deu de ombros. – Ele é o meu ídolo.
- Só porque ele te salvou de um assaltante não quer dizer que ele seja uma boa pessoa,mica.
- Ele ofereceu o Audi dele por mim. – o menino disse ainda maravilhado. – Tem idéia de quanto custa AQUELE Audi?
- Grande parte dos alunos dessa escola tem carros com o mesmo preço. – Chay intrometeu-se.
- Mas quantos o ofereceram por mim? Hein? Hein? Hein? – mica levantou o dedo indicador. – Além do mais, ele já não salvou a vida da Luinha uma vez? Você deveria estar agradecido,Rod.
- Eu simplesmente não consigo me acostumar com a idéia de que ele seja o mocinho. – mordeu nervosamente o lábio inferior.
- Dizem que o lobo-mal também se esconde em pele de cordeiro. – Chay deu um sorriso divertido com sua comparação.
- E está pronto pra atacar a ovelhinha.
Adentraram a sala de vídeo passando os olhos rapidamente pelo local e observando o título do Power Point projetado na parede.
“Sexo Consciente”. Já deviam imaginar...
- Por favor. – Sophia dizia em um tom desesperado, dentro de uma das divisórias do banheiro. Lua estava atrás da garota, segurando seus cabelos e com o olhar pesado. – Por favor, não conte isso pra ninguém. – ainda chorava, com o rosto em cima do vaso sanitário e um dos braços escorado na parede de ladrilhos. – Minha vida vai acabar.
- Pare de se dizer isso o tempo todo. Sua vida não vai acabar. – expirou rapidamente, um pouco irritada. – Você fala como se isso fosse algo ruim.
- É algo péssimo. Imagine se fosse com você!
- Claro que eu ia ficar assustada a princípio... – olhou o nada, cogitando a hipótese. – Mas depois ia acabar aceitando e gostando da idéia.
- Minha vida acabou. – Sop deu um gemido alto. – Obrigada por estar aqui, Luinha. De verdade. Não sei o que seria de mim sem você.
Lua comprimiu os lábios durante alguns segundos, permitindo que sua mente viajasse até determinada pessoa.
mica.
Imagine se ele soubesse...
Londres; Highgate High School; Quarta-feira; 4:42 da tarde;
A aula de educação física estava sendo um desgaste. Talvez isso se devesse ao fato de queLua não conseguia tirar da cabeça do ocorrido com Sophia – que no momento, já estava em casa.
Tinham ficado no banheiro feminino até metade do segundo horário, quando por fim, a senhora Campbell as encontrou.
A diretora deu permissão pra que Sophia voltasse para casa, e quanto a Luinha... Bem, ela teve que voltar às aulas, por menos que conseguisse prestar atenção. Fosse pelo problema de Sophia, ou por seu próprio problema...
Enquanto as meninas davam mais duas voltas correndo na quadra, Luinha dirigiu-se até a treinadora, pedindo sua permissão pra ir tomar água. Não que estivesse com muita sede. Não estava. Queria respirar ar fresco, colocar as idéias no lugar. Pensar sobre Sophia e, talvez com mais urgência, em Nick...
Ajeitou o pequeno short preto enquanto caminhava até atrás do ginásio. Seu coração estava apertado e um turbilhão de pensamentos infestava sua cabeça como um enxame de vespas. Pensamentos ruins. Contornou a parte de trás do ginásio, que agradeceu a Deus por estar vazia. Deserta.
Caminhou até o bebedouro, escorando suas costas na superfície áspera da parede ao seu lado e permitindo que seu corpo escorregasse devagar. Luinha encaixou a cabeça entre os joelhos, e deixou que as lágrimas rolassem.
Nick estava namorando. Namorando alguém que não era ela. E ainda uma das meninas que era sua amiga no Brasil. O pior nisso? Já fazia algum tempo. Ele não havia nem esperado que ela se acomodasse na Inglaterra. Droga.
Lua afogava-se nas imaginações dele com outra garota. Abraçando outra garota. Beijando-a. Suas lágrimas ainda rolavam e alguns gemidos abafados começavam a sair por sua boca. Por que teve que se apaixonar por aquele idiota?
Continuou assim por um tempo, até ouvir um assobio que, a princípio estava distante, mas começava a se aproximar. De uma hora pra outra, o som estava próximo demais para que ela pudesse se recompor a tempo da pessoa não vê-la.
Thur admirou a garota que abraçava os joelhos. Seus cabelos estavam jogados de qualquer forma pelos ombros, enquanto seu rosto escondia-se entre as pernas. Seus ombros balançavam pra cima e pra baixo como se ela estivesse... Espera. Ela estava chorando?
O coração de Arthur bateu pequeno ao ver a cena.
- Oi. –disse sem encará-la, tornando sua visão para o bebedouro.
Luinha virou seu olhar para ele com os olhos e o nariz vermelhos.
- Ah, ótimo. – disse irônica. – O que você quer agora? Assaltar minha gominha de cabelo?
- Não seria uma má idéia. – ele devolveu a risada. – Vejo que está de mau humor. – aproximou a boca da água que saia da máquina.
- Desculpe. Não consegui me igualar ao mestre. – a garota rolou os olhos impacientemente.
Arthur deu uma risada com gosto, olhando para ela e seguindo em sua direção. Lua sentiu-se desconfortável ao vê-lo sentar ao seu lado.
Ficaram um momento em silêncio. Thur encarava o vazio. Luinha tentava normalizar sua respiração.
- Há algumas pessoas... – o rapaz quebrou o quieto momento. – Que combinam com a solidão. – Lua reergueu a coluna, começando a olhar para frente e a prestar atenção nas palavras de Thur. Sua voz estava terna e constante. - Esse é o meu caso. Há pessoas que combinam com a tristeza. Com a saudade... E olha! – fingiu surpresa. – É o meu caso também... Há pessoas que combinam com as lágrimas. E esse, definitivamente, não é o seucaso.
Luinha deu uma risada baixa e sem humor.
- Esse foi seu jeito de pedir pra eu não chorar? – Arthur esboçou um sorriso ao ouvi-la dizer essas palavras.
- Funcionou.
- Eu vou voltar a chorar assim que você sair daqui, Aguiar. Não se dê ao trabalho.
- E quem disse que eu vou sair daqui? – fez sua cara desafiadora.
- Por que não sairia? – a garota arqueou uma sobrancelha, virando seu olhar pra ele durante um momento.
Arthur ficou alguns segundos em silêncio, ponderando algum pensamento e fazendo com que seu aspecto ficasse sério novamente. Delineou um sorriso frouxo e respondeu:
- Porque você voltaria a chorar.
Lua fechou os lábios lentamente, ao mesmo tempo em que respirava fundo. Seu coração bombeou como se estivesse sendo acariciado, lhe trazendo uma sensação boa. O rapaz permanecia imóvel ao seu lado.
Olhou-o pelo canto do olho. Arthur nunca havia lhe parecido tão próximo e tão distante ao mesmo tempo. Tão inalcançável.
- O amor às vezes trai a gente. – comentou.
- Por que diz isso? – Thur contemplou a posição da garota: abraçando os joelhos e com o rosto um pouco assustado.
- Lembra que... Uma vez eu disse que estava apaixonada por um rapaz do Brasil? – ele assentiu inexpressivo. – Ele era meu namorado. Nick. Já estávamos juntos há mais de um ano... E eu... Bem, eu realmente gostava dele. – seus olhos encheram-se d’água. – Ele não concordou quando eu disse que viria pra Inglaterra. Mas eu prometi que não iria esquecê-lo enquanto estivesse no exterior... Pensei que a promessa valeria pra nós dois... – uma lágrima fugiu de seu olhou direito.
- E ele te decepcionou. – concluiu.
- E ele me decepcionou. – sorriu fracamente, concordando. – Ele está namorando uma garota que era minha amiga no Brasil. E já faz algum tempo.
A mente de Luinha fazia projeções do rosto do ex-namorado. Do rosto fino e elegante de Nick. De suas feições que tinham ficado impregnadas em seu cérebro.
- Ele nem esperou que eu me acomodasse aqui. – soluçou, parando de tentar lutar contra as lágrimas, que já vinham em série.
A menina colocou-se de pé apressadamente, apertando as mãos contra os olhos.
Lua não queria que Arthur a visse desabar. Seria a ruína de sua pose de ‘corajosa’. De ‘desprendida’.
Seus joelhos fraquejaram na mesma hora que teve a idéia de correr. Mas esse pequeno problema não a impediria de sair dali. Não mesmo. Aguiar não a veria chorar. Não podia ver. Impulsionou o corpo com força pra frente, esperando que se impulso fosse o suficiente pra que ela saísse do lugar. Seus olhos ainda estavam espremidos. Ela os abriria assim que sua corrida fosse consumada.
Assim que seu pé encostou-se ao chão e estava pronta pra tomar velocidade, seu corpo foi impedido por uma força maior, puxando-a pelo braço no sentido contrário.
Os milésimos de segundo que se passaram foram um tanto confusos pra ela. Estava prestes a começar a correr quando sentiu algo agarrar-lhe o braço. Os momentos depois disso foram vagos: viu a paisagem girar ao seu redor enquanto retrocedia rapidamente, sendo puxada. Tudo pareceu apenas um borrão, até que seu olhar se fixou numa superfície branca que estava cada vez mais próxima. Mais próxima e mais próxima, até que seu rosto se enterrasse sobre ela. Era macia.
Quando deu por si, dois braços fortes se fechavam a sua volta. Quentes e protetores. Acolhendo-a como se quisessem escondê-la de algum perigo, ou apenas acamá-la. ArthurAguiar a havia puxado para um abraço.
Um abraço.
- Finalmente em meus braços. – Thur sussurrou, fazendo-a arrepiar. Puxou Lua ainda mais pra si, mas receando que pudesse sufocá-la.
Seu receio esvairou-se quando sentiu as duas mãos da garota espalmarem-se em suas costas, retribuindo o abraço repentino.
- Obrigada. – a voz de Luinha saiu abafada pela camisa branca do rapaz.
Ele não respondeu nada, apenas saboreando as batidas arrítmicas de seu coração.
Kimberly tinha matado a aula de educação física pra molhar a garganta com cerveja, em um bar perto da escola. Caminhava despreocupada pela calçada do colégio, quando algo lhe chamou a atenção. Um casal.
Esfregou os olhos uma vez, pensando ver uma miragem. Quando percebeu que se tratava da realidade, esboçou um sorriso maldoso:
- Dejavú?
Escrita por : Lan
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