[N/A]: Se quiserem colocar pra carregar a música Save You, do Simple Plan, fiquem a vontade. ;)
Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 7:40 da manhã.
Lua saiu do Civic prateado naquela manhã ajeitando seus cabelos soltos e passando os olhos ao redor. Já tinha se acostumado com o clima da Highgate. Com o astral das pessoas. Mas naquele dia, justo naquele dia, parecia que algo estava diferente na atmosfera do colégio. Talvez fosse o fato de que Arthur Aguiar a encarava com um sorriso nos lábios, escorado no Audi preto. Talvez fosse o fato de que Scott e Bennet estavam tão ocupados atazanando outra menina que nem perceberam sua chegada. Talvez fosse o semblante triste no rosto de Duan ao lhe acenar.
É, isso tinha doído.
Ela nunca quis ser a causadora de qualquer tipo de desapontamento. Principalmente a um garoto tão especial.
Lua respirou fundo virando seu rosto em outra direção, para que suas reflexões sobre Duan não se aprofundassem. Não suportaria pensar em tê-lo rejeitado. Se pensasse nisso, automaticamente sua mente encontraria a noite de sábado. Rejeição. Rod. Quarto. Beijo. Ok, tarde demais. Ela já tinha se lembrado da noite de sábado.
Mais estranho do que ela ter beijado o próprio primo e esse ter praticamente dito que tinha sentimentos por ela, era que ele não ligava. Ele não ligava.
Rod agia como se estivesse numa felicidade plena. Como se nada daquilo tivesse acontecido, ou como se tivesse acontecido mais do que aconteceu.
Lua não sabia ao certo descrever, mas parecia que ele estava... Satisfeito.
Ela era a única se importando com o que acontecera. Provavelmente ele não percebia quando ela refletia sobre o beijo, mas isso estava acontecendo frequentemente.
E era normal. Ela sabia que era normal. Seus sentimentos com relação a ele tinham sido todos misturados em uma sopa e agora precisavam de resgate. Ela os estava resgatando. Um por um. Devagar, mas estava.
Sabia que nunca poderia apagar o ocorrido, mas, no fim das contas, não tinha sido uma experiência ruim de forma alguma. Foi excelente. Excelente porque agora sabia exatamente o que sentia por ele.
Assim como esperava que ele soubesse o que sentia por ela.
Ele sabia.
Antes que ela pudesse refletir sobre mais alguma coisa enquanto caminhava pelo gramado do colégio, seus olhos foram atraídos para uma das mesas de concreto que ali havia.
Sophia estava lá, sentada com um sorriso frouxo, murcho. Luinha poderia jurar que nunca tivera visto algo assim em toda vida.
Nenhum sorriso tão murcho... Tão fraco. Nada que é fraco poderia ser chamado de sorriso.
Seu coração apertava só de olhar para ela. Aquela menina tinha mais tristezas guardadas no peito do que ela sequer um dia poderia imaginar. A única coisa que fez os pensamentos de Lua se acalmarem foi um garoto magro, sentado encolhido ao lado das escadas da escola.
O mesmo olhava para Sophia com olhos tristes. Mas não com olhos de decepção. Com olhos de amante. Tinha aquele olhar que só um amante poderia ter. Que só um amante poderia lançar ao seu amado.
- Luinha, tenho que ir à secretaria. – Rod murmurou, ao seu lado. – Desculpe não poder te levar pra sala hoje, baixinha. Se cuida. – beijou-lhe a testa, como fazia normalmente.
Ela sorriu, e assim que o primo se afastou, voltou a olhar pra mica e seus olhos de amante.
Como alguém assim poderia trair? Como um menino tão ingênuo e apaixonado quanto ele poderia sequer pensar em trair a garota que ama? Porque ele amava. Oh, sim, amava. Isso era uma coisa que ele nunca poderia negar. Se seus lábios dissessem o contrário, seu corpo imediatamente diria outra coisa.
Lua se recusava a acreditar que alguém como o Borges poderia enganar outra pessoa. Ele não se encaixava na mesma laia do... Nick. Não mesmo.
No momento em que pensou sobre isso, uma dúvida foi acesa em seu peito. Uma dúvida que já estava adormecida por um tempo, mas que sua sede precisava ser saciada antes que se tornasse perigosa.
Mas o que Luinha podia fazer? A curiosidade sempre tinha sido um de seus piores defeitos... E uma de suas melhores qualidades.
Caminhou até ele, observando o caderno de rascunhos que ele rabiscava concentradamente. Tão concentradamente que nem percebeu quando ela se aproximou.
Luinha ouviu-o balbuciar algumas palavras enquanto alternava seu olhar do que estava escrevendo para Sophia. Algumas palavras que passaram a ter um sentido mais nítido quando ela se sentou ao lado do garoto.
- Eu nunca quis que tudo terminasse desse jeito... Mas você consegue pegar o céu azul e transformá-lo em cinza.
Lua moveu a mão esquerda próxima a mica, testando se ele tinha alguma reação e notava sua presença. Mas não obteve resultado.
Como alguém podia ser tão pateta a ponto de não notar uma pessoa sentada ao seu lado? Ah claro, porque o amor deixava todos patéticos.
Ela sorriu ao perceber que essa era a única razão para tal falta de atenção. Amor.
Amor. Amor... Amor? E era aí que aquela dúvida acendida há poucos minutos voltava a arder.
Com a intenção de atrair a atenção do menino, Luinha puxou o caderno de rascunhos que estava nas mãos de mica para si. Assim que ele voltou seu olhar para a garota exclamando um “Hey!” indignado, ela lhe lançou um sorriso maroto. Micael suspirou ao ver quem era, depois sorriu meigo.
- Oi, Luinha.
- Oi. – ela respondeu com uma animação que não foi retribuída pelas feições do rapaz. Ao perceber o quão perturbado ele estava, a garota olhou o caderno de rabiscos, onde algumas frases estavam escritas numa caligrafia garranchada. – O que é isso?
Os olhos de Micael arregalaram ao vê-la lendo o conteúdo daquelas páginas. Sem pensar duas vezes, tomou o objeto de volta.
- Nada! Não é nada...
- Ah, qual é, mica! Deixa de ser criança. – Luinha ficou emburrada, forçando um bico. – Me mostra. Qual o problema?
- O problema é que você vai rir. – ele explicou devagar, fechando o caderno e segurando-o firme contra o peito.
- Rir? Eu? – ela debochou, apesar de saber que, se houvesse motivo, ela seria a primeira em uma multidão a achar graça. – Tenho cara de palhaça ou o quê?
- Não... Não é isso. É que... – ele, que tinha desviado os olhos por um momento, voltou a olhá-la. – Tudo bem. – suspirou derrotado. - Isso é uma... Uma música... Ou o esboço de uma.
Uma música? Certo. Isso era mais interessante do que ela havia pensado.
- E eu posso dar uma olhada? – perguntou esperançosa.
- Não está muito boa. – ele estava completamente sem graça. - Quer dizer, não está terminada. Ainda faltam algumas partes e provavelmente você vai achar estúpido...
- Nada que venha do coração pode ser considerado estúpido. – Luinha voltou a lhe sorrir. – Eu não sou boba, mica. Sei quem é a musa inspiradora.
- Rod anda falando demais...
- Não é o Rod. Qualquer um que tenha olhos nesse lugar pode ver isso. Ah, mas claro, a Highgate é como dizem: “em terra de cegos, quem tem olho é rei”.
- Isso é um ditado ou uma forma indireta de dizer que você é a rainha da escola? – ele riu baixo, seguido por ela.
- Você está ótimo. Já está até fazendo piadas!
- É...
- E aí, vou ler ou não? – voltou a perguntar piscando mais depressa, numa tentativa de induzi-lo com uma cara fofa.
O garoto apenas riu.
- Vai. Lê. – entregou o caderno a Luinha. – Mas se você der risada, uma risadinha que for, eu... Sei lá... Tomo o caderno da sua mão.
- Okay, menino das ameaças. Calma lá. – ela brincou, abrindo na primeira página.
Apesar de não saber exatamente o porquê, o coração de Lua acalentava cada vez mais à medida que lia aquelas palavras. Qual é! Eram só palavras. Palavras...
A questão era essa, ela pensava. Não eram só palavras escritas. Eram sentimentos. Era o que mica sentia a respeito de Sop, todos os pensamentos traduzidos em formato de versos.
- Eu parei aí porque não sabia como continuar. – ele falou baixo, coçando a cabeça como se estivesse envergonhado. – Na verdade, não sei de muita coisa. Saber não é o meu forte. Eu apenas sinto. E não gostaria que ninguém se sentisse assim...
- “Não desejaria que ninguém se sentisse como me sinto”.
- O quê? – perguntou confuso.
- A frase. Para terminar essa parte. – ela explicou. - Não desejaria que ninguém se sentisse como me sinto.
- Obrigado, Luinha. – Micael sorriu. – Minha cabeça está mais bagunçada que minha gaveta de meias. Não sei como lidar com isso...
Lua se calou, apenas analisando a expressão chateada do amigo.
- Você a ama? – perguntou de repente.
- Como?
- Você a ama? Ama a Sophia?
Apesar de ter sido pego de surpresa pela pergunta, mica não tinha dúvida alguma quanto a isso.
- Diabos... – sussurrou pra si mesmo. – Amo. Ainda a amo com todas as minhas forças. Mas aSop não me quer na vida dela. Ela prefere ficar com um babaca do time de natação a ficar comigo. Ela prefere achar que ele é o... – os olhos do garoto ficaram vermelhos com alguma lembrança, mas com um suspiro, ele se recompôs. – Deixa pra lá. Talvez ela esteja certa. Talvez eu não mereça estar ao lado dela...
Ah, sim. Borges tinha acabado de abrir a brecha perfeita para Luinha colocar seu plano em prática.
- Por que não mereceria? – ela fez sua melhor cara de compreensão e desentendimento.
‘Lua Marques, como você é falsa’, ela pensou consigo mesma.
- São coisas que... – ele se deteve. Depois de olhar para a menina ao seu lado por alguns segundos, prosseguiu. – Por favor, não deixe isso sair daqui. – ‘Bingo!’ quase sorriu ao consentir. – Foi há mais ou menos um ano...
E antes que mica contasse sua parte da história, Lua se sentiu satisfeita consigo mesma em ter chegado justamente no ponto em que queria com tudo aquilo: a versão dos fatos deMicael Borges.
Sabia que ele não tinha culpa e queria, com uma vontade assustadora, provar isso.
Apurou seus ouvidos para que nenhum detalhe daquele relato lhe escapasse. Qualquer coisa, por menor que fosse, poderia ser útil mais tarde, quando ela investigasse a respeito.
- Sei que você sabe como eu gosto do Mark’s. – ela concordou. – Costumo ir lá vez ou outra, quando tenho que esfriar a cabeça ou pensar sobre algo importante... Muitas vezes a bebida me ajuda. Me ajuda a esquecer, ou simplesmente clarear minha mente.
“Eu estava decidido a dar um anel de compromisso pra Sop, aquela noite. As minhas expectativas quanto às reações possíveis dela estavam me fazendo pirar... E quando eu digo pirar, eu falo sério. Eu ensaiava diálogos em frente ao espelho. Sabe o quão tosco é isso?
Meu amigo Jack Daniels me daria coragem para entregar o presente. E foi aí mesmo que as coisas começaram a ficar... Confusas.
E a culpa não foi do Jack.
Kimberly estava lá. Na época a vadia ainda usava cabelo grande. Lembro como se fosse ontem. Ela sentou do meu lado no bar, e nós começamos a ter uma conversa casual sobre... Sobre qualquer coisa.
Ela se ofereceu pra me pagar uma bebida e claro, eu não recusei. Me arrependo amargamente disso até hoje...
Depois dos primeiros dois goles, só tenho lembranças de duas horas mais tarde. E mesmo assim, apenas flashes embaralhados.
Sophia me olhando com cara de nojo e gritando algumas coisas que, na hora, me pareceram desconexas. Eu no meu quarto. Kimberly ao meu lado.
Acho que nunca vou realmente saber o que, diabos, ela estava fazendo lá... Bem, a Sop imagina. E as evidências denunciam.
Mas alguma parte de mim sabe que é impossível. A Kimberly só pode... Sei lá... Ter me estuprado!
Eu não fiz aquilo. Não faria aquilo com a Sop. Mas como explicar isso a ela? Como explicar que eu não sou o canalha que ela acha que sou? Eu não tenho provas! Aliás... Ela já teve provas mais do que o suficiente do contrário. – os olhos de mica se encheram d’água. - Se passou um ano,Luinha. Um ano! Eu nunca tive olhos para nenhuma outra menina. Nenhuma despertou meu interesse. Não depois da Sophia. É como se eu tivesse experimentado do melhor vinho, e agora qualquer outro que eu prove nunca será bom o suficiente. Ninguém, fora ela, nunca vai ser o suficiente pra mim. Mas eu não sou o bastante. Isso é tão... Perturbador! – as lágrimas que continha agora rolavam deliberadamente por seu rosto. - Às vezes prefiro voltar a ser o nerd idiota que apenas sonhava em tê-la, a ser o nerd idiota que a perdeu.
Eu venho tentado provar isso a ela desde que nos separamos. Venho tentado provar que nunca seria capaz de fazer algo assim. Que eu a amo. Mas a Sophia se recusa a me escutar e barra todas as minhas tentativas de tentar reparar as coisas.
Eu estou cansado desse jogo. De lutar e não obter uma resposta favorável. Nem um sinal!
Sei que ela já tentou me mostrar de muitas formas que tudo entre nós estava terminado, mas eu sou um grande teimoso, nunca acreditei. Agora essa verdade está entrando na minha cabeça. Empurrada, mas está. E isso está me matando.
Afinal, nem que seja por um momento, eu a fiz feliz? O que ela quer de mim, afinal?” – Micael soluçou, só então escondendo seu rosto já vermelho entre os joelhos.
Lua observou-o com os olhos também marejados. mica falava como se estivesse suportando uma dor física, não apenas emocional.
Mas que conexão havia entre os fatos? Kimberly poderia tê-lo dopado, porém como ninguém tinha percebido? Como ela o levou até em casa? Como tinha conseguido armar toda aquela cena? E ainda para Sophia ver... Com que propósito, se ela sabia, pois é claro que sabia, que mica nunca ficaria com ela depois daquilo?
Não era por amor. Com certeza não era.
Se realmente foi algo planejado, havia sido algo ardilosamente programado, que a mente estreita de Kimberly parecia incapaz de tramar.
Percebendo que as oscilações das costas de Micael estavam aumentando, de forma que seus soluços também, Luinha não conseguiu pensar em ter outra reação a não ser acariciar seus cabelos.
Lembrou-se de quando era pequena e que sua mãe costumava a fazer isso nas noites em que tinha pesadelos. Ela passava a mão em seus cabelos. Era um carinho simples, mas praLua sempre fora eficaz.
Acariciou mica durante vários minutos, até que o choro do rapaz finalmente cessou, momentos antes de tocar o sinal da escola.
- Se sente melhor? – ela perguntou. Em sua bochecha tinham desenhadas as trilhas que algumas lágrimas fizeram, enquanto ela observava o amigo chorar.
- Obrigado, Luinha. – ele limpou o rosto. – Nunca vou saber como te agradecer por isso.
- Mas eu vou. – E vendo a cara de interrogação do menino, ela disse: - Apenas sorria. Um sorriso verdadeiro seu terá feito tudo valer a pena.
- Prometo que vou tentar.
Ela se levantou. Bateu as mãos atrás da saia para limpá-la e, sorrindo, estendeu as mãos para mica, de forma a ajudá-lo a se levantar.
Quando o garoto ficou de pé, pôde observar o pátio da Highgate praticamente vazio.
- Então, senhor compositor, melhor correr pro banheiro rápido antes que sejamos barrados pelo atraso.
Micael concordou, mas antes de se afastar, puxou Lua, envolvendo-a em um forte abraço.
- Obrigado.
Ela sorriu.
- Vai lá.
Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 8:07 da manhã;
Lua chegou à sala de aula colocando seus livros no lugar de costume, na primeira carteira do canto esquerdo. Tinha dado uma passada no banheiro para lavar o rosto molhado de lágrimas e retocar o lápis de olho.
Não queria que ninguém a perguntasse sobre o porquê do choro. Não diria a verdade, mas também estava cansada de mentiras.
Seus pensamentos foram todos desviados para alguns livros que batiam contra a carteira do seu lado.
‘Ah, ótimo’, ela pensou ironicamente, apesar de no fundo saber que gostava da situação.
- Vejam só quem resolveu aparecer. – Thur disse com um risinho no rosto.
- Vejam só que resolveu sentar do meu lado... De novo. – Luinha provocou.
- Okay, Marques. Você me pegou nessa.
Arthur se acomodou na cadeira, depois virando o corpo em direção a ela.
- Por que tanto bom humor? – Lua quis saber.
- Não posso?
Ela revirou os olhos e sorriu.
- Sabia que você ia falar algo assim. Claro que pode. Mas eu quis dizer... – pigarreou. – Você descobriu alguma coisa sobre aquele garoto... – sussurrou. - O Gerald?
A expressão de Thur se alterou completamente, de um sorriso leve para um semblante sério.
- Ele tinha várias fotos suas – começou a falar, também num sussurro. – na câmera fotográfica. Parece que ele vinha te espionando há já um tempo... Esse garoto não tem nenhuma sanidade mental. Ele perseguia você. Assim como perseguia Ivane.
- O que quer dizer?
- Ele tinha fotos dela na máquina também. Inclusive fotos do dia em que ela foi... – ele tentou prosseguir, mas não conseguiu.
Depois de tanto tempo, ele ainda não conseguia completar essa frase. “Assassinada”. Não conseguia falar em Ivane no passado sem se sentir mal. Não conseguia simplesmente falar nela como se ela... Não existisse.
Ela não existia. Não mais.
- Entendo... – Lua falou, refletindo sobre o assunto. – Você acha que ele tem alguma coisa a ver com o assassinato?
- Talvez.
Ele respondeu seco, cortando o assunto.
Ambos se viraram para frente quando o professor Walker pediu a atenção de todos. Mas apara o azar do professor Walker, ou deles mesmos, a mente de cada um vagou para um lado diferente.
A de Luinha partiu para o lado das suposições: “e se ele fosse o assassino?”, “e se ele quisesse a matar?”, “e se Ivane ainda estivesse viva?”. E foi aí que seus pensamentos pararam.
E se ela estivesse viva?
Arthur com certeza estaria com ela. Estaria com ela como um namorado apaixonado, e Lua seria uma estranha no colégio, apenas os observando de longe e se perguntando: “e se fosse com ela?”
Será que ela e Thur se falariam? Não. Muito provavelmente não. Será que... Será que ela se apaixonaria por ele?
Talvez, se nada disso tivesse acontecido, ela estaria apaixonada por seu primo... Ou pelo Duan. Mas a questão é que não se pode fugir das circunstâncias.
Ela abraçou o próprio corpo, querendo afastar e sua mente qualquer imaginação que a fizesse pensar em Thur e Ivane. Juntos. Se amando.
Arthur analisava toda e qualquer memória que tivesse a respeito de Gerald. Já tinha visto o menino algumas vezes. Perto de Luinha. Perto de Iv. Mas mesmo assim, não conseguia ligar a ele aquele assassinato.
Gerald não parecia o tipo de menino que agia. Parecia apenas o tipo de menino que espreitava.
E quem muito espreita, pouco age.
Thur sabia disso.
Mas caso não fosse assim, caso descobrisse que Gerald era o assassino, teria que levar a cabo a promessa que fizera a Ivane.
E foi pensando nisso que sua mente vagou até tão fatídico dia...
“Por mais que tentasse, naquele sexta-feira à noite, Arthur não conseguia parar de gritar por ajuda. Não conseguia guiar sua mente até uma solução, ou qualquer coisa útil que pudesse dizer ou fazer naquele momento.
Ele estava programado para gritar. Programado para se desesperar.
Ali, sentado no ladrilho frio do banheiro e abraçando o corpo já mole de Ivane, não conseguia imaginar outra coisa que não fosse maneiras rápidas e eficientes de tirar a própria vida.
Seus olhos alternavam do rosto assustado da amada, que ainda respirava, para a mancha vermelha na altura de seu peito, na camisola cor-de-rosa.
O sangue de Ivane jorrava quente em seus braços, sujando o chão e a porta do ambiente, deixando aquele lugar a cena perfeita de um crime.
- Iv!... Ivane! Por favor, Iv, não vá embora. – Ele gritava.
A garota o olhava com a respiração descompassada, como se quisesse lhe responder alguma coisa, mas não conseguia falar. Não conseguia se mover.
Ela sentia que a vida estava indo embora dela. Saindo dela através de seu peito perfurado.
- Iv, por favor. – Thur levantou o tronco da menina, envolvendo-a em um abraço.
Eram tantas as coisas que queria dizer naquele momento que nem se importava com a altura de seus soluços, ou com quantas vezes as frases saíram emboladas. Ele apenas queria falar. Queria dizê-la o quanto a amava, o quanto sua vida seria nada se a mesma partisse.
Queria lhe fazer carinhos, lhe encorajar a aguentar firme, queria dizer-lhe para ter esperança.
Mas os sentimentos de Arthur estavam tão misturados que nem ele mesmo sabia dizer o que sentia. Não sabia se sentia medo, insegurança, tristeza, desespero... Esperança.
Uma parte dele queria acreditar que ela ficaria bem. A parte dele que ainda lembrava alguma coisa de sua infância.
Outra parte, a realista, sabia que ele estava perdendo ali o seu grande amor.
Vida maldita. Ele teria pensado, se tivesse pensado alguma coisa.
Com muito esforço, Ivane conseguiu sorrir e mover os lábios, de forma que ele lesse ali seu último: “Eu te amo”.
E então, ela partiu.
Sem uma despedida. Sem um nome. Sem uma pista que fosse.
Depois de chorar abraçado com a amada durante algum tempo, outro sentimento, além da tristeza, começou a predominar nas emoções de Arthur.
A raiva.
Afastou um pouco o corpo de Iv do seu, beijando-a pela última vez, e em seguida, sussurrando uma promessa em seu ouvido:
- Eu vou mandá-lo para o inferno. – falou por entre os dentes. – Quem quer que tenha feito isso com você, Iv. Eu vou matá-lo... Nem que vê-lo morto seja a última coisa que eu faça.
...”
‘Vou mandá-lo para o inferno’, lembrou, fechando os olhos na aula durante um segundo.
Ele prometera a Ivane acabar com a vida de quem lhe tinha feito mal. Isso seria heroico, sim, se por outra perspectiva, ele não tivesse prometido a ela que se tornaria um assassino.
Um assassino.
Chegava até a ser irônico. Enfim ele se tornaria o que tanto negou ser.
Mas no princípio, ele não se importava. Não se importava porque, assim que tirasse a vida do infeliz, ele seria o responsável por acabar com a sua própria. Não queria mais viver, não queria mais sua miserável existência, assim que seu objetivo estivesse cumprido.
Ele não queria.
Mas então, Lua entrou na sua vida. Entrou na sua vida e trouxe com ela a luz que tinha sido roubada dele.
Não por parecer com Ivane. Mas por ser seu encaixe perfeito. O encaixe que nem Iv conseguia ser.
Luinha entrou na escola e conseguiu monopolizar toda a atenção do menino para si. A atenção e os sentimentos.
Uma parte de Thur acreditava que, se Ivane estivesse viva, ele seria capaz de deixá-la só para esperançar ficar com Lua.
A garota tinha a habilidade de iluminar as partes escuras em seu coração, tinha a habilidade de fazê-lo se sentir... Alguém.
No fundo, Arthur sempre soube que isso era tudo o que queria. Se sentir alguém. Se sentir parte de alguma coisa.
Muitas vezes, com Ivane, ele chegava a pensar que era apenas um mero objeto sexual. Sem nenhum valor emocional para a mesma.
Para Lua, não.
Ela o sentia. Ele conseguia mexer com ela... Ela chorava por ele.
Seria ela, mesmo depois de tudo, capaz de amar um assassino?
Depois de fazer algo assim ele ainda seria capaz de conquistar o seu amor?
Mas Thur não queria pensar sobre isso. Queria ao máximo controlar o que sentia. Pelo menos até cumprir a promessa. Até cumprir a promessa e pensar em como lidar com essa situação depois.
Se mataria? Se entregaria?
Qualquer uma dessas saídas significava ficar sem ela. E era sabendo disso que ele tinha medo. Tinha medo das proporções que seu gostar podia tomar.
Londres; Highgate High School; Terça-feira; 4:43 da tarde;
- Vamos, Aguiar. Vamos. Vamos! – o treinador Stevens gritava na quadra, incentivando-o a correr mais com a bola enquanto driblava alguns colegas.
Mesmo que voltar para o time de futebol tenha sido exclusivamente com o propósito de vigiar Luinha, Thur não conseguia não se sentir bem ao praticar o esporte. Era a dança que ele mais gostava.
O gingado dos dribles, a arte do goleiro e a glória dos gols. Arthur podia continuar fazendo isso para sempre.
- Atenção, zaga! – Stevens gritou para os jogadores do outro time, assim que Thur se aproximou.
Edgar, um grandalhão, foi facilmente ultrapassado por Arthur, deixando assim que a única pessoa entre ele e o goleiro fosse Scott.
‘Venha, Aguiar’, o moreno pensava.
Quando Scott olhava para Thur, seus olhos sempre se estreitavam, sua boca sempre ficava amarga.
Culpava o menino por todos os problemas que tivera na vida. Principalmente a humilhação de ter apanhado do mesmo no corredor da escola.
Arthur era um lixo, segundo a concepção de Scott. Uma anomalia da natureza que não merecia estar naquele colégio. Que não merecia viver. Scott o odiava. Oh, sim. Concentrava toda a raiva de suas frustrações em Thur.
Aquele perdedor merecia ser punido. Merecia ser punido apenas por respirar o mesmo ar que os demais.
Uma vontade nova cresceu em Scott. Ele queria feri-lo.
- Scott, é com você! – o treinador gritou.
‘Pode deixar comigo’, pensou, antes de sorrir maliciosamente e tomar impulso, jogando-se repentinamente no chão para impedir Thur de passar da área com um carrinho.
Um carrinho o qual Scott tinha imprimido toda sua força.
A mente do garoto já previa os jogadores em volta do Thur ferido. Já previa ele nos próximos dias com a perna engessada. E isso trazia a Scott uma felicidade imensa.
Quando sua chuteira ia acertar a canela de Arthur, o mesmo levantou a bola e pulou por cima da perna do garoto, desviando-se do impacto.
Uma onda de decepção atropelou Scott ainda mais quando viu os jogadores da outra equipe, no treino, comemorando o gol.
- Muito bom, Aguiar. Muito bom. – Stevens aplaudiu.
Scott sentou no chão olhando a sua volta e percebendo um olhar acusador na sua direção. Duan. Duan o olhava como se soubesse exatamente de suas intenções ao dar o carrinho. E o condenava.
‘Vá se foder’, Scott pensava em resposta.
Sua raiva era grande, mas não maior do que a que teve quando viu o sorriso vitorioso nos lábios de Thur.
Oh, sim, Aguiar. Você seria punido. Mais do que já tinha sido...
Observou o menino sair da quadra junto aos demais, assim que o sinal para o término do treino tocou.
Arthur sabia perfeitamente bem quais eram as intenções de Scott naquela hora. Mas preferia ignorar. Achava que o menino não era merecedor do mínimo de atenção de fosse.
Encontrou Luinha e Mel também se dirigindo ao estacionamento.
Mel estava com os cabelos presos, olhando para ele com menos resguardo do que olhava há uma semana. Lua, assim que viu o rapaz, tirou a gominha dos cabelos, deixando que eles caíssem sobre a blusa do uniforme.
- Boa tarde, meninas. – ele tentou parecer simpático.
Mel respondeu com uma risadinha. Lua sorriu e virou o rosto, com a falta de graça.
- Você atropelou o dedão do Scott com uma bicicleta ou algo assim? – Melzinha disse, ao ver o garoto carrancudo passar e esbarrar propositalmente em Thur.
- Não preciso fazer qualquer coisa assim pra que ele fique raivoso.
- O que aconteceu? – Luinha perguntou, preocupada.
- Nada. – ele deu de ombros. – Meu time apenas ganhou do dele. Só isso.
‘Só isso’, Luinha pensou. Nunca pode ser “só isso” quando se trata da Highgate.
Scott parecia realmente furioso. E se ele quisesse fazer alguma coisa contra Thur? E se o ferisse? O coração de Lua bombeava mais rápido só de pensar nisso.
Vendo a expressão perturbada no rosto da garota, Arthur colocou a mão em seu ombro, detendo o andar de Luinha, assim como o seu.
- O que foi? – perguntou baixo.
Mel, percebendo que os dois tinham ficado para trás, parou de andar a alguns metros de distância.
- Nada. – Ela tentou aparentar leveza, mas ele não a levou a sério. – Nada, sério.
- Se você diz...
- Luinha! O Chay já chegou. – Melzinha chamou-a.
- Ah! – a garota falou, olhando para Arthur como se lhe devesse alguma explicação. – Prometi a eles que os ajudaria com... Alguns assuntos. Preciso ir, Thur.
- Te vejo amanhã? – ele perguntou.
Lua sorriu.
- Até amanhã, Aguiar.
Deu as costas ao rapaz e andou com Mel até o Hyundai i30 de Chay.
Com a chegada de Arthur quase tinha se esquecido de que combinaram de ir ao Mark’s, para estimular os flashbacks de Mel. Chay jurava que tinham estado lá na semana do assassinato, então era lá mesmo que iriam.
Durante o caminho, Mel pensava sobre Thur e Lua. Há quanto tempo não via um brilho assim nos olhos do garoto? Não poderia dizer que havia aproximadamente um ano, porque nem mesmo com Ivane os olhos dele brilhavam tanto. Será que Lua havia sido capaz de restaurar todo o coração do menino? Até a parte que já estava arruinada quando Ivane chegou?
Fosse como fosse, ele estava feliz. E Mel sabia que ele seria incapaz de fazer mal a ela. Seria incapaz de fazer mal ao motivo da sua felicidade.
Chegaram ao bar velho e sentaram-se no lugar onde costumavam há algum tempo atrás, antes da tragédia. Costumavam sentar lá com mica, Sophia, Rod e às vezes até mesmo Ivane e Thur, para jogar conversa fora.
Era uma mesa de madeira baixa, no fundo do pub, onde podiam ter a visão de tudo.
Chay tinha até se esquecido de como gostava da sensação de se sentar ali. De conversar e estar naquele lugar com os amigos. Eram memórias que pareciam habitar um passado muito distante, tão distante que ele mal podia relembrar os papos, os sorrisos.
mica e Sophia juntos, Rod apaixonado por uma líder de torcida, Ivane viva e Thur feliz. Quase parecia um universo paralelo.
Chay sorriu ao pensar que o único casal que não teve nenhuma alteração real, tinha sido ele e Mel. Ainda bem, pois aquela era a garota que ele desejava desde os quinze anos de idade...
- E aí, Chay! – Marcus, o gerente, gritou do bar. – Vão querer alguma coisa?
- Nada por enquanto, Marcus. Obrigado. – ele respondeu, depois passando os olhos pelo ambiente.
Perfeito. Não estava muito cheio. Ninguém repararia em alguma coisa diferente que Mel pudesse dizer ou fazer durante algum de seus flashbacks.
Quase não havia pessoas da Highgate. Apenas alguns nerds, que iam para lá tentar fazer a lição de casa.
- Pronto, Luinha. – Melzinha disse. – Era aqui que Ivane sentava. – Apontou para a cadeira a sua frente, e a menina seguiu até lá sem contestar.
- Okay. – Luinha suspirou. – Devo fazer mais alguma coisa?
- Não. Acho que já está bom. Agora é só esperar que algo me seja familiar...
E assim ficaram durante um bom tempo, falando sobre coisas banais e esperando que alguma memória de Mel fosse reatada. Apesar da decepção aparecendo na feição de todos na mesa, eles não iriam desistir.
Mel, principalmente, tinha o pressentimento de que ali tinha acontecido algo muito importante para o entendimento de toda aquela história. Só não conseguia conectar os fatos. Não podia imaginar o quê.
Quando Lua decidiu ir ao banheiro e apoiou na mesa para se levantar, Mel soube exatamente o que era.
“O calendário na parede do pub marcava quarta-feira. Naquele dia, aparentemente toda a escola tinha decidido aparecer no local. Estava bem mais animado do que de costume. Rock tocava no fundo, as pessoas dançavam, riam e se embebedavam.
Diferentemente de todos sentados a mesa, Ivane estava quieta, e olhava os presentes com um olhar sorrateiro, calculista.
- Cadê o Thur, Iv? – mica perguntou abraçado a Sophia. Como sempre, o mais indiscreto.
Mel chutou-o por debaixo da mesa, e assim que ele a olhou, ela fez careta. Sabia muito bem o que tinha acontecido entre Thur e Ivane no dia anterior. Não queria que a amiga ficasse recordando isso.
Ivane tinha tendências destrutivas, impulsivas. Sempre que alguém lhe fazia mal, a loira queria revidar sete vezes pior. E Melzinha sabia que ela era capaz. Se há uma coisa que Ivane sempre tinha tido, era malícia.
Uma malícia num nível que Mel nunca saberia entender.
Iv olhou para mica e apenas lhe lançou um sorriso sarcástico. Isso bastou para fazê-lo engolir a seco.
Chay e Sophia pareciam se divertir observando Rod conversar com Ashley, outra líder de torcida, do lado oposto do pub.
A espinha de Melzinha gelou ao ver a expressão ardilosa de Iv se tornar um sorriso sombrio. Nada de bom vinha daquele tipo de sorriso. Principalmente dos sorrisos dela.
- Iv... – ela começou a falar, tentando impedir a amiga de fazer o que quer que ela estivesse planejando.
- Relaxa, Melzinha. – ela piscou, apoiando na mesa para se levantar. – Acho que vou ao banheiro.
- Ivane... – Sophia disse numa voz apreensiva. Assim como Mel, não gostava nem um pouco quando a menina assumia o aspecto malandro.
- É só um segundo. – ela fez bico. – Prometo me comportar.
- Você não precisa de dedos cruzados para quebrar promessas. – Melzinha disse. – Eu a conheço.
- Então sabe que não vou fazer nada demais.
Com um sorriso, ela se afastou da mesa.
A garota usava um vestido preto de couro colado, curto, uma bota, maquiagem forte. Com certeza não estava vestida como quem estava na fossa. Ou como quem quer agradar o pai.
Ivane estava ali armada para montar seus planos e estratégias. Planos esses que nunca acabavam de uma forma boa.
Sempre alguém saia ferido.”
“Melzinha avistou Ivane voltando para a mesa, depois de aproximadamente uma hora, trocando os pés.
A menina ria à toa. Seus cabelos estavam bagunçados e a roupa torta, como se tivesse tentado colocá-la novamente no lugar, mas sem resultado.
‘O que você fez?’, sussurrou para ela, assim que a mesma se sentou.
Ivane sorriu, umideceu os lábios com a língua e sussurrou de volta:
‘Você sabe o que eu fiz’
...”
- Amor? – Chay perguntava, segurando os ombros de Mel. – Melzinha, o que você viu?
Lua também olhava espantada para a menina. Pela expressão da amiga, não podia ter visto coisa boa.
Mel levantou os olhos do vazio e olhou para os dois.
- Ela o traiu. Aqui. – falou baixo, para que ninguém mais tivesse a chance de ouvir. – Ela traiu o Thur. Foi aqui onde ela teve sua vingança.
O coração de Luinha bateu inquieto, ao pensar no quão chateado ele ficaria se soubesse disso. Já Chay surgiu com outra pergunta:
- Com quem?
Mel balançou a cabeça negativamente, depois disse:
- Não sei.
Londres; Highgate High School; Segunda-feira; 5:03 da tarde;
Já tinha se passado uma semana desde que Lua conversara com mica sobre Sophia. Uma semana tinha se passado desde que ela, sempre, em pelo menos alguma hora do dia, pensava nisso.
Era trágico de se pensar. E ainda mais de se ouvir.
As lágrimas de mica ficaram guardadas na cabeça da garota. Seu choro. Suas palavras. Palavras que também eram expressadas nas páginas de seu caderno. Luinha fechou os olhos por um momento, durante sua andança até a porta da Highgate, depois da educação física.
Seu corpo estava aquecido graças aos exercícios. Os cabelos finos presos por um rabo-de-cavalo e desgrenhados na frente, o pescoço suado. Odiava ser vista quando estava daquela forma, mas sentia como se isso fosse essencial. Essencial para que as pessoas a aceitassem como ela é.
Acreditava que, se uma pessoa tivesse que gostar dela, teria que aprová-la em todos os seus momentos. Momentos esses que variavam desde quando ela estava super produzida para uma festa, até quando ela parecia desarrumada ao acordar.
Respirou profundamente, colocando os fios de cabelo que estavam em pé para trás da orelha.
Seu relacionamento com Thur ia bem, obrigada. Ou melhor, bem a medida do possível.
Às vezes Lua gostava de fazer paralelos entre o Thur do início do semestre e esse, que agora ela conhecia. Aguiar estava mais extrovertido, mais alegre, mais vivo... Porém não menos encantador. Se há alguma coisa que aquele garoto não perdia, era o encantamento. O encantamento e toda sua aura de mistério e sedução.
Seus olhos agora mais brilhantes e menos foscos, eram até mais atraentes. De qualquer forma que ele estivesse, a cada dia que passava ele se tornava mais fascinante para ela.
Mas quem Lua queria enganar?
Ela estava completamente apaixonada por Arthur Aguiar.
Ela deu risada ao finalmente perceber o que há tanto tempo era tão óbvio.
Ouviu a voz de Thur chamá-la do Audi preto, como se essa voz tivesse sido atraída pela força de seus pensamentos.
Aproximou-se dele com um sorriso nos lábios, e involuntariamente, soltou seus cabelos.
Não sabia porque tinha tanta necessidade de estar com eles soltos na presença de Aguiar, mas tinha. Talvez, quando estava perto dele, ignorava a própria política de “ser aceita do jeito que é” e quisesse parecer mais bonita.
Provavelmente era isso.
- E aí? – tentou parecer descontraída, ao parar na frente do rapaz.
O que ela não sabia era que, para Thur, de qualquer forma que ela estivesse, ela estava ótima. O menino achava bonito até o ritmo de sua respiração. Aliás, qualquer prova de que ela estava viva e ao seu lado era extraordinariamente adorada por ele.
Desde a morte de Ivane, a comprovação de que o que ele vivia era real tinha se tornado uma necessidade. E a única hora em que tudo parecia normal, em que tudo parecia certo, era ao lado de Lua.
Ela tinha sido a primeira a se importar.
Ao ver o sorriso nos lábios dele, Luinha se lembrou da semana anterior, quando Thur voltou a lhe dar carona. Sentia-se mais confortável assim. Voltar para casa ficava melhor quando ela estava com ele. Não com um táxi. Não com qualquer outra pessoa.
Lua tinha um jeito singular de morder os lábios e colocar os cabelos para trás da orelha. Não era nada parecido com o jeito de Ivane.
Aliás, as duas eram totalmente diferentes.
Às vezes, por mais que se envergonhasse disso, Arthur se pegava pensando em como poderia ter se apaixonado por alguém como Iv. Alguém tão egoísta. Tão egocêntrica.
Ivane gostava tanto das coisas erradas que algumas vezes chegava até a ser cruel. Gostava de jogar com os outros, como se fossem suas marionetes. De vez em quando, Thur se sentia apenas mais uma. Mais um boneco do grande jogo de Ivane.
Ele sabia que, de um lado mórbido, uma parte dela que tinha ficado feliz em morrer. Enfim ela tinha conseguido o que queria: escandalizar na vida e na morte.
Lua, em contra partida, apesar de não ser uma garota completamente comportada, tinha seus limites. Ela os estabelecia a si própria e aos outros.
Quando passava desses limites, era puramente com a intenção de se divertir, e nunca de fazer mal a alguém.
Para ela, todos eram “alguém”.
E era toda essa sabedoria que surpreendia Arthur. Como tanta astúcia cabia dentro de um corpo tão pequeno? [N/A]: coloque para tocar! Obs. Pode ler com bastante calma.
Ela era obstinada, esperta, generosa. Não chegava a ser algo como “a gêmea bondosa e a gêmea cruel”, porque sabia que Luinha fazia tanto coisas certas quanto erradas. Ela tinha suas malícias e molecagens. Mas não como as de Ivane. Lua não feria alguém intencionalmente.
Pensou em algo como: “uma gêmea com sentimentos e a outra sem”. Mas seria uma grande mentira. Todos têm sentimentos e ninguém sabe controlá-los. A diferença é que uma das gêmeas tenta, enquanto a outra os esconde.
Escondia.
Thur esticou sua mão esquerda para abrir a porta do Audi para Lua, ao mesmo tempo em que ela esticava a direita para fazer o mesmo. Quando suas mãos se encostaram, Arthur instantaneamente recolheu a sua, como se tivesse levado um choque... Ou um susto. Não sabia o que causava aquelas reações em si mesmo. Podia dizer que não tinha idéia, mas isso não seria inteiramente verdade. O motivo disso podia muito bem ser a memória e a culpa que sentia pela morte da ex-namorada.
Passou um ano se acostumando a repelir as garotas para agora querer mudar completamente de hábitos, com a chegada de uma.
Era uma mudança difícil.
Mas ele estava disposto a conseguir.
Luinha havia encolhido os ombros e o olhava com o semblante machucado. Sentia-se rejeitada, e agora que finalmente tinha se declarado apaixonada por ele, essa ferida doía ainda mais.
- Okay, isso é patético. – ela disse irritada. – Você tem nojo de mim ou o quê? Do que tem tanto medo?
E isso serviu como um incentivo para que Thur fizesse o que ele queria há meses.
Ele não tinha nojo dela, porém tinha medo. Tinha medo de afundar ainda mais no sentimento que, ele sabia, uma vez dentro, nunca mais o permitiria ser o mesmo.
Thur esqueceu completamente o cavalheirismo ao puxá-la pelo braço. Esqueceu completamente o cavalheirismo ao emaranhar os dedos em seu cabelo sedoso e escuro.
Finalmente tinha ultrapassado a linha que estabelecera para si mesmo: permitiu-se ter sentimentos por outra mulher.
Ela queria saber o que ele temia.
‘Do que eu tenho medo?!” Ele pensou.
- Disso - sussurrou, pouco antes de sentir seus lábios finalmente junto aos dela.
Sua língua pediu passagem com uma urgência voraz, que foi igualmente correspondida pela menina.
Luinha fechou seus olhos, cravando as mãos nas costas de Arthur, que não menos violentamente segurava sua cintura e apertava seus cabelos.
Ela sentia calor. O calor do corpo de Thur, colado ao seu. O calor da respiração do rapaz em sua bochecha. O calor de sua boca e língua, tão concentrado na ferocidade daquele beijo.
Thur girou o corpo, de modo a conduzir Luinha a rapidamente se encostar contra a porta do carro. Ter uma superfície sólida a que se apoiar permitiu aos dois mais contato físico. Mais contato entre as peles por baixo das roupas.
Naquele instante sim puderam perceber o ritmo do coração um do outro. Acelerados, eletrizados. Assim como os dois estavam.
Quem via a cena devia ficar no mínimo constrangido. Mas quem ligava? Com certeza não Lua e Thur.
Arthur levantou-a até que essa estivesse sentada na altura do sulco da janela, e sem perder tempo, Luinha enlaçou a cintura do garoto com as pernas, enquanto subia uma de suas mãos para o cabelo do mesmo.
Thur sorriu durante o beijo. Quase se esquecera de como era bom o sabor de um beijo assim. De um momento assim.
Talvez, na realidade, nunca tivesse vivenciado algo assim. E ele não queria parar tão cedo.
Do outro lado do estacionamento, um garoto moreno alto observava a cena com um sorriso de escárnio no rosto.
Scott estava posicionado atrás de sua picape, admirando tudo aquilo como se fosse uma atração de circo. E para ele era. Mas era apenas a atração inicial. O espetáculo em si estava por vir...
Foi no meio de lembranças que ele sussurrou para si mesmo:
- Meu prazer será ver a sua ruína, Aguiar. Eu já fodi com a sua vida uma vez... E farei issonovamente .
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