sábado, 31 de março de 2012

O Noivo da minha Melhor Amiga(Último Capítulo)




Vinte e cinco


No dia seguinte Sophia finalmente entra em contato com Arthur. Ele me liga depois para contar.
Meu coração palpita. Ainda não superei o medo de Sophia tomar Arthur novamente, interromper a gravidez, mudar de idéia, reescrever a história.
- Conta tudo para mim - peço a ele.
Arthur resume a conversa, ou melhor, as exigências de Sophia: ele tem de tirar o resto das coisas dele de casa em sete dias, em horário comercial, ou tudo será jogado no lixo. Ele deve deixar as chaves. A mobília vai ficar, exceto a mesa que ele "a obrigou a comprar", a cômoda que ele "trouxe para aquela piada de relacionamento" e as "luminárias horrorosas" de sua mãe. Ele reembolsará os pais dela pelo vestido e pelos adiantamentos da festa, ou seja, quase tudo, o que dá mais de cinqüenta mil dólares. Ela vai cuidar da devolução dos presentes. E vai ficar com o anel de brilhante que ele comprou após ela ter perdido o primeiro, apenas alguns dias antes do rompimento.

Espero ele terminar e então digo:
- Exigências injustas, você não acha?
- Pode-se dizer que sim.
- Vocês deveriam dividir os custos do casamento - protesto. - Ela está grávida de outra pessoa.
- Nem me fala.
- E tecnicamente o anel é seu - digo. - Pela lei de Nova York. Vocês não eram casados. Ela só fica com o anel se vocês se casarem.
- Eu não me importo - diz ele. - Não vale a pena brigar por causa disso.
- E o apartamento? O apartamento era seu.
- Eu sei... mas agora não quero mais, nem a mobília - diz ele.
Estou satisfeita que ele se sinta assim. Não consigo me imaginar visitando Arthur no antigo apartamento de Sophia.
- Onde você vai morar?
- Vou ficar morando com você.
- É mesmo?
- Foi só uma piadinha, Lua... Vamos ficar assim por um tempo.
Rio.
- Ah... é. Está bem.
Estou um pouco decepcionada, mas apesar de tudo aliviada. Tenho a sensação de que poderia viver com Arthur imediatamente, mas quero que nossa história dê certo e não vejo motivo para apressar as coisas.
- Liguei para alguns lugares hoje de manhã ... encontrei um apartamento de um quarto no East End. Acho que vou ficar com ele, não importa o preço.
Ficar com ele, não importa o preço. Exatamente como você fez comigo.
- Como Sophia vai pagar o aluguel sozinha? - pergunto, mais curiosa que preocupada, embora uma parte de mim se preocupe com o bem-estar dela, com seu futuro, com o futuro do bebê. Não consigo parar de me preocupar com Sophia depois de ser assim a vida inteira.
- Talvez Micael passe a morar com ela - diz Arthur.
- Você acha?
- Eles vão ter um filho.
- Acho que sim. Mas você realmente acredita nesse casamento? - pergunto.
- Sei lá, não me importo - diz ele.
- Você não teve notícias do Micael, não é?
- Não ... Você teve?
- Não.
- Não acho que ele vá telefonar.
- Você vai ligar para ele?
- Talvez algum dia. Não agora.
- Hum - digo. Talvez um dia eu também telefone para Sophia. Mas não agora. - Então foi só isso? Ela falou alguma coisa sobre mim?
- Não. Fiquei chocado. Uma tremenda discrição para ela. Sophia deve estar sendo muito bem orientada.
- Com certeza. Discrição não faz o estilo de Sophia.
- Mas chega de falar nela - diz Arthur. - Vamos esquecê-la por um tempo.
- Eu esqueço, se você também esquecer - digo.
- Então o que você quer fazer hoje à noite? - pergunta Arthur. - Acho que vou conseguir sair mais cedo, e você?
São cinco horas e eu ainda tenho pelo menos quatro horas de trabalho, mas respondo que posso sair a hora que ele quiser.
- Que tal a gente se encontrar às oito?
- Claro. Onde?
- Vamos cozinhar juntos na sua casa. A gente nunca fez isso.
- Está bem, mas ... Eu não sei cozinhar - confesso.
- Sim, você cozinha.
- Não, sério, eu não sei.
- Cozinhar é fácil- diz ele. - Você simplesmente pega o jeito à medida que faz.
Sorrio.
- Isso eu sei fazer.
Afinal, isso é mais ou menos o que tenho feito ultimamente.
Uma hora depois saio do escritório, sem me importar de esbarrar com Les. Desço de elevador até o saguão e depois mais duas escadas rolantes até a estação Grand Central. Paro para apreciar o deslumbrante terminal principal, tão familiar e tão associado ao trabalho que de alguma maneira ignorava sua beleza no dia-a-dia. Observo as escadarias de mármore de ambos os lados da construção, as janelas em arco, as sensacionais colunas brancas e o elevadíssimo teto turquesa retratando constelações. Observo as pessoas, a maioria delas com roupas de trabalho, se movimentando em todas as direções para tomar o metrô em direção às áreas residenciais nos arredores da cidade, metrôs que cobrem cada esquina de Nova York e têm diversas saídas para as agitadas ruas da cidade. Olho para o relógio central, observo atentamente seu elaborado mostrador. São exatamente seis horas. É cedo.
Caminho lentamente até o mercado, um espaço com barracas que vendem delícias para gourmets localizado na ponta leste da estação. Já passei muitas vezes por esses corredores com Mel, comprando de vez em quando uma trufa de chocolate para acompanhar o café do Starbucks. Mas esta tarde vim numa missão maior. Ando de uma barraca à outra, enchendo meus braços com as mais variadas iguarias: queijos duros e cremosos, pães frescos, azeitonas verdes sicilianas, salsinha italiana, orégano fresco, uma cebola Vidalia perfeita, alho, azeites e temperos, massa colorida, um vinho caro e dois sofisticados doces, desses que se vêem em restaurantes. Saio da galeria na Lexington, passando por uma fila improvisada para o táxi e pela multidão de transeuntes apressados de Midtown. Decido ir a pé para casa. Minhas sacolas estão pesadas, mas não me importo. Não levo uma mala cheia de causas e livros de Direito. Estou carregando o jantar para Arthur e para mim.
Quando chego ao meu prédio, digo a José para deixar Arthur subir quando ele chegar.
- Não precisa mais interfonar quando for ele.
Ele pisca e abre a porta do elevador para mim.
- Ah, então é sério! Isso é bom.
- Muito bom - repito e sorrio.
Logo depois, ponho as compras sobre a bancada da cozinha. Meu apartamento nunca teve tanta comida de uma vez. Ponho o vinho na geladeira, coloco uma música clássica e procuro o livro de receitas que minha mãe me deu de Natal há pelo menos quatro anos, um livro que até agora eu não tinha nem aberto. Folheio as páginas brilhantes e intocadas, encontro uma salada e uma receita de massa que posso preparar com os ingredientes de que disponho. Então encontro um avental, mais um presente intacto, e começo a descascar, picar e refogar. Consulto o livro para não me perder, mas não sigo todas as instruções com muita precisão. Uso o orégano fresco no lugar do manjericão e dispenso as alcaparras. O jantar não vai ser perfeito, mas estou aprendendo que a perfeição não é o que importa. Na verdade, perfeição demais pode ser perigoso.
Troco de roupa, escolho um vestidinho branco com detalhes bordados em rosa. Depois arrumo a mesa, ponho água para esquentar, acendo velas e abro a garrafa de vinho, servindo duas taças e bebendo um gole da minha. Olho para o relógio. Tenho ainda dez minutos. Dez minutos para sentar e pensar na minha nova vida, na sensação de ser o único e legítimo amor de Arthur. Eu me instalo no sofá, fecho os olhos e respiro fundo. Cheiros gostosos e sons claros e bonitos preenchem meu apartamento. A paz e a calma tomam conta de mim enquanto percebo que não estou com qualquer sentimento ruim: não tenho ciúmes, preocupação, medo, nem estou sozinha.
Só então reconheço que talvez esteja sentindo a verdadeira felicidade. Até mesmo alegria. Nos últimos dias, quando senti essa emoção em meu coração, percebi que a chave da felicidade não deveria ser encontrada num homem. Que uma mulher independente e forte deveria se sentir realizada e plena por conta própria. Isso é verdade, é realmente possível. E mesmo sem o Arthur, gosto de pensar que ainda poderia ser feliz. Mas a verdade é: eu me sinto mais livre com o Arthur que quando estava solteira. Eu me sinto mais Lua com ele do que sem ele. Talvez o amor verdadeiro faça isso.
E eu realmente amo Arthur. Eu o amei desde o começo, desde os tempos da faculdade, quando acreditei que ele não fazia o meu tipo. Eu o amo pela inteligência, pela sensibilidade, pela coragem. Eu o amo completa e incondicionalmente, sem reservas. Eu o amo o suficiente para me arriscar. Eu o amo o suficiente para sacrificar uma amizade. Eu o amo o suficiente para aceitar minha própria felicidade e com ela fazê-lo feliz também.
Ouço alguém bater na porta. Levanto-me para atender. Estou pronta.

Vinte e seis

É sábado, o que seria a noite de casamento de Sophia e Arthur. Estou com ele no 7B, o bar onde tudo começou, de volta à noite do meu trigésimo aniversário. Nos sentamos na mesma mesa de bancos com encosto alto. Foi minha idéia voltarmos aqui. Sugeri meio de brincadeira, mas no fundo precisava voltar e revisitar minhas primeiras sensações deste relacionamento. Queria perguntar se Arthur está triste nesta noite, mas em vez disso conto uma história sobre Les, como ele me atacou no corredor por eu não ter destacado pontos importantes do rascunho de um relatório.
- Esse cara é um miserável... Será que você não pode trabalhar com outra pessoa?
- Não. Sou sua escrava pessoal. Ele monopoliza meu tempo e os outros advogados não me convidam porque ficam intimidados por ele. Estou encurralada.
- Você alguma vez já pensou em mudar de escritório?
- Às vezes penso. Na verdade, hoje mesmo comecei a revisar meu currículo. Talvez eu até abandone a área de Direito, embora não saiba o que fazer.
- Você seria boa em tantas coisas - diz Arthur, confiante.
Adiciono sua confiança em mim à crescente lista de suas qualidades.
Penso em lhe contar sobre a minha idéia de me mudar temporariamente para Londres, imaginando se ele me acompanharia. Mas hoje não é o dia para essa conversa. Já tem muita coisa acontecendo. Ele deve estar pensando no casamento suspenso, levantando suposições. Como ele poderia não pensar nisso?
- Vou botar algumas músicas para tocar na jukebox - digo.
- Quer que eu vá com você?
- Não. Volto logo.
- Escolha umas bem boas, tá?
Lanço aquele olhar de "confie em mim". Caminho até a jukebox, passo por um casal fumando em silêncio. Enfio na máquina uma nota de cinco meio amassada. A máquina recusa a nota umas três vezes, mas sou paciente, aliso as pontas na minha coxa, até que finalmente ela aceita. Seleciono as músicas calmamente. Escolho algumas que Arthur gosta e outras em homenagem ao nosso primeiro verão juntos. E, claro, ponho "Thunder Road" para tocar. Olho para Arthur, que está pensativo. De repente, ele olha para mim e acena, está com um sorriso despreocupado. Volto para a mesa e deslizo para o lado dele. Enquanto ele põe o braço sobre o meu ombro, uma onda de emoção me deixa sem fôlego.
- Oi, você aí - diz ele, tão carinhoso e apaixonado quanto eu.
- Oi - respondo no mesmo tom.
Nós somos um daqueles casais que eu costumava olhar, pensando que jamais viveria algo tão especial. Lembro-me de me tranqüilizar imaginando que provavelmente esses casais pareciam mais felizes do que realmente eram. Felizmente me enganei.
Sorrio para Arthur, reparo numa falha em sua sobrancelha, um espaço vazio onde talvez três ou quatro fios de cabelo deveriam estar.
- O que aconteceu aqui? - pergunto, esticando o braço para alcançar sua sobrancelha. As pontas dos meus dedos tocam suavemente o local.
- Ah, isso? É uma cicatriz. Eu caí jogando hóquei quando era criança. Os pêlos nunca mais cresceram aí.
Nunca notei isso antes e percebo que nunca soube que ele jogava hóquei. Tem tanta coisa que eu ainda não sei sobre Arthur. Mas agora nós temos tempo. Um tempo interminável pela nossa frente. Analiso seu rosto atrás de outras novidades, até ele rir encabulado. Eu rio também e então nossos sorrisos se apagam juntos. Bebemos nossas cervejas num silêncio tranqüilo.
- Arthur - digo depois de um bom tempo.
- O quê?
- Você sente saudade dela?
- Não - diz ele com firmeza. Sua respiração esquenta minha orelha.
- Estou com você. Não, não sinto.
Dá para perceber que é verdade.
- Você não está nem um pouco triste hoje à noite?
- Não, nem um pouco - ele beija minha cabeça. - Sinto um monte de coisas neste momento. Mas tristeza não é uma delas.
- Ótimo - digo. - Fico satisfeita.
- Como você está se sentindo? Você sente saudade dela? - pergunta ele.
Analiso a pergunta dele. Estou bem feliz, mas com uma ponta de nostalgia, pensando em tudo o que compartilhei com Sophia. Até agora, nossas vidas estavam entrelaça das, ela foi minha referência para tantos acontecimentos. Batemos tambores no desfile do bicentenário. Amarramos fitas amarelas em volta das árvores do quintal durante um protesto. Vimos a queda do muro de Berlim, a dissolução da União Soviética, soubemos da morte da princesa Diana, choramos depois do 11 de Setembro. Tudo isso ocorreu com Sophia ao meu lado. E também há nossa história pessoal. Lembranças que só nós duas compartilhamos. Coisas que nenhuma outra pessoa compreenderia.
Arthur olha bem para mim, esperando minha resposta.
- Sim - digo afinal, de certa forma me desculpando. - Tenho saudade dela. Não posso evitar.
Ele balança a cabeça como se entendesse. Por que tenho saudade dela e Arthur não tem? Talvez porque eu a conheça há muito mais tempo. Ou talvez por conta da própria natureza da amizade versus relacionamento íntimo. Um namoro pode acabar. Podemos nos separar, encontrar outra pessoa, simplesmente deixar de amar. Mas uma amizade é diferente de um jogo de tudo ou nada, em que se um ganha o outro perde. Por isso ela parece eterna, especialmente uma amizade antiga. Apostamos na continuidade, exatamente o que é tão apreciado nesse tipo de relação. Mesmo quando Arthur tirou aquele duplo seis, nunca imaginei o fim da minha amizade com Sophia.
Penso nela agora, seus sentimentos neste exato momento. Será que está tão melancólica quanto eu? Ou apenas com raiva? Será que está com Micael ou com Luciane? Será que está sozinha, folheando pesarosamente o nosso álbum do segundo grau e as velhas fotografias do Arthur? Será que ela também sente saudade de mim? Será que um dia vamos ser amigas novamente, concordando hesitantes em almoçar ou tomar um café juntas, dando um pequeno passo de cada vez? Talvez nós nos lembremos, rindo, deste verão maluco quando uma de nós ainda tinha vinte e tantos anos. Mas tenho minhas dúvidas. Não podemos ignorar os fatos, especialmente se eu e Arthur ficarmos juntos. Nossa amizade provavelmente acabou de verdade e talvez assim seja melhor. Talvez Chaytenha razão, não posso mais usar Sophia como parâmetro da minha própria vida.
Acaricio meu copo, impressionada com o quanto tudo mudou em tão pouco tempo. Com o quanto mudei. Eu era uma pessoa que gostava de agradar os pais, uma amiga obediente. Fazia escolhas seguras, cuidadosas, e esperava que tudo se encaixasse na minha vida. Então me apaixonei pelo Arthur sem ao menos encarar os fatos. Esperei que ele tomasse uma decisão, ou que o destino interferisse a meu favor. Mas aprendi que é você quem constrói sua própria felicidade, que para ganhar algo que se deseja muito é necessário perder algo também. E quando os riscos são grandes, as perdas também podem ser.
Arthur e eu conversamos por um bom tempo, relembrando cada momento do nosso verão, as coisas boas e as ruins. Rimos na maior parte das vezes, mas fico com os olhos cheios d'água quando lembro que ele me disse que se casaria com Sophia. Conto dos nossos dados depois que ele saiu do apartamento. Ele me pede desculpas. Digo que ele não tem motivo para se desculpar, como não tinha naquele momento.
E então, um pouco antes da meia-noite, começa aquele som doce de gaita, tocando baixo no começo e depois aumentando o volume, ganhando impulso antes de Bruce Springsteen começar a cantar os primeiros versos de "Thunder Road".
Um sorriso se espalha pelo rosto de Arthur, seus olhos brilham e estão especialmente verdes. Ele me puxa para junto do peito e diz no meu ouvido:
- Estou feliz que a gente não esteja comendo bolo agora.
- Eu também - sussurro.
Arthur me segura enquanto ouvimos Bruce, as palavras da música repletas de significado para nós dois.
De repente me ocorre que esta noite é ao mesmo tempo um final e um começo. E pela primeira vez aceito ambos. Quando a música acaba, pergunto a Arthur:
- Você quer ir embora agora?
Ele concorda.
- Quero.
Levantamos e caminhamos pelo bar enfumaçado, deixando o 7B antes da próxima música começar. A noite está bonita e clara, o ar ligeiramente frio. O outono está chegando. Caminhamos de mãos dadas pela Avenida B, procurando um táxi amarelo que esteja indo na direção da minha casa.


FIM

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